Por Romero Falcão*

Diz a máxima: o cão é o melhor amigo do homem. Penso que o livro concorre com o cão, ou ambos são parceiros na amizade da história humana. Na minha casa há livros, papéis e canetas espalhados pela sala, quarto, cozinha e banheiro. Na sala, leio Lima Barreto, na Cozinha, Dostoiévsk, no banheiro, Valter Hugo Mãe. Esses são meus amigos dessa semana, na próxima novos escritores sentarão comigo no sofá, na bacia sanitária, no balcão da cozinha.

Ariano Suassuna

Na sua cômica e genial ironia, contou que uma certa socialite divide a humanidade entre os que foram e os que não foram à Disney. Aproveitando o gancho irônico de Ariano, divido a humanidade entre os que leram e não leram Dostoiévski. Um divisor de águas, um mergulho na natureza humana. Nunca mais fui o mesmo depois das páginas de Crime e Castigo, O Idiota e Os irmãos Karamazov. Releio o russo para tentar compreender meus demônios interiores.

A capacidade de um livro

Na transformação do ser humano me encanta. As páginas, janelas para outras paisagens, horizontes, experiências, riqueza de personagens que nos arrebata, emociona, engrandece. As narrativas que nos transportam para outros tempos, velhos sorrisos de criança, novas crianças no homem velho. O livro e seu poder de cura, que trata a pandemia da alienação, nos salva com doses regulares de senso critico, com voos desafiadores em alta lucidez. O livro, a viagem que nos proporciona, sentado, num canto, parado, mas num avião mental supersônico. O livro e a complexidade das suas personagens, atormentadas, amorosas, incompreensíveis, fantásticas, incríveis.O livro me faz pensar com amplidão e também me larga no ar sem paraquedas.

O livro

Contrariando o poeta Drummond, pode extrair lírios da lei, uma rosa do cano da pistola, um lindo poema da prancheta fria do cálculo. O livro é livre, é leve, é luz. E nada cheira tão gostoso quanto o hálito de um livro novo, e a sociabilidade de um livro de sebo

*Romero Falcão é cronista e poeta.