As aventuras de Cacimba 12 – O Anjo Desaparecido
01/11/2025 -
Por Zé da Flauta*
Era noite de lua cheia em São Bastião do Jacaré Retorcido, uma cidadezinha tão pacata que até os ladrões pediam licença pra roubar. Mas naquela noite, a paz foi varrida por um acontecimento tão estranho quanto as histórias de Cacimba: a imagem do anjo da torre da igreja desapareceu sem deixar vestígio.
O sino parou de tocar. O padre se benzeu doze vezes e disse que aquilo era o Apocalipse. As beatas ajoelharam chorando, os cachorros uivaram pra lua e até o bêbado da praça, seu Dindinho, ficou sóbrio de susto. Foi então que, como quem chega pra narrar um milagre ao contrário, entrou Cacimba, com seus dois macacos nos ombros e um brilho suspeito nos olhos.
— O que foi que houve, povo? Parece que viram o Diabo tocando pífano! disse ele, largando um cacho de bananas de lado, que segundo ele, curavam saudade e hemorroida ao mesmo tempo.
— Sumiu o anjo da torre! gritou a zeladora.
— Um anjo?! Cacimba coçou o queixo. — Ah, mas isso tem cheiro de conspiração entre os ventos e os sinos... Já vi isso antes numa cidade que flutuava. Em 1937.
O povo arregalou os olhos.
— Naquela época, fui consultor de nuvens e detetive de coisas que voam sem asas. E tinha um anjo que sumia todo mês, pra tomar banho no açude das almas. Pode ser o mesmo.

Os macacos se entreolharam. Um sacou um lápis e começou a anotar tudo num bloquinho. O outro apenas abanava Cacimba com um leque feito de escamas de peixe elétrico.
— Mas eu vou encontrar esse anjo, nem que tenha que seguir o vento de ré! prometeu Cacimba, já tirando do bornal um estranho aparelho: um catavento preso a um estetoscópio.
Durante a madrugada, ele examinou pegadas de pombo, cheirou as telhas da torre e conversou com as sombras da sacristia. Quando amanheceu, apareceu na praça carregando o anjo nos braços, sujo de fuligem e com uma pena faltando.
— Tava preso dentro da chaminé da padaria. Tentou voar, mas escorregou na fumaça do pão doce! explicou, enquanto o povo aplaudia.
O prefeito quis dar uma medalha a Cacimba, mas ele recusou:
— Só aceito medalha se for feita de rapadura!
E assim, mais uma vez, Cacimba salvou a honra de uma cidade com uma mentira maior que o céu, e os dois macaquinhos comemoraram tomando água benta com cachaça, uma invenção dele chamada "santo remédio".
*Zé da Flauta é músico, compositor, filósofo e escritor.


