
Nelson Rodrigues e Mário Filho - Dois irmãos, dois gênios: Um Fla-Flu de talento pernambucano
05/06/2025 -
Por Zé da Flauta*
Dizem que talento não dá em árvore, mas no quintal da família Rodrigues, brotou um pé de genialidade que frutificou em dois irmãos que mudaram o Brasil com palavras. Um, Mário Filho, botou a bola pra rolar. O outro, Nelson Rodrigues, botou o teatro pra chorar, e, às vezes, tremer. Pernambucanos de berço e cariocas por destino, esses dois filhos do Recife são prova viva (ainda que mortos) de que Pernambuco não exporta apenas frevo, tapioca e cangaço, exporta pensamento, paixão e poesia.
Coro grego
Mário, o mais velho, não inventou o futebol, mas o traduziu para o coração do povo. Fez do Maracanã uma espécie de Vaticano do esporte. Transformou um campo de bola em altar, camisa em bandeira e gol em liturgia. Foi quem inventou o termo "Fla-Flu" para o clássico entre Flamengo e Fluminense. Popularizou a crônica esportiva como quem conta um romance shakespeariano, fez do grito da arquibancada um coro grego. E mais, organizou o primeiro desfile de escolas de samba como quem rege uma sinfonia carnavalesca. Foi cronista, foi agitador cultural, foi construtor de mitos. E tudo isso antes do VAR e dos patrocinadores.
O anjo
Nelson, por sua vez, foi mais fundo, ou mais fundo de si. Pegou a alma brasileira no contrapé. Jogava com as palavras como um ponta-esquerda dribla o destino, pela margem. Criou personagens trágicos, hipócritas, devassos e santos ao mesmo tempo. Fez do adultério uma metáfora da existência e do futebol uma religião com camisa 10. Suas frases estão tatuadas na consciência nacional: "Toda unanimidade é burra", "Sem paixão não se chupa nem um picolé". Chamavam-no de "anjo pornográfico", mas ele era, na verdade, um cronista místico do absurdo cotidiano, um analista da nossa sociedade. Dizia o que ninguém queria ouvir, mas precisava.
Orgulho
Ambos, com suas penas afiadas, ensinaram que cultura não é luxo, é necessidade. Que rir de si mesmo é o começo da sabedoria. Que futebol e teatro, embora tão distintos, têm algo em comum, o Brasil. Por isso, a nós pernambucanos, cabe não só o orgulho, mas a responsabilidade de lembrar ao país que dois dos maiores cronistas da alma brasileira nasceram no mesmo lar. Talvez ali houvesse mágica. Ou talvez fosse só Recife, onde as famílias sabem escrever a história com sotaque.
Até a próxima!
*Zé da Flauta é músico, compositor e escritor.
