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Cultura, Sobre a Diversidade de um conceito –8 – Escola e Cultura: sobre a possibilidade de habitar outros mundos

11/06/2025 -

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Por José Sérgio Fonseca de Carvalho



Breves observações preliminares

Assumir como tarefa escrever acerca das relações entre escola e cultura é mais do que um mero desafio intelectual. Équase uma aventura; um empreendimento que pode chegar a ser temerário em face da variedade de problemas que emergem e dos possíveis caminhos que se apresentam. Cada um desses dois termos – cultura e escola – tem sido, ao longo das últimas décadas, objeto de disputas conceituais acaloradas, envolvendo perspectivas teóricas distintas,conflitantes ou mesmo alternativas entre si.

Esse desafio se torna ainda mais complexo quando a reflexão se volta não mais para as especificidades irredutíveis de cada um deles, mas para as relações que estabelecem entre si; sejam elas concebidas a partir de seus elos de interdependência, de articulação ou mesmo de submissão de uma a outra.

Há um conjunto significativo de obras desse período que examinam, a partir de diferentes interesses e perspectivas teóricas, as relações entre educação e cultura a partir de investigações empíricas nos campos da sociologia ou da antropologia,de aportes da reflexão filosófica ou ainda de discursos pedagógicos, em geral de teor programático ou normativo.

Em meio a esse labirinto de alternativas teóricas e práticas discursivas, gostaria de propor um caminho singelo e despretensioso para estas reflexões: tomar a narrativa de uma experiência pessoal como elemento desencadeador da análise de aspectos dessa complexa relação que a cultura – em um sentido lato – estabelece com a escola, pensada simultaneamente como instituição social e como campo de experiência.

Em uma importante coleção de ensaios, que classificava como um conjunto de exercícios de pensamento político, Arendt afirma que o pensamento sempre emerge dos incidentes da experiência viva e a eles deve permanecer ligado, uma vez que são os únicos marcos a partir dos quais se pode obter orientação (ARENDT, 2006, p. 14). Trata-se deuma afirmação que se torna ainda pertinente em um campo tão cravado de polêmicas como este sobre o qual se voltam estas reflexões. No entanto, diferentemente da célebre autora, que tecia seus exercícios de pensamento a partir das grandes experiências políticas que marcaram sua geração, as reflexões aqui expostas têm uma base e uma pretensão bem mais modestas.

Nelas recorro à narrativa de uma experiência pessoal –sujeita, portanto, a toda sorte de contingências e especificidades –visando simplesmente tecer considerações acerca de alguns elos entre cultura e escola, evocando os sentidos que estes podem tomar em diferentes contextos.

Elucidações preliminares

A abordagem proposta, exige, contudo, duas breves elucidações preliminares: a primeira relativa ao pensamento como busca de significado e a segunda acerca da narrativa como forma de configuração recriadora da experiência. Buscar um significado – ou sentido – para a experiência não se confunde com procurar a verdade de um fato. Se esta última é a ideia diretriz – embora jamais plenamente lograda – das investigações científicas e de outras formas de produção de conhecimento, a busca pelo sentido é, antes, uma tarefa do pensamento. Trata-se de um desafio que se dirige, pois, à reflexão e toma como seu objeto a experiência – seja ela pessoal, de uma geração ou de uma comunidade cultural – tal como ela se constitui no fluxo do tempo e se reifica em uma narrativa.

Esta, por sua vez, implica o ato de configurar, na forma de uma história ou de um relato, a experiência viva dos incidentes e acontecimentos a que estamos sujeitos no transcurso de nossa existência. Não se trata, pois, de reconstruir elementos do passado “tal como aconteceram”, mas de reconfigurá-los discursivamente, organizando e atribuindo sentido a um conjunto disperso de acontecimentos aparentemente aleatórios e desvinculados entre si.

Nesse sentido, nos lembra Ricoeur, a trama de uma narrativa encadeia os acontecimentos dispersos no tempo não como uma mera sucessão (um após o outro), mas como elementos interconectados (um em razão do outro), extraindo uma história de múltiplos incidentes ou transformando os múltiplos incidentes em uma história, que os organiza em um todo inteligível (Ricoeur, 2010, p. 198).

