
Ensaio - Quando o Riso Fere: Memes, Memórias e a Fraternidade Luso-Brasileira
22/04/2025 -
Por Jorge Henrique de Freitas Pinho*
Recebi, há poucos dias, um desses memes que circulam com a leveza perigosa das piadas virais: chamava Portugal de “Guiana Brasileira”. À primeira vista, confesso, hesitei entre o riso espontâneo e o incômodo moral. Mas a reflexão venceu a hesitação — e é por isso que escrevo.
Quando a ironia escapa ao bom senso e transforma laços históricos em caricatura, é sinal de que algo mais profundo precisa ser revisto. E não apenas no plano simbólico, mas no mais íntimo dos sentimentos — aquele que liga a memória dos povos à identidade de cada indivíduo.
Falo, aqui, também de mim. Pois trago comigo uma identidade dupla: nasci brasileiro, com mãe amazonense e ascendente indígena, mas também carrego em minhas raízes o nome e o solo de Angeja, vila portuguesa de onde partiram sucessivamente, meu bisavô, meu avô e meu pai, sem perder laços com Portugal, em busca de um novo horizonte. É por isso que não falo como estrangeiro, mas como alguém que tem dois lados da alma voltados um para o outro — Brasil e Portugal não me dividem, antes me completam.
Talvez por isso me preocupe ver o surgimento de certos discursos — ainda que disfarçados de brincadeira — que zombam da relação entre nossos povos. Pois há algo de sagrado na amizade luso-brasileira, algo que não pode ser reduzido a meme, ironia ou revanchismo histórico. Essa relação, que já resistiu a tantos embates, floresceu na convivência e na miscigenação, no idioma comum e na saudade partilhada.
De modo geral, os portugueses que vieram para o Brasil aceitaram — com espantosa elegância — a alma leve e brincalhona do brasileiro. Riram ao serem tratados como os "portugas", trabalharam lado a lado, criaram laços aqui. Deixaram exemplos substanciais de uma ética de trabalho vigorosa. Foram alvos de piadas, sim, mas nunca deixaram de nos tratar como irmãos respeitando nossa cultura e costumes.
Por isso, ver agora brasileiros — sobretudo os que vivem em Portugal — por vezes desejando impor seus hábitos e modos ao país que os acolheu — é mais que um erro de etiqueta cultural: é um sinal de imaturidade ética. Pois como bem ensina a tradição sapiencial de todos os tempos, quem é recebido deve respeitar a casa que o abriga.
E aqui vale recordar o gesto de amor de um rei muitas vezes injustiçado: Dom João VI, tão ridicularizado por caricaturas republicanas, mas que talvez tenha sido o único monarca europeu que verdadeiramente amou o Brasil. Foi ele quem transferiu o coração político do Império para esta terra, trouxe o tesouro acumulado do reino, embelezou o Rio de Janeiro e criou instituições, imprensa, academias e, mais do que tudo, dignificou o Brasil como Reino Unido — algo sem precedentes na história colonial do Ocidente. Seu corpo repousa em Portugal, mas seu coração está no Brasil. Literalmente.
Rechaço, portanto, com serenidade, mas com firmeza, a visão difundida por pensadores como Caio Prado Júnior, que viu na colonização portuguesa um “erro estrutural” e nos portugueses degredados a semente do fracasso nacional. Essa narrativa, embora possa até ser considerada útil como provocação teórica, ignora o amor concreto de milhões de portugueses que aqui fincaram raízes e ajudaram a construir nossa cultura com dignidade, sacrifício e fé.
Além disso, alimentar essa visão distorcida é perpetuar o que Nelson Rodrigues chamou de “complexo de vira-lata”: um ressentimento mal resolvido que degenera em arrogância disfarçada de ousadia. É o tipo de riso que não emancipa, mas infantiliza. Que não une, mas afasta. Que não cura, mas fere.
