
Homenagem - Elyanna Caldas e a capital brasileira da música, por Roberto Vieira*
16/06/2025 -
Esta semana, o maestro pernambucano Lanfranco Marcelletti brilhou no programa ‘Novela em Sinfonia’, da Rede Globo. Temas de várias novelas da emissora foram ao ar pela arte do maestro e da Orquestra Sinfônica Brasileira. Nesta mesma semana, a pianista Elyanna Caldas se despediu de nós. Poucos lembram, mas a história da música clássica contemporânea brasileira deve muito a uma província imortal do Nordeste.
1947
Eliana acorda bem cedo naquele domingo de maio em 1947. O jornal na sala anuncia que ela vai tocar Schubert no Teatro Santa Isabel, mais precisamente ‘A Marcha Militar’, a quatro mãos com a colega Daisy Maria de Carvalho. Os convites para a apresentação estão esgotados na Casa da Música, loja na rua da Imperatriz. Eliana arranca aplausos do público e da professora Nysia Carvalho. Três meses depois, a garota prodígio recebe uma missão especial: Bach, Schumann e Villa-Lobos sozinha no mesmo palco do Santa Isabel. Os tempos das apresentações no Círculo Católico ficam para trás.

Nysia
O Conservatório Pernambucano de Música é inaugurado no dia primeiro de agosto de 1930. No dia 12 de dezembro do mesmo ano, realizou-se a primeira audição pública dos seus alunos. Na ocasião se apresentam Danilo Ramires de Azevedo, Hilda Nobre de Almeida, Domício Rangel Filho, Esther Berezowsky, Maria das Dores Maia, Antonio de Almeida, Estellita Gonçalves, a violinista Chypre Bradley Jacques e a jovem Nysia Nobre de Almeida. Um ano depois, Nysia se torna adjunta da professora Almyra Costa. Além de Almyra, os professores Vicente Fittipaldi, Ernani Braga e Manoel Augusto dos Santos também dão aula na Rua do Riachuelo, número 94. O Conservatório ganha um telefone. Basta ligar 2486. É a modernidade chegando a Pernambuco. Em 1932, Nysia viaja ao Rio de Janeiro para participar do Concurso Essenfelder. A viagem pelo vapor Cuyabá é inesquecível. Nysia traz na bagagem muitos elogios dos jornais da capital federal e muita saudade daquele mundo de sonhos.
Natal
Eliana tem 17 anos e recebe convite para tocar em Natal. A firma Gumercindo Saraiva é benfeitora da Casa da Música potiguar, inclusive vendendo pianos e outros instrumentos musicais. O senhor Saraiva, deseja comemorar o aniversário em grande estilo na antevéspera de Corpus Christi. O Teatro Carlos Gomes está lotado nesse 2 de junho de 1953 para assistir a renomada aluna recifense do Curso Waldemar de Almeida. A Panair está de greve. Eliana aproveita e assiste ‘Os Amores de Rossini’ no Cine São Luís, em Natal. Eliana lembra os elogios de Madalena Tagliaferro naquele curso de interpretação musical, em 1950: ‘Não imaginava encontrar em Pernambuco uma jovem pianista demonstrando tanto senso de responsabilidade, uma técnica tão avançada e uma compreensão interpretativa tão requintada’. Por que não, Maggie?

Polônia
Varsóvia ainda tem marcas da II Guerra Mundial. Eliana e o maestro Waldemar de Almeida participam do Festival Chopin de 1955, dez anos após a queda do Reich alemão. Eliana nunca imaginou tocar na pátria de Wladyslaw Szpilman e Chopin. Aliás, cada rua recorda Chopin que deixou sua pátria para morar em Paris e ficou por lá. Nunca mais sua pátria foi verdadeiramente livre. Quarenta e seis países participam do festival e Eliana recebe elogios. Szpilman estava por lá. O avião D6 da KLM parte com Eliana e Waldemar de volta ao Brasil. Chopin vem com eles. Em 1957, Eliana venceu o Concurso Nacional Magdalena Tagliaferro na capital federal. Comemora nos ‘Concertos para o Povo’, promoção do Departamento de Documentação e Cultura visando levar arte aos brasileiros. Foi mais uma noite de Scarlatti, Haendel, Bach e Chopin no Santa Isabel.
Câncio
Após vencer o Concurso Nacional, Eliana viaja em estudos pela Europa. França, Áustria e Polônia no programa. Quem também está viajando e estudando na Europa é o fagotista da Orquestra Sinfônica do Recife, Mário Câncio, selecionado por nada mais nada menos do que Villa Lobos para estudar em Paris e Salzburgo. Voltando ao Recife, Eliana e Câncio sobem ao palco na noite do dia 28 de junho de 1959, naquele conhecido palco do Santa Isabel.
Nobre
O maestro pernambucano Marlos Nobre é escolhido Homem do Ano na Música, em 1992, nos Estados Unidos. Pouco antes, em Cambridge, Inglaterra, Nobre também leva o prêmio de Homem Internacional da Música. Marlos nasceu no bairro de São José quando Eliana tinha três anos de idade. Cresceu ouvindo a coleguinha Eliana tendo aulas com sua família. Em 1970, a coluna ‘Música’ do fagotista Mário Câncio, no Diario de Pernambuco, fala sobre os dez anos da fundação do Curso de Artes da Universidade Federal de Pernambuco, no dia 2 de maio de 1960. O curso nos brindou com Marlos Nobre, Ana Lúcia Altino, Marlete Siqueira e Dolores Portela Maciel.

Pernambuco
Elyanna era um prodígio. E a terra onde Eliana nasceu também era uma terra de prodígios. Pernambuco pode ser chamado de Terra da Música, um Salzburgo tropical. Muita gente lendo isso vai pensar logo no frevo, maracatu, baião, caboclinho, coco, ciranda, por aí. Certíssimo. Porém, a música clássica gosta tanto do Capibaribe quanto do rio Salzach. O conservatório estadual possui dois mil alunos e mais de cento e sessenta professores. Elyanna ou Eliana, nome artístico dribla a gente que escreve, era um prodígio, mas não foi um acaso. Ela e tantos outros são produto de talento e trabalho. De tradição. Não fosse a Orquestra Sinfônica do Recife, simplesmente, a mais antiga orquestra sinfônica brasileira. Cabe a nós pernambucanos e ao governo de nossa província reconhecer tanto talento e prestigiar cada jovem músico como prestigiaram aquela menininha de dez anos do Teatro Santa Isabel em 1947.
*Roberto Vieira é médico e cronista.

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