A narrativa que aqui teço, como toda narrativa pessoal, se insere em um contexto e em uma trama discursiva que a precede; que condiciona seu enredo, embora jamais o determine. Ela exige referências às condições de existência e às narrativas das gerações precedentes;aos horizontes de expectativas que lhes permitiram tomar certos rumos, fazer escolhas, conformar-se ao que se apresentou como da ordem do involuntário e do inescapável. E, se algum valor elucidativo ela pode conter, este decorre menos da vida individual que aqui se busca reconfigurar do que da forma pela qual essa existência singular integra uma teia de relações na qual se insere e com a qual dialoga, configurando, em alguma medida, os caminhos e impasses de uma geração.


Uma narrativa acerca dos sentidos da experiência escolar

Meu pai, como muitos de seus contemporâneos, pertencia à primeira geração de habitantes de São Paulo nascidos nessa metrópole que se orgulhava de ser uma terra de migrantes e imigrantes. Uma cidade que prometia a seus novos habitantes – ou mais precisamente àqueles que fossem brancos e proclamassem sua suposta origem europeia – um futuro emancipador. Pouco importa que a existência concreta da maior parte dessa população desmentisse a narrativa então vigente de acolhimento e abertura de oportunidades.

A força da palavra transmitida aos que nela chegavam lhes assegurava que tudo – ou quase tudo – dependia da coragem de suas iniciativas e da intensidade de seu querer. Meus avós eram imigrantes portugueses, ambos analfabetos. Mas apostavam na escola – na aquisição dos objetos culturais que ela disponibilizava – para a superação de suas condições precárias de existência. E Bernardino – assim ele se chamava – herdou essa crença e a tomou como desafio.

Pretendia formar-se advogado. Quando finalmente o fez, beirando os cinquenta anos de idade, o título de Bacharel em Direito já não mais conferia a seu portador a distinção com a qual sonhara. À medida que a formação escolar e seus diplomas se democratizaram e se espalharam entre os mais pobres, seu valor de troca no mercado de trabalho decrescia.


Ainda assim – e em muitos sentidos – sua iniciação na cultura letrada adquirida na escola provocou rupturas significativas nele e naqueles com quem convivia. De um ponto de vista cultural mais amplo, o legado de seus antepassados, todo ele fundado na oralidade como forma de socialização, cedia espaço para as formas sociais escriturais (Goody, 1977). A palavra escrita, impressa e registrada, se emancipava da autoridade pessoal de seu enunciador e tornava-se objeto de análise e compreensão autônomas. A linguagem deixava de ser apenas um meio de expressão vivo e imediato para tornar-se, ela mesma, objeto de estudo, investigação e reflexão. O texto, documento escrito, ganhava autonomia e autoridade. Se para meus avós a palavra proferida era fiadora da promessa, para meu pai a validade de um contrato dependia de uma assinatura que atestava sua aceitação, sua lisura e a legalidade das condições nele impressas pela escrita.


Valor simbólico

Esse valor simbólico da palavra escrita se traduzia de várias formas. Uma delas era o esmero de sua caligrafia e o requinte de sua assinatura (cujos contornos peculiares dava a meu irmão um imenso trabalho cada vez que ele tentava falsificá-la nos boletins escolares e nas cartas de advertência que recebia da escola!). Mais do que mera veleidade pessoal, o capricho escolar de sua caligrafia tinha um valor de troca no mercado de trabalho.

Diferentemente de seus colegas menos escolarizados, seus primeiros empregos se deram no campo do comércio e dos serviços e não como operário na indústria. E isso lhe foi facultado pela familiaridade com a cultura escritural.

A escola transformava, assim, não só os destinos de alguns poucos indivíduos que a frequentavam, mas a própria sociedade e sua cultura, cada vez mais propensa a valorizar os efeitos econômicos da cultura letrada, assim como seu valor simbólico: Uma pátria se faz com homens e livros, rezava o título de uma das obras que ostentava em sua biblioteca pessoal, uma raridade naquele bairro suburbano povoado por espanhóis, portugueses, pessoas de pele negra ou branca – ou quase branca ou quase preta de tão pobres –que chegavam das Minas Gerais e da Bahia, sobretudo. Eram quase todos semianalfabetos, mas aspiravam participar das promessas da modernidade urbana e letrada em torno da qual viviam.