E há ainda um dado estratégico a ser considerado. Portugal é um país demograficamente envelhecido, com carência crescente de força de trabalho e desafios geográficos que impõem limitações naturais ao seu crescimento. Neste cenário, a presença brasileira — culturalmente próxima, linguisticamente integrada e economicamente ativa — poderia e deveria ser vista como um fator de renovação e esperança, não de tensão e antagonismo.
Contudo, quando memes zombeteiros circulam com desdém, reforçando estereótipos e rompendo a delicada harmonia da convivência, abrem espaço para o ressentimento e fortalecem justamente as vozes que defendem restrições migratórias, discursos de fechamento identitário e nacionalismos excludentes, de qualquer espectro que veem o estrangeiro como ameaça, não como irmão. Ou seja, criam mais obstáculos do que pontes. E tornam mais difícil o que deveria ser natural: a integração afetiva, cultural e social de brasileiros em solo português tanto quanto de portugueses em solo brasileiro.
Somos irmãos, mas como todos os irmãos não somos iguais e precisamos amar e respeitar nossas diferenças.
Este ensaio, portanto, não nasce como censura, mas como convite. Um convite à maturidade histórica, à responsabilidade simbólica e à amizade consciente. O que queremos entre Brasil e Portugal? Uma ponte que honra o passado e constrói o futuro? Ou um abismo escavado por memes e ressentimentos reciclados?
1. A Fraternidade que une Brasil e Portugal
Portugal não é, para os brasileiros, um país qualquer. É, em parte significativa, uma casa de família. E não há metáfora mais justa. Pois há casas onde moram afetos antigos, memórias dolorosas, heranças mal resolvidas — mas também há amor, respeito e pertencimento. E é essa mistura, complexa e autêntica, que define os vínculos verdadeiros.
Desde o início da colonização até os dias atuais, mantivemos uma relação marcada por laços linguísticos, espirituais, afetivos e comerciais. Fomos, sim, uma colônia. Mas também fomos extensão viva de uma cultura milenar, que nos legou idioma, sistema jurídico, música barroca, poesia épica, pão quente nas manhãs e a saudade como categoria existencial.
Fomos gerados com violência — como todo nascimento. Mas crescemos com afeto, interdependência e reencontro.
Ao longo do século XX, milhares de portugueses vieram para o Brasil. E aqui, não lhes foi negado o chão, nem o trabalho, nem o abraço. Entraram em nossas padarias, nos casamentos mistos, nos negócios de bairro, nas festas de São João e até na arquitetura da memória.
Os brasileiros aprenderam a rir com os “portugas”, e com o tempo, os “portugas” aprenderam a rir de volta. Esse jogo de palavras jamais foi simples — mas era jogado com o espírito da reciprocidade cultural. Ria-se com, e não de.
Hoje, com o aumento da presença brasileira em Portugal, o movimento se inverte — e o desafio é o mesmo: aprender a respeitar, sem perder a leveza.
Mas a leveza precisa vir acompanhada da escuta. E a escuta pressupõe maturidade: saber quando uma brincadeira toca feridas históricas, e quando um gesto simbólico é mal interpretado como arrogância.
É hora de recordar que a fraternidade verdadeira exige mais do que afinidade — exige postura. Porque o amor entre nações, como entre irmãos, não se sustenta na zombaria, mas na reverência mútua. E se Portugal é, para muitos brasileiros, uma casa de família, há que se entrar nela com respeito, não com memes — com gratidão, não com desdém.
2. A Tentação da Ressignificação Irônica
Brincar chamando Portugal de "colônia brasileira" pode parecer subversivo, provocador ou até espirituoso. Em tempos de redes sociais, onde tudo vira palco e a inteligência parece medida pela acidez do comentário, o humor travestido de crítica ganha curtidas como se ganhasse sentido. Mas o gesto, ao repetir-se sem o tom certo, passa do chiste à hostilidade simbólica. E mais que isso: revela um mal-estar mais profundo, travestido de piada.
Ao sugerir, ainda que ironicamente, uma inversão colonial, os autores desses memes não resolvem o passado — apenas o caricaturam. Reeditam, sem sabedoria, feridas históricas que pedem cura e não revanche. E ao zombar da pátria-mãe, negam não só o respeito ao outro, mas a própria maturidade do Brasil como nação adulta.
