
Reforma Tributária 23: Como se escolherão os representantes municipais no Comitê Gestor do IBS? - Por Rosa Freitas*
28/05/2025 -
A Emenda Constitucional nº 132/2023, que instituiu a Reforma Tributária, criou também um novo órgão: o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CGIBS). Trata-se de uma entidade pública com independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira, responsável por administrar o IBS, tributo que substituirá o ICMS e o ISS.
Apesar de não criar tributos, o CGIBS terá amplos poderes: editar normas unificadas, arrecadar o imposto, distribuir receitas entre estados e municípios, e julgar o contencioso administrativo. Contudo, muitas dúvidas persistem quanto ao seu funcionamento prático e à composição dos seus membros, sobretudo no que diz respeito à representação municipal.
1. Representação municipal: disputa de gigantes
A EC 132/2023 determina que o CGIBS será composto por 27 representantes dos estados e 27 representantes dos municípios. A eleição dos representantes municipais ocorrerá em dois grupos: 14 membros escolhidos por voto igualitário entre os municípios e 13 com votos ponderados pela população.
É nesse ponto que surgem os conflitos. Duas associações disputam a primazia na representação dos municípios: a Confederação Nacional de Municípios (CNM), com 5.300 municípios filiados, e a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), com menos representação populacional, mas menor capilaridade. Ambas atendem aos requisitos legais para apresentar chapas: presença em ao menos 30% dos municípios ou 30% da população. A Associação Brasileira de Municípios (ABM), apesar de ser a mais antiga, ficou de fora por não cumprir os critérios.
2. Como será a eleição?
Somente prefeitos poderão votar, por meio eletrônico. Cada associação poderá apresentar uma única chapa para cada grupo (voto igualitário e voto ponderado), sendo necessário o apoio mínimo de 20% dos municípios ou da população nacional, conforme o caso. Os membros titulares devem ser acompanhados de dois suplentes, todos de municípios distintos.
Vence a chapa que obtiver mais de 50% dos votos válidos. Caso nenhuma alcance esse percentual, haverá segundo turno entre as duas mais votadas. A legislação também prevê critérios regionais mínimos e veda que um mesmo município tenha representantes nos dois grupos.
3. Quem pode ser indicado?
Os representantes devem ter reputação ilibada e notório saber em administração tributária. Não precisam ser servidores de carreira nem ter curso superior em áreas correlatas como direito, contabilidade, administração ou economia. No caso dos municípios, devem atender a pelo menos um dos seguintes requisitos: ocupar cargo de Secretário de Fazenda ou equivalente; ter no mínimo 10 anos de experiência na área tributária municipal; ou ter exercido cargo de direção por pelo menos 4 anos. A formação superior compatível e a ausência de inelegibilidades eleitorais são exigências obrigatórias.
4. Mandato e substituições
Os mandatos dos membros são de três anos, com possibilidade de renovação por igual período. A substituição pode ocorrer por renúncia, decisão judicial, infração disciplinar ou destituição por decisão dos prefeitos – com regras distintas para os grupos igualitário e ponderado.
A vacância será preenchida pelo respectivo suplente. No caso de representantes estaduais, a substituição é responsabilidade direta do governador.
5. Judicialização e disputa política
O processo eleitoral já gerou sua primeira ação judicial: a FNP moveu ação contra a CNM (Proc. 0718870-09.2025.8.07.0001, TJDFT). A disputa é simbólica: está em jogo o controle sobre a gestão de aproximadamente R$ 1 trilhão anuais.
Críticas se intensificam sobre a condução desse processo. A CNM, presidida há mais de duas décadas por Paulo Ziulkoski, enfrenta questionamentos sobre alternância de poder. Já a FNP, embora com maior representatividade populacional, não alcança a capilaridade da CNM.
No rol das disputas, o campeonato já tem gol marcado pela FNP, pois a Reforma Tributária favorece os municípios mais populosos ao reservar-lhes 80% da cota-parte municipal do IBS estadual, o que alimenta mais tensões entre as entidades.
E o contribuinte?
Em meio às disputas políticas e institucionais, pouco se fala sobre o contribuinte. A promessa de simplificação tributária vem acompanhada de um aumento do controle estatal. A boa-fé do cidadão parece cada vez mais relativizada, como demonstram regras que condicionam o creditamento do imposto ao efetivo pagamento pelo antecessor ou presumem valores venais fixados pela administração não mais aquele declarado pelo contribuinte.
É fundamental lembrar que os recursos dos tributos têm origem no bolso dos cidadãos. O Comitê Gestor do IBS terá um papel decisivo na nova arquitetura fiscal do país, e sua composição precisa refletir não apenas interesses institucionais, mas o compromisso com justiça fiscal e responsabilidade pública.
*Rosa Freitas é Doutora em Direito, advogada, sertaneja, poetisa e autora de artigos e livros jurídicos, dentre eles 'A reforma tributária e seus impactos nos Municípios', pela Editora Igeduc.
**Os artigos assinados expressam a opinião dos seus autores e não refletem necessariamente a linha editorial de O Poder.