A biblioteca que ostentava não era vasta, mas suficientemente respeitável para lhe conferir certa distinção. Em sua escrivaninha jazia ainda uma antiga máquina de escrever, além de papéis, tinteiros e até uma mata-borrão. Sua escolarização, à época, se restringia a um curso técnico de contabilidade. Mas, mais do que o diploma e o eventual conhecimento técnico que detinha nessa área, seu percurso escolar e esses objetos que o simbolizavam lhe conferiam uma aura de autoridade entre aqueles que um dia foram seus pares nas peladas da várzea do Rio Aricanduva, nas quermesses das festas juninas, nas brincadeiras que não cingiam as crianças entre letradas e analfabetas.

A escola não só difundia a forma escritural, ela legitimava uma nova forma de se relacionar com a cultura, questionando o valor das formas orais de socialização, repartindo o tecido social daquela gente simples entre os que acessavam o mundo da escrita e os que dele ficavam à margem. A escrita, elemento de mediação e acesso a certas formas culturais específicas, impunha-se como o acesso legítimo à cultura, relegando as práticas culturais não escriturais (como a música não transposta para uma partitura ou as religiões que não se fundam em um livro sagrado)a um lugar subalterno, primitivo. E em função de seu êxito escolar, Bernardino era visto como um homem culto.

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Essa redução ideológica da cultura em suas diversas formas a uma de suas manifestações singulares – a cultura letrada – jamais foi posta em questão por meu pai. Ao contrário, ele não só acreditava nesse reducionismo como nos legou o dever de nele crer e de realizar aquilo que, por sua condição de órfão aos nove anos de idade, jamais pôde fazê-lo. Felizmente para nossa geração esse caminho foi bem menos árduo. A Vila Matilde, bairro que habitamos, já contava, desde a década de sessenta, com grupos escolares e ginásios públicos.

Estes últimos passaram, a partir da década de setenta, a receber praticamente a totalidade dos egressos do então curso primário. Pôs-se fim a uma cisão que condenava mais de 80% das crianças a encerrarem sua escolarização após quatro anos de estudo, parcialmente familiarizados, portanto, com a cultura letrada. Como decorrência dessa transformação social, minha experiência escolar foi bem mais diversa, ampla e fácil do que a de meu pai.

Antes de serem estigmatizados como instituições destinadas ao fracasso, esses ginásios públicos viveram uma experiência ímpar, pois acolheram toda a diversidade social e étnica que um bairro como aquele comportava.Ocorre, contudo, que nem sempre mudanças legais transformam de imediato práticas culturais cristalizadas.

Para além de um polo difusor da cultura letrada, a instituição escolar cria, cultiva e perpetua práticas discursivas e não-discursivas que se reificam em uma espécie de subsistema cultural próprio: a cultura escolar. Filas, cadernos com anotações em cores diversas, provas, reprovações, chamadas, mapas, enfim, um conjunto de práticas em torno das quais se organiza uma instituição e um conjunto de princípios que inspiram suas decisões.

A escola que frequentei, embora democratizada em seu acesso, mantinha procedimentos, princípios e valores que ainda a identificavam como um local sacralizado, destinado à futura formação profissional de uma elite e não à formação cultural de todos seus alunos.


A Escola Estadual Infante Dom Henrique, onde cursei o ensino secundário, fazia jus a seu patrono lusitano. Líamos Homero, Eça de Queiroz, Camões, Camilo Castelo Branco. Também líamos Jorge Amado, José de Alencar, Machado e até Lima Barreto, é verdade. Mas estes dois últimos jamais nos foram apresentados como escritores negros. Só me inteirei da militância antiescravagistade Machado e da luta antirracista de Barreto décadas mais tarde. O Infante Dom Henrique era quase uma escola portuguesa de ultramar.

O Brasil

O Brasil e seus povos começaram suas existências com a chegada de Cabral. Nunca ouvi uma única menção à cultura dos bantos, dos nagôs e jejes; dos hauçás e maleses. Caiapós, Xavantes, Tapuias, Tupinambás, Guaranis, Jurunas, Terenas, Carajás, Pataxós... eram simplesmente “índios”.

Não que Tupã devesse necessariamente destronar Zeus, nem os Orixás substituírem definitivamente o Menino Jesus ou Francisco de Assis.Ocorre, contudo, que a cultura escolar na qual vivi procurava esquecer – ou mesmo apagar – a presença de personagens, ritos, narrativas, e toda sorte de práticas e saberes das culturas de origens africanas e pré-colombianas no seio das quais muitas daquelas crianças forjaram suas subjetividades; construíram suas identidades narrativas.