Não é com trocadilhos que se reformam civilizações.
A história não se corrige com sarcasmo. E tampouco se vingam erros do passado zombando de nações irmãs.
Portugal não é um opressor anônimo. É um rosto. É a avó que falava “muito bem obrigada”; é o avô que montou uma padaria e criou sete filhos; é o idioma que nos deu “amor”, “liberdade” e “esperança”.
Tratar Portugal com desdém é zombar da própria carne. É cuspir no espelho. Afinal, o que estamos dizendo ao mundo quando ironizamos justamente aqueles com quem partilhamos sangue, fé, vocabulário e um destino cruzado pela história?
Essa ironia juvenil — muitas vezes vinda de quem não pisou em Portugal, não ouviu um fado ao vivo nem sentiu a cortesia silenciosa de um velho lisboeta — revela mais sobre o riso que queremos impor do que sobre o vínculo que desejamos manter.
É uma forma perversa de reescrever a história pela via da arrogância e não da reconciliação.
É, em essência, uma tentativa de inverter a hierarquia para manter o jogo de poder — apenas trocando os lados.
Mas a maturidade civilizacional não consiste em inverter o chicote, e sim em abandoná-lo. Não se constrói um novo mundo zombando do antigo — e sim redimindo seus símbolos, reconhecendo suas sombras e honrando o que há de luminoso em sua herança.
Se a colonização impôs silêncios, que agora falemos — mas com grandeza. Se a história nos feriu, que agora cicatrizemos — mas sem escárnio. Porque a dignidade de uma nação se mede também pela forma como ela trata aqueles que a antecederam.
E Portugal nos antecedeu — na língua, na fé, na forma de amar e até na maneira de rir. E o fez não com fechamento, mas com uma abertura rara: ao longo dos séculos, assimilou e integrou, com maestria inigualável, saberes, sabores e culturas do mundo inteiro — da África ao Oriente, do Brasil à Índia, de Macau a Moçambique. Poucos povos souberam transformar o encontro com o outro em herança viva como os portugueses. Que não nos falte, agora, o mínimo de reverência madura diante de quem nos ensinou, inclusive, a arte de conviver entre diferenças sem perder a identidade.
3. A Ética do Estrangeiro e o Respeito às Tradições Alheias
Como aprendemos ainda na infância — brincadeira só é brincadeira quando todos estão dispostos a brincar. Quando um dos lados ri e o outro silencia, já não há mais jogo: há imposição. E quando o riso constrange em vez de acolher, o gesto deixa de ser lúdico e passa a ser opressor, mesmo que envolto em ironia leve.
Aprendi todas as piadas de português com minha mãe — uma mulher amazonense espirituosa, filha de uma portuguesa e de um homem nascido do encontro entre um cearense e uma índia boliviana. Diante de sua leveza, meu pai — português de Angeja — ouvia tudo com a tranquilidade serena dos que estão em paz com sua identidade. Talvez por também carregar Portugal no sangue, aprendi desde cedo que essa origem me permitia rir de mim mesmo e, por vezes, até me desculpar com elegância por erros engraçados que cometi ao longo da vida, dizendo: “desculpem, sou português...”. Era uma forma de assumir, com doçura, os tropeços da humanidade comum.
O povo judeu, a quem muito prezo e com quem compartilho vínculos espirituais profundos, também carrega essa capacidade notável de rir de si mesmo — de transformar feridas em ironia refinada, e de fazer da tragédia uma forma de sabedoria.
O problema começa quando se deseja ridicularizar o outro sem que ele possa participar da brincadeira — ou quando não conseguimos parar, mesmo depois que o outro expressa desconforto. Nesse momento, o que era humor vira arrogância. O riso perde a leveza. E o vínculo, em vez de ser reafirmado, é rompido.
Platão, em sua República, já alertava que a educação moral começa nos jogos. É brincando que se aprende a respeitar limites, a entender o outro e a simular o mundo com ética.
