
É Findi – Relembrando os tempos dos Irmãos Marx - Crônica, por Valéria Barbalho*
31/05/2025 -
Fui para o lançamento do livro "Cinemas em Petrolândia", de Paula Rubens, minha colega do Centro de Estudos de História Municipal. Em noite de sala lotada e plateia degustando pipoca e refrigerante, Paula exibiu, em um telão, fotos e cartazes de filmes, falou dos shows de artistas famosos que se apresentaram no importante cinema da cidade e contou causos engraçados que aconteceram naquela sala de projeção. Bem criativo! Parecia que estávamos numa sessão do Cinema São Francisco, que hoje está submerso nas águas do Velho Chico como toda a antiga Petrolândia. Original também foi o souvenir que recebemos junto com cada exemplar do livro: o ingresso original da última sessão que ocorreu naquele Cine. Uma relíquia! Ouvindo a explanação de Paula, lembrei logo dos antigos cinemas de Caruaru e do capítulo de um dos livros escrito pelo meu pai sobre esse tema, e tentei fazer uma releitura atualizada e resumida para o Findi.
No tempo dos Marx
“Sou marxista desde rapazola e tudo indica que, apesar de velho, morrerei marxista, sem mudar de opinião. E nunca fui preso nem sequer chamado à polícia para depor, nada obstante o meu declarado marxismo. Serei um privilegiado, um favorito dos deuses do Olímpio? Inhô não! É que meu marxismo é vinculado aos revolucionários Irmãos Marx: Gummo, Zeppo, Groucho, Chico e Harpo, os reis do riso em sua época, herois da sétima arte, para mim, os maiores comediantes do mundo (...)”.
Cinéfilo de carteirinha
Assim começa uma das crônicas sobre cinema escritas pelo meu pai, Nelson Barbalho. Cinéfilo de carteirinha apaixonou-se precocemente, com quatro anos, por essa fantástica fábrica de sonhos, no seu País de Caruaru. Cresceu, praticamente, dentro de um cinema. O Cine Luso Brasileiro ficava na Rua da Frente, ao lado da casa do meu avô, João Barbalho, que, todas as noites, gostava de ir para lá assistir filmes, levando sempre o pequeno Nelson, ou conversar com o português Barros Coelho, o dono. Sabido e curioso, meu pai não só assistia às fitas, como ficava na sala do projetor fazendo perguntas aos operadores.

Saía andando de costas
Nos diários nelseanos, ele conta que naquela época não conseguia ver o filme completo porque, toda vez, meu avô João Barbalho, agoniado, não gostava do tumulto na saída das sessões (em 1922!) e se retirava antes da fita terminar, justo no desfecho da trama. Zangado e na marra, meu pai era rebocado pela bengala do pai, enganchada no seu pescoço, e saía andando de costas até chegar à porta, para poder ver um pouquinho mais da história (lembra-me Totó e Alfredo do “Cinema Paradiso”). Sabedor da importância do tema para o desenvolvimento sócio-cultural da Capital do Forró, registrou em livros, diversas informações sobre o universo da sétima arte na cidade.
São tantos fatos que não caberiam em um artigo, necessitaria um livro ou mesmo um longa (deixou um roteiro): o sucesso das fitas de série entre a garotada, que sonhava ser o Zorro, interpretado por Douglas Fairbanks; o Argumento (espécie de sinopse do filme); os músicos que, ao vivo, criavam a trilha sonora do cinema mudo; campeões e fracassos de bilheteria; uma fita com legenda em esperanto que ninguém entendeu; a preferência dos feirantes pelos faroestes; os cartazes pintados por artistas locais (Seu Luizinho, o maior deles); as reclamações de Larena, no jornal O Ditador, por conta do barulho da sirene do Caruaru; a farra das crianças trocando gibis e figurinhas; curiosidades sobre os proprietários das salas (Santino de Dona Amelinha, só usava branco); impagáveis pilhérias dos gaiatos durante as projeções; a solidariedade da platéia com Jesus, durante a exibição da Paixão de Cristo; avisos orientando o comportamento dos expectadores; as criativas propagandas; causos de inimigos quando se cruzavam na bilheteria; shows de famosos artistas que lá se exibiram (Luiz Gonzaga, um deles); os festivais (o japonês, com fitas de Kurosawa, foi marcante); comentários pós-sessões, na Rua da Matriz; o fechamento temporário das salas por conta de uma epidemia de gripe; a tristeza da população quando salas fechavam e seus prédios eram demolidos e, claro, dados completos sobre todos os cinemas.

Os cinemas de Caruaru
Desde 1905, após o sucesso do Cosmorama (imagens fixas observadas através de aparelhos ópticos), o povo exigia um cinema fixo na cidade. Até que, em 1910, foi inaugurado em grande estilo, na Rua Afonso Pena, O Palace, o cinema do Coronel João Guilherme. Com o tempo, novas salas foram construídas, as antigas fecharam ou foram vendidas e mudaram de nome. Surgiram: o Cine Tupy, Ideal, Modelo, Luso Brasileiro, Rio Branco, Avenida, Guarani, Círculo Católico, São José, Difusora, Caruaru, Santa Rosa, Bandeirantes, Maciel e Grande Hotel. Além destes, havia os itinerantes que se exibiam em praças, salões de clubes, associações, etc. (o Max e os cinemas dos shoppings não são do tempo do meu pai, que partiu há quase 32 anos).
Os tradicionais cinemas de Caruaru fecharam e a cidade passou um bom tempo sem nenhuma sala de projeção. Uma lástima! Hoje, felizmente, contamos com as confortáveis salas dos shoppings e recentemente, uma nova livraria da Terra de Vitalino, a Cultural, tem uma pequena sala de projeção onde funciona um Cine Clube. Excelente! Deixo aqui a minha sugestão: transformar o palco da Difusora em um charmoso Cinema de Arte, com programação selecionada e que exibisse, inclusive, películas antigas. Assim, os caruaruenses de hoje conheceriam o incrível tempo dos Irmãos Marx.
*Valéria Barbalho é médica pediatra, cronista e filha do escritor e historiador caruaruense Nelson Barbalho.