Traços dessas culturas sobreviviam em seus gestos e na jinga de seus corpos; na música que ouviam e nas narrativas que lhes chegavam de seus antepassados; em suas práticas religiosas e em seus hábitos culinários. Mas esses traços não tinham valor na vida escolar e deveriam ser expurgados.

Forjada a partir de uma concepção seletiva de modernidade, herdada de seus primeiros intelectuais republicanos, a cultura escolar que marcou minha geração escondeu ou descartou tudo o que não espelhasse seus anseios de tornar esta terra um imenso Portugal; um território ibérico e cristão de ultramar.

E, a despeito das normas legais e das diretrizes educacionais mais recentes , o currículo e as práticas escolares seguem sendo, em grande medida, incapazes de acolher, elaborar e se beneficiar da presença das culturas pré-colombianas e afro-brasileiras e de seus mundos simbólicos na formação de seus alunos. Inúmeros estudos têm enfatizado o quanto esse deliberado esquecimento contribui para reproduzir e perpetuar o racismo estrutural e legitimar privilégios sociais que nele se fundam. Mas os danos não param por aí.

O esforço de encobrimento do protagonismo – e não da mera participação! – dessas culturas em nossa formação nacional impacta de forma significativa o processo de subjetivação de jovens e crianças que frequentam escolas públicas.


O esquecimento, o encobrimento ou mesmo a folclorização dos ritos, das narrativas, crenças, práticas corporais e discursivas vinculadas aos povos indígenas, africanos e afro-brasileiros, privam um número significativo desses jovens de qualquer contato substancial com referências simbólicas nas quais seus antepassados foram formados e educados (e não apenas instruídos!).

Assim, a tessitura de suas identidades narrativas – ou seja, do relato histórico que fazem, para si e para outros, acerca de quem são – tende se constituir em abstração de condições históricas concretas, de legados simbólicos capazes de produzir uma identidade que finque raízes no tempo, embora sempre sujeita a interpretações tecidas à luz do presente. Despojados desse enraizamento histórico – que contempla não só experiências pregressas, mas também horizontes próprios de expectativas em relação ao futuro –,muitos desses jovens acabam por conceber suas existências como se vivessem mergulhados em um eterno presente marcado por movimentos erráticos.


Ora, um processo de iniciação cultural só pode atingir algum grau de profundidade na medida em que a existência de cada ser humano seja concebida à luz do fluxo temporal e histórico no qual ela se insere; em diálogo com os acontecimentos e personagens que o marcam e com os objetos e processos culturais que o encarnam.

Compartilhar uma cultura que se estende ao longo do tempo, ver-se espelhado em suas práticas, saber-se constituído por sua herança simbólica estão entre as realizações mais fundamentais e básicas de um processo educativo. Trata-se, pois, de um elemento nuclear da formação educacional, que jamais pode ser reduzida apenas às suas supostas funções instrumentais, como seus eventuais efeitos na ascensão econômica individual,na obtenção de prestígio social ou mesmo na legitimação das hierarquias profissionais.

Concebida como uma iniciação no mundo da cultura, a formação educacional escolar diz respeito menos ao que podemos fazer com objetos, conhecimentos, saberes, práticas e processos culturais (como propõem as pedagogias da competência tão louvadas nos discursos educacionais contemporâneos...) do que à busca incessante da constituição e da compreensão de si mesmo. Ela diz mais respeito, portanto, ao que somos e ao que podemos ser (a uma ontologia) do que ao que sabemos e podemos fazer (a uma epistemologia ou uma tecnologia).


Essa compreensão de si – e de seus processos de constituição – não decorre, contudo, de qualquer exercício de introspecção ou autoexame, como aquele que nos é narrado nas Meditações cartesianas.

Nelas, vale lembrar, o sujeito reconhece sua própria existência – e seu sentido – ao se isolar do mundo e de suas obras, pois é a partir da reflexão sobre si mesmo (penso) que sua existência como humano se edifica (logo, existo).

Crença moderna

Essa crença moderna na autossuficiência do sujeito ganhou seu correlato pedagógico nos discursos construtivistas, segundo os quais a criança constrói seu próprio conhecimento a partir de suas atividades e interesses. A formação de um sujeito é, nessa perspectiva, concebida como um problema de desenvolvimento de potencialidades psicológicas e não como um processo de iniciação na cultura.