Aristóteles, mais uma vez com sua lucidez cirúrgica, distinguia entre o riso nobre — que eleva, une e educa — e o riso vulgar, que humilha, rebaixa e desagrega.
Montaigne, esse mestre da ironia delicada, sabia usar o humor sem ferir, o sarcasmo sem ofender, a crítica sem destruir. Seu humor era bálsamo, não veneno.
O que falta, talvez, no debate público atual — e especialmente na cultura digital dos memes — é essa consciência ancestral: relações entre nações exigem o mesmo respeito que relações entre irmãos adultos.
E isso vale para ambos os lados do Atlântico.
A liberdade para rir não pode atropelar a dignidade do outro.
A leveza só é leveza quando repousa sobre um solo de respeito mútuo.
A piada, quando usada como ferramenta ideológica ou instrumento de vingança simbólica, perde sua graça e adquire gravidade — ainda que disfarçada de descontração.
É verdade que o brasileiro tem uma capacidade ímpar de rir da própria tragédia. Mas essa virtude, quando aplicada de modo irresponsável às relações internacionais, pode se tornar vício.
Rir do próprio sofrimento é sabedoria. Rir do outro, quando ele não consente, é arrogância.
E quando esse outro é um povo que nos acolhe, que partilha nossa história, que fala nossa língua e que hoje enfrenta dilemas demográficos, culturais e migratórios, o riso desrespeitoso se converte em obstáculo para o futuro.
A maturidade exige sensibilidade: saber quando silenciar, quando rir, e quando — sobretudo — não rir.
4. Os Abismos do Riso Ideológico
Não é improvável que esses memes aparentemente inofensivos tenham raízes mais profundas — e mais perigosas. O uso reiterado da zombaria como instrumento político é um velho truque de engenharia cultural: ri-se não apenas por humor, mas para desconstruir símbolos, ridicularizar vínculos e corroer a dignidade das tradições.
Não se trata apenas de “rir de Portugal”, mas de minar o sentido de pertencimento entre povos irmãos, transformando o orgulho compartilhado em motivo de constrangimento.
Suspeito, sim, que parte desse discurso seja alimentada por correntes ideológicas que têm, por vocação, o desmonte de tudo aquilo que liga — e a exaltação de tudo que separa.
Para essas correntes, o reencontro da lusofonia, o fortalecimento dos laços culturais entre Brasil e Portugal, a persistência da língua comum e da ética judaico-cristã como herança espiritual compartilhada são ameaças — e não riquezas.
Não por acaso, o alvo preferencial dos escárnios são justamente os pilares que sustentam esse elo: a família, a fé, o trabalho, a estética clássica, a tradição como legado — e não como prisão.
Portugal e Brasil, apesar de suas divergências — históricas, políticas, climáticas — ainda compartilham o essencial de uma mesma alma civilizacional.
Ambos cultivam a palavra como gesto sagrado, a música como ponte emocional, o pão como metáfora do encontro.
Ambos sabem, mesmo em silêncio, o que é saudade.
Dividir-nos por memes, piadas ou sarcasmos digitais é uma forma barata — e perigosa — de enfraquecer justamente aquilo que nos torna mais fortes: nossa aliança afetiva e simbólica.
Quando rimos do que deveria ser honrado, não estamos sendo modernos — estamos apenas sendo manipuláveis.
E quando alimentamos esse riso com o fogo do ressentimento e da ideologia, o que era ponte vira trincheira.
O riso, quando se faz instrumento de corrosão cultural, deixa de ser sinal de leveza e passa a ser indício de decadência.
E na história das civilizações, nunca foi o escárnio que construiu catedrais ou preservou alianças. Foi o respeito, o diálogo e o amor pela permanência.
5. Conclusão: O Riso que Constrói ou o Riso que Rompe
O humor é um dom humano — talvez o mais sutil deles. É ele que nos permite suportar o peso da existência sem perder a leveza da alma. Mas como todo dom, deve ser cultivado com sabedoria, medida e discernimento.
Não é hora de rir dos irmãos — mas de rir com eles.
Não é tempo de construir abismos — mas de atravessá-los com pontes de afeto e respeito.
