
É Findi – Das Dores do Zé, conto, por Xico Bizerra*
31/05/2025 -
Premiado no 4° Concurso de Contos Luis Jardim, PCRecife
O sol já andava meio empoeirado nas prateleiras do céu, tamanha a duração de suas férias por conta da invernia. São Pedro resolvera abrir as comportas do seu açude superior sem dó nem piedade. Valera a pena tanto pé inchado em procissão e novena, de igrejona a capelinha, tanta promessa pelo aguamento daquele sertão. O desatarraxador das torneiras celestiais adotou a providência, de forma exagerada, é verdade, ainda que tardiamente. Zé, impaciente, pouco antes desse caimento d’água, itapemirinou-se.
Das Dores sabia que o seu Zé partira pros São Paulos ilusórios da vida por causa da chuva, ou, melhor dizendo, pela falta dela. Lá podia até não chover, mas tinha uma tal de garoa que garantia emprego pra gente chegada do Nordeste. E aí, era encofrizar uns trocados, pegar o mesmo ita de volta e juntar os molambos, cuidar da roça de jerimum e fabricar, em sociedade com ela, de 7 a 8 bruguelos. Guardaria sua donzelice juramentada, de firma reconhecida em cartório, para a autenticação de seu amado, primeiro e único tabelião daquele amor.
Zé ‘Paulista’
Zé, ao chegar em Sampa, descobriu-se ‘gostadozim’ de namorar e, foi-não-foi, se flagrava exímio apalpador das regiões sentadeiras das moças da Capital. De pouquinho em pouquinho, ia se esquecendo das dores e de Das Dores, pois, como se sabe, não há remédio melhor pra se esquecer um amor do que um outro amor toc-toqueando na porta.
O Zé besta do Riacho das Pedras tinha se convertido em ‘seu’ José e passava os dias a apertar pitocos num elevador da Avenida Paulista, subindo e descendo, descendo e subindo. Seu palavrear já estava mais apaulistado do que o de muita gente que lá nasceu: as portas eram ‘porrtas’, sempre ‘aberrtas’ que fechadas não tem ‘erres’. Gostava de anunciar aos passageiros:
_ ‘Terrceiro andarr’.
Até farda, com direito a quepe e tudo, o danado tinha, sem contar a carteira assinada e o Pis/Pasep. Poderia voltar nas férias (até isso ele tinha), mas voltar pra quê? Até torcedor do “Curintia” já era.
Ademais, sua rotina de 12 horas de trabalho era compensada pelo debruçamento disfarçado que fazia no avarandado dos decotes das moças paulistas e pela gratuidade na admiração da redondice de coxas tão fartas que se espremiam no sobe-desce do quartinho passeador que Zé garbosamente comandava.
A esperançosa Das Dores
Na cumeeira do juízo de Das Dores perambulava a esperança da volta, embora a tempestade de cartas dos primeiros meses tivesse se convertido, ao longo do tempo, num chuvisco de bilhetes, numa neblinazinha de quase nada até se tornar estiagem das brabas, sem direito a uma letrinha sequer. Muito menos um alô, que alô era coisa de cidade grande feito Quixeramobim, Cabrobó ou Itapipoca, não tinha chegado ainda àqueles cafundós. Mas ela não perdia a esperança, e se perguntava, de Das Dores para Das Dores:
_ Será que o danado do Zé volta? Acho que volta que meu Zezim num é homi de duas palavra. Se ele disse que vinha, tem fé em Deus que, quando eu menos esperar, Zé desembucha no meu terreiro. Tem fé em Deus!
Escorrego fatal
De joelho arroxeado de tanta reza enfrente ao oratório, Das Dores se perguntava e a cada não-resposta, mais fazia jus ao nome que recebera quando novinha na Igreja Matriz de Riacho das Pedras. A Corte Celestial já ‘tava de saco cheio com sua insistência.
Um fim de tarde, quando a lua preguiçosa brincava de esconde-esconde com um rebanho de nuvens tangido pelo vento, Das Dores escorregou numa casca de tristeza e, desequilibrada na ladeira da solidão, foi encabrestada pelas águas saudosas da Mata Fechada até o rio das Piabas e dali arrastada até não-se-sabe onde... De ‘seu’ José, soube-se que foi demitido de sua função de ascensorista por não ter resistido aos bens e utensílios escondidos sob a mini-saia cor de abóbora da moça do ‘quarrto andarr’.
De Das Dores, não se teve mais notícias.
Do Zé, menos ainda ...
*Xico Bizerra, é compositor, poeta e escritor.
