
Governo, Congresso e agora STF no debate: Afinal, IOF e equilíbrio fiscal não são de direita, de esquerda ou do centrão?
06/06/2025 -
Entrevista com Maurício Rands*
A guerra do IOF continua, envolvendo o governo e o Congresso, que têm reunião marcada no fim de semana para tentar acertar os ponteiros. Agora também o onipresente STF está no caso. E, primeira ironia, quem invocou a Suprema Corte foi o Partido Liberal (PL). A agremiação, que abriga o ex-presidente Bolsonaro, contestou no Supremo Tribunal Federal o aumento de alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) adotado em maio pelo Governo Federal. A sigla pede a suspensão liminar de dois decretos que tratam das alterações na cobrança. O caso será discutido em ação direta de inconstitucionalidade que, segunda ironia, foi distribuída pelo critério aleatório do STF, ao ministro Alexandre de Moraes. Segundo a Assessoria de comunicação do STF, o partido de Bolsonaro argumenta que a elevação do imposto foi feita de forma inconstitucional por levar a um desvio de finalidade do IOF. Conforme o partido, o governo adotou a medida para aumentar a arrecadação, contrariando a natureza extrafiscal do tributo (que envolve fins regulatórios ou não arrecadatórios). Para haver esse aumento, a legenda diz ser necessária aprovação de lei, e não apenas edição de decreto. É mais lenha nessa fogueira. Sobre o assunto, O Poder conversou com o advogado Maurício Rands.
O Poder - Fala-se muito sobre aumento do IOF mas poucos leigos entendem. O senhor pode explicar a raiz dessa confusão?
Rands - Os Decretos 12.466 e 12.467, de 22 e 23 de maio, respectivamente, foram assinados pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A primeira norma alterou, entre outros pontos, alíquotas do IOF em operações de crédito para empresas, remessas internacionais, investimentos externos e operações cambiais diversas. O segundo decreto revogou partes do anterior. O aumento das alíquotas de IOF mirava algo em torno de R$ 19 bilhões para este ano.
O Poder - Quem não gostou?
Rands - Ao propor as medidas, o ministro Haddad foi bombardeado pela oposição, mas também por gente do governo. Afinal ninguém gosta de aumento de tributos e todos gostam de gastos públicos nas suas áreas de interesses. Cortar despesas? Só a dos outros. Imaginemos que o Brasil conseguisse as condições para reduzir os juros e iniciar um ciclo de crescimento mais rápido e sustentável. Em tese, ganharíamos todos, não? Mas a queda dos juros precisa do equlíbrio fiscal. Essa constatação pode ser feita por conservadores adeptos da ortodoxia monetarista. Mas a ela também podem chegar progressistas mais preocupados com a redução da pobreza e da desigualdade.
O Poder - O que se diz é que a esquerda gasta e a direita arrocha...
Rands - O velho dogma de que a esquerda seria gastadeira e a direita contida não resiste aos fatos. Tome-se o caso dos EUA. Governos republicanos reduzem impostos para os ricos e geram grandes deficits públicos. Que geralmente são corrigidos pelos governos democratas que os sucedem. Ou o caso do Governo Lula 1, cuja contenção inicial possibilitou o crescimento posterior. Se o governo Dilma foi gastador, também o foi o de Bolsonaro. A questão parece ter mais a ver com a natureza dos cortes. E também com o saber quem paga os tributos e seus aumentos.
O Poder - Quanto o governo deixa de arrecadar hoje com renúncias fiscais?
Rands - Estima-se em R$ 490 bi o total de “gastos tributários” atuais - as renúncias concedidas a alguns setores através de isenções, redução de alíquotas, créditos presumidos e subsídios. O Legislativo capturou o orçamento. Pulverizou despesas de R$ 50 bi anuais com as emendas parlamentares. Captura que escalou quando o então presidente Bolsonaro terceirizou a gestão ao Centrão e entregou a Casa Civil ao notório Ciro Nogueira (PP-PI). O salto dos gastos com as emendas parlamentares foi gigante. Elas se tornaram de execução obrigatória e foram de R$ 13,5 bilhões em 2019 para R$ 35,9 bi em 2020. E para R$ 50,4 bi em 2025. O autor dessa façanha foi ninguém menos do que o Centrão, um eufemismo para a velha direita patrimonialista que sempre manejou o estado para manter privilégios das castas burocráticas e das elites econômicas.
O Poder - Podemos dizer que o equilíbrio fiscal é um sonho de uma noite de verão?
Rands - Qualquer ajuste envolve um equilíbrio entre redução de despesas e efetividade das receitas. Fala-se em um pacto para redução das despesas públicas. Entre os poderes, o setor privado e a sociedade civil. Todos dariam a sua contribuição. Mas a porca torce o rabo quando se discute quem deve contribuir mais para a redução das despesas. O relator do GT sobre a Reforma Administrativa na Câmara, o deputado Pedro Paulo (PDS-RJ), quer desvincular do salário mínimo as aposentadorias e benefícios de prestação continuada, além de cortar os mínimos constitucionais da saúde e da educação. A velha fórmula de jogar nas costas dos mais pobres o peso do ajuste. Como se eles, por serem mais numerosos do que os ricos e remediados, devessem sempre pagar a conta porque as despesas sociais são muito elevadas.
Em 2023, o governo Lula sinalizou compromisso com o equilíbrio fiscal ao aprovar o arcabouço fiscal da Lei Complementar nº 200/2023. Antes do recente aumento do IOF, em novembro de 2024, o presidente Lula e o ministro Haddad já tinham enviado um pacote fiscal ao Congresso, o qual foi desidratado pelos parlamentares. Os mesmos que agora rejeitam a solução do IOF. E que agora falam em reduzir as despesas sociais, mas que adiam o fim do Perse, um programa de R$ 20 bi criado pela Lei nº 14.148/2021 para compensar os impactos da pandemia da Covid-19 nos setores de eventos e turismo. Desse jeito não se chega lá nunca.
O Poder - No seu entendimento, o que de despesas poderia ser cortado?
Rands - Antes de reduzir despesas sociais, o país precisa que o Legislativo faça a sua parte. Assim como o Judiciário, cujo orçamento de cerca de R$ 130 bi representa 1,2% do PIB. Um percentual mais elevado do que a média internacional para países desenvolvidos e emergentes (cerca de 0,3% a 0,5% do PIB).
Precisamos, sim, de um ajuste fiscal para que o país se desenvolva. Pelo lado da receita não temos muita margem. Já pagamos tributos demais para pouco retorno. Mas, na despesa, quem deve suportar os cortes devem ser os privilegiados. Não os culpados de sempre. O ministro Haddad e o governo federal não podem ser os únicos responsáveis pelo equiíbrio fiscal. Os demais poderes têm que fazer a sua parte. Assim como os privilegiados que têm sido poupados pela velha direita patrimonialista.
*Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, professor de Direito Constitucional da Unicap, PhD pela Universidade Oxford.