E se Portugal é, para nós, uma casa antiga de família — marcada por contradições, afetos e memórias partilhadas — cabe-nos, como bons herdeiros, honrar seus alicerces, renovar suas colunas e não brincar com o fogo onde já arderam mágoas.
O Brasil é sim um país que sabe rir. Mas também precisa aprender a rir com elevação. E isso inclui saber quando o riso constrói e quando o riso rompe.
Rir de Portugal como se fosse subalterno é, no fundo, rir de nossa própria origem, da nossa língua, da nossa história e, sobretudo, de nós mesmos — mas de forma inconsciente e ingrata.
Este ensaio não é um apelo à censura. É um apelo à consciência.
Não há maturidade civilizacional sem a arte do limite. E não há amizade verdadeira sem respeito.
Porque, no fim das contas, os memes passam. Mas as memórias ficam.
E cabe a nós — brasileiros e portugueses — decidir se essa memória será escrita com afeto e reverência, ou manchada por um sarcasmo vazio, indigno do que fomos, do que somos e do que ainda podemos ser.
Epílogo: Quando o Riso Voltar a Ser Ponte
Tudo indica que os memes que escarnecem de Portugal surgiram apenas recentemente — e não como herança cultural, mas como sintoma de um momento.
Foi em novembro de 2024, diante de uma simples expressão brasileira "Fala Galera" usada na recepção da atleta portuguesa Kika Nazareth pelo Barcelona, que reacendeu-se uma faísca. Uma reação irônica virou combustível para um escárnio maior. E o que era leveza espontânea passou a ser repetição estratégica, alimentada por redes, algoritmos e ressentimentos.
As plataformas digitais tornaram-se palco — e os símbolos, marionetes.
Alteraram-se entradas na Wikipédia, nomes no Google Maps, títulos em vídeos virais — tudo em nome de um humor que pouco honra o que temos de mais valioso: a nossa comunhão de destino.
Nesse mesmo período, não por acaso, autoridades portuguesas e brasileiras reuniram-se para combater a xenofobia contra brasileiros em Portugal, enquanto a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial registrava um aumento relevante nas denúncias.
A coexistência, que já não era simples, passou a exigir ainda mais maturidade.
E a reação de muitos portugueses veio não com violência, mas com um apelo à razão.
Nokas, influenciadora com mais de 240 mil seguidores, resumiu o desconforto: “Primeiro, foi o meme do ouro. Depois, surgiu que falamos um português arcaico, um português pré-histórico. E agora, somos uma Guiana?”
Bruna Filipa, tiktoker portuguesa, confessou: “Fico com vergonha alheia. É muita falta de respeito.”
Fábio Gonçalves também se manifestou pedindo que a brincadeira cessasse, em nome da dignidade de quem compartilha conosco uma história de laços e não de muros.
Essas vozes portuguesas são preciosas. Não reagem com ódio, mas com decepção.
E por isso merecem ser ouvidas com atenção — porque demonstram que, do outro lado do Atlântico, a esperança de convivência permanece, mesmo diante da ironia desequilibrada.
Por isso este texto não é — e nunca foi — sobre censura.
É sobre responsabilidade.
Sobre a delicadeza que se exige de quem sabe o valor daquilo que pode ser perdido por descuido: o afeto entre dois povos cuja história é feita de sangue, pão, lágrimas, música e fé.
Que os portugueses não cedam ao preconceito nem ao cansaço diante dos excessos de seus hóspedes.
E que os brasileiros se lembrem de que ser acolhido exige humildade — e não vaidade.
Que ambos saibam que uma amizade secular não se destrói por memes — mas pode ser ferida por eles.
Que aprendamos, pois, a rir de novo.
Mas juntos.
Com o outro — não do outro.
Porque quando o riso volta a ser ponte, a civilização reencontra o seu caminho.
*Jorge Pinhoé advogado, Procurador do Estado aposentado, ex-Procurador-Geral do Estado do Amazonas e membro da Academia de Ciências e Letras Jurídicas do Amazonas.