Pensá-la a partir de um ponto de vista cultural, ao contrário, implica reconhecer que um sujeito só se constitui e acede a si mesmo por meio de um diálogo com os monumentos de uma cultura (Ricoeur, 2013). É por meio da contínua exposição às narrativas que ouvimos, às obras que lemos, aos objetos de arte dos quais fruímos, em suma, às diversas práticas culturais com as quais interagimos, na qualidade de pacientes e agentes, que chegamos a nos constituir como sujeitos. E a escola tem um papel potencialmente significativo nesse fluxo de interação com os mais diversos objetos culturais que nos antecedem, que nos constituem e aos quais somos chamados a atribuir novos usos e sentidos.


Toda e qualquer cultura desenvolve modos próprios de retificar suas experiências simbólicas e de legá-las às novas gerações que delas se apropriam, renovando seus significados à luz do presente. Em sociedades não escolarizadas, essa transmissão e apropriação se faz pela impregnação cultural,portanto, no próprio fluxo cotidiano da existência. Com a invenção da instituição escolar opera-se uma transformação radical nessa transmissão intergeracional de realizações simbólicas e práticas culturais.


E isso não se deve exclusivamente ao caráter deliberado, institucional e mesmo profissional que a ação educativa passa a ter. O mero fato de que virtualmente todas as línguas modernas denominam esse tempo e esse espaço específico de formação pessoal a partir do étimo gregoskholé– que significa tempo livre – nos diz algo acerca da peculiaridade da escola como tempo e espaço de transmissão cultural.

Diferentemente das formas pregressas de iniciação cultural e de aprendizagens sociais, a escola se constitui como um tempo e um espaço em que crianças e jovens se encontram liberados da luta pela sobrevivência; um tempo no qual, ao invés de trabalharem na roça ou venderem balas nos semáforos, elas se encontram liberadas para habitar outros mundos, por meio da literatura, das artes, das ciências ou das práticas corporais.


Ao ler, por exemplo, uma obra literária, encontramo-nos liberados da luta pela sobrevivência e livres para nos desapropriar de nossa condição presente e habitar outros mundos: um quarto na cidade de Praga; as veredas do Grande Sertão; os subúrbios cariocas do século XIX. Podemos viver as angústias de Gregor Samsa, a paixão inexplicável de Riobaldo, o abandono de Clara dos Anjos.

E, se assim o fizermos, penetramos em um novo mundo: aquele reificado na obra que temos em mãos. E só podemos vivê-lo intensamente porque, embora saibamos que se trata de uma obra ficcional, ela nos diz algo sobre o mundo “real” em que vivemos. E quando a ele retornamos, somos um outro alguém, que carrega em si mundos que até então nos eram estranhos, mas que passaram a nos constituir, a ser parte do que somos. E passamos a neles nos reconhecer enquanto humanos singulares e participantes de mundos que nos ultrapassam no tempo e no espaço.Nós nos tornamos um pouco Riobaldo, nos metamorfosiamos em um inseto, sentimos em nossa pele o desprezo social pela mulher negra e suburbana.

Após mais de cinquenta anos de uma existência tecida em diálogo permanente com a escola – seja como aluno, professor, formador de professores ou pai de uma aluna – essa me parece a razão de ser da instituição escolar, seu significado cultural, seu sentido ético e político: constituir-se em uma oportunidade, dada a todos, de ter um tempo e um espaço no qual se possa vir a habitar outros mundos. E deles sair como uma nova pessoa.

Bibliografia


¬¬¬¬¬ARENDT, H. Betweenthepastandthe future. New York: Penguin, 2006.
BOURDIEU, P. e PASSERON, J.C. Os herdeiros. Os estudantes e a cultura. Florianopolis, UFSC, 2017.
GOODY, J. The domestication of savage mind. Cambridge, CUP, 1977.
MEAD, M. Culture and commitment. A study of generation gap. N. York, NHM, 1975.
MONDOLFO, R. Problemas de educação e cultura. São Pailo, Mestre Jou, 1977.
RICOEUR, P. Escritos e conferências I. Em torno da psicanálise. São Paulo: Loyola, 2010.
____. Le conflitdesinterprétations. Essais d’herméneutique. Paris: Seuil, 2013.
SILVA, T.T. Currículo e cultura: uma perspectiva pós-estruturalista. Educação em debate (CESA-UFC). Mauá, RJ, vol.1, n. 0, p.36-41, 1998.

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