
É Findi - A Casa da Piscina. A Casa do Lago - Crônica, por Romero Falcão*
07/06/2025 -
Parente Irreconhecível
Século passado. Olinda, Casa Caiada, Bairro Novo. O mangue soterrado pelo concreto. Rios envenenados. Ninhos abandonados, pássaros suicidas. Numa época em que não se falava de desmatamento, ecologia. Ah! Ministra Marina Silva, se todos pudessem compreender. Tiraram a vida dos cajueiros, coqueiros. Das covas se lançaram enormes prédios. As antigas casas tombaram, outras se transformaram em vigésimo andar com vista para o mar.Deus nos livre da fúria de Netuno. O comércio impulsionou a metamorfose da cidade. Fachada comercial, totalmente modificada, parente irreconhecível. É nesse ritmo que vejo da janela do ônibus restos mortais da casa da piscina, casa do lago. O impacto me atinge pela proa, porque aquela casa tinha referência, beleza, alma, raiz de infância, número , CPF emocional. Talvez seja a última, ou uma das últimas a avivar minha memória, ainda elevada à décima potência.

Sonho Coletivo da Garotada
Década de 70, uma construção se erguera na avenida Dr.José Augusto Moreira, Casa Caiada, Olinda. Chamara atenção pela inovação arquitetônica. Grande painel no corte lateral, de frente pra avenida, com desenho em alto relevo se projetando sobre piscina rasinha, duas fieiras de azulejo.Pronto, logo batizada pelos moradores da redondeza. Uns se referiam à casa da piscina, outros, à casa do lago. Foi assim que, nos meus dez anos, aprendi a chamá-la, admirá-la. Gostava de passar pela calçada, parava, olhava o lago limpíssimo. O muro baixo, de grade, ninguém imaginava cerca elétrica, arame farpado feito cobra enferrujada. A água, dependendo do vento, às vezes calma, às vezes crespa. Sonho coletivo da garotada, brincar na piscina da casa bonita. No terraço, cadeiras de palhinha alinhadas, três degraus de mármore davam sofisticação ao imóvel, encantamento aos pequenos e adultos.
Apetite Voraz do Progresso
No correr dos anos, ela virou empresa. O lago resistira por um tempo. Mas foi engolido pelo apetite voraz do progresso que "ergue e destrói coisas belas". E agora, sentado, sentimental, dentro do ônibus, olhar distante, anoto de cabeça nostálgica crônica. Não, não há mais lago, terraço, casa. Só há lembrança, recordação, mais viva que essa cena maciça, sombria, morta.
*Romero Falcão, é um cronista que se arrisca a fazer poema torto, autor do livro: Asas das Horas, com prefácio do Prof. José Nivaldo.
