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Exclusivo - Joseph Nye e o tiro no pé da diplomacia Trump, por Ricardo Rodrigues*

11/06/2025 -

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O falecimento do professor norte-americano Joseph Nye no mês passado colocou em evidência o que talvez seja o maior equívoco da política externa do governo de Donald Trump. Refiro-me ao desprezo de Trump por qualquer mecanismo associado a uma diplomacia fundamentada no conceito criado pelo professor Nye de “Soft Power”.





O Poder do “Soft Power”

Professor de Harvard, Joseph Nye ganhou notoriedade ao postular uma nova perspectiva para as relações internacionais. Seu conceito, detalhado no livro “Soft Power: the means to success in world politics”, publicado em 2004, validou teoricamente uma prática adotada pela diplomacia americana desde a Segunda Guerra Mundial. Segundo essa prática, além de ganhar batalhas, dever-se-ia ganhar “os corações e as mentes” da população.
De acordo com Nye, o Poder pode ser definido como a capacidade de influenciar o comportamento dos outros para atingir os seus objetivos. Pode-se conseguir isso na força, coagindo seus adversários com ameaças, ou recompensando sua obediência. Tem-se aqui a chamada diplomacia do porrete e das cenouras. Mas há um caminho alternativo, atraindo os supostos adversários para cooptá-los a desejar aquilo que queremos que desejem. A esse caminho alternativo Nye deu o nome de “Soft Power”.





Aliança para o Progresso

Até recentemente, o emprego do “Soft Power” era uma característica marcante da atuação diplomática dos Estados Unidos. Quem da minha geração não lembra da Aliança para o Progresso aqui em Pernambuco? Criada pelo Presidente John Kennedy em 1961, a iniciativa constituiu o maior e mais ambicioso programa de cooperação internacional dos Estados Unidos para a América Latina. Com o fim do programa, um volume menor de recursos foi destinado a iniciativas de Soft Power dos Estados Unidos para o Brasil, mas tais iniciativas continuaram a merecer uma atenção especial do Departamento de Estado americano.

Diplomacia pública

Eu trabalhei por mais de 14 anos no Consulado Americano em Recife coordenando programas de diplomacia pública para a região Nordeste. Diplomacia pública nada mais era do que um nome mais rebuscado para o Soft Power. Na época, tive a oportunidade de trabalhar com programas de intercâmbio educacional e profissional, programas de palestrantes internacionais, programas de bolsas de estudo, e programas culturais, sempre visando fortalecer os laços de amizade entre as pessoas, as comunidades e as instituições dos dois países.
Saliente-se que este tipo de programa, em geral, constitui uma via de mão dupla, beneficiando ambos os países. Se por um lado os participantes nos programas de intercâmbio ganham conhecimento e experiência, por outro lado, as instituições americanas beneficiam-se do convívio com outras culturas, ampliando os horizontes de seus próprios integrantes e das comunidades onde estão inseridas. Não é à toa que muitos países desenvolvidos, além dos Estados Unidos, oferecem programas de bolsas de estudos de pós-graduação para estudantes internacionais oriundos do Sul global. Ao assim agirem, esses países, a exemplo da Alemanha, França, Holanda, Irlanda e Canadá, entre outros, legitimam e dão concretude ao conceito de Joseph Nye. O Brasil, através do Ministério das Relações Exteriores também se engaja em softpower, com seu próprio programa de bolsas de estudos destinados a estudantes estrangeiros, em geral, provenientes de países africanos e da América latina.

O fim do Soft Power americano?

O papel de liderança exercido pelos Estados Unidos no uso do Soft Power como ferramenta de diplomacia parece ter chegado ao fim. Indícios disso não faltam. Tome-se o exemplo da USAID. Ao invés de reestruturar essa agência de Soft Power, com mais de 70 anos de existência, dando-lhe um caráter mais conservador, Trump resolveu simplesmente encerrar suas atividades. Nas redes socais, as postagens da embaixada americana priorizam muito mais as restrições a visto do que os benefícios de programas de intercâmbio. Ao contrário do que acontecia em tempos passados, o tom das postagens americanas é mais ameaçador do que acolhedor.
Nesse sentido, o embate de Donald Trump com a Universidade de Harvard é, no mínimo, emblemático. Ao tentar proibir a mais prestigiosa das instituições de ensino superior do país de emitir visto e de matricular estudantes internacionais, Trump passa um recado não apenas às universidades americanas, mas a toda a comunidade internacional. E o recado é que ele está pouco se lixando para o Soft Power. Com Trump, nem as cenouras funcionam, só o porrete.

Questão de confiança

O problema é que diplomacias do porrete não se sustentam no longo prazo. Podem até gerar ganhos imediatos. Podem reparar distorções, como as que Trump vem buscando corrigir relativas aos déficits em sua balança comercial. Mas essas posturas diplomáticas dificultam o estabelecimento da confiança nas relações bilaterais. E sem confiança não há como operacionalizar a cooperação.
Em seu último ensaio, escrito em parceria com Robert Keohane, e publicado postumamente pela revista Foreigh Affairs, Joseph Nye faz um alerta. Para ele, as decisões de política externa tomadas por Trump vêm minando as conquistas acumuladas pelos Estados Unidos ao longo de muitas décadas de cooperação internacional. A opção de Trump pelo descarte do Soft Power e sua ênfase no porrete podem proporcionar um fim precoce da hegemonia americana no cenário diplomático internacional.

*Ricardo Rodrigues é jornalista e cientista político. Escreve sobre política internacional para O Poder.



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