
Ensaio: Entre o Logos e a Guerra: Israel, Irã e os Limites da Liberdade
18/06/2025 -
Um ensaio filosófico sobre a assimetria moral no Oriente Médio, os três projetos totalitários contemporâneos e o dever ético de permanecer livre
Por Jorge Henrique de Freitas Pinho*
1. Introdução – Quando a Filosofia Entra em Estado de Alerta
Este ensaio não pretende ser apenas um manifesto ideológico — embora também o seja, no sentido mais elevado do termo. Há nele uma posição, sim.
Mas é uma posição que nasce do juízo filosófico, não da paixão partidarizada; da escuta da História, não da adesão cega às narrativas que mais ecoam nas redes.
Seria intelectualmente desonesto afirmar neutralidade absoluta. A imparcialidade total é uma ilusão conveniente que, em tempos de injustiça, se converte em cumplicidade.
O que se busca aqui não é o silêncio confortável da aparência neutra, mas o exercício ético da linguagem, por meio de um olhar lúcido, responsável e enraizado na tradição filosófica.
A guerra entre Israel e o Irã — e, em dimensão mais ampla, o conflito entre Israel e os grupos como Hamas e Hezbollah — não pode ser compreendida apenas pelo ângulo das armas, nem exclusivamente pelas lentes da religião, da geopolítica ou da mídia.
O que se trava aqui é uma batalha ontológica, civilizacional e simbólica. O que está em jogo não é só o presente: é a memória, a verdade e o direito de existir de uma nação que sobreviveu a exílios, pogroms e campos de extermínio — e que ainda hoje precisa justificar sua presença no mundo.
Vivemos tempos em que o uso indevido da linguagem é tão letal quanto um míssil. Palavras como “resistência”, “genocídio”, “apartheid”, “colonialismo” são lançadas como granadas simbólicas, com o objetivo de desfigurar a realidade e inverter responsabilidades. Muitas consciências preferem o colapso ao confronto, o cancelamento à escuta, o maniqueísmo à complexidade.
Por isso, quando a filosofia entra em estado de alerta, é porque a razão começa a ser substituída pelo ressentimento, e a justiça se curva diante da propaganda.
Este ensaio busca resistir a essa distorção. E não com cinismo ou agressividade, mas com coragem, respeito e amor filosófico — aquele amor que não é sentimentalismo, mas o compromisso profundo com a dignidade humana, com a busca pela verdade e com o discernimento que recusa o ódio como método e a ignorância como escudo.
Se o amor romântico idealiza o outro, o amor filosófico o reconhece em sua diferença — mesmo quando há desacordo radical.
É esse amor que permite confrontar ideias sem destruir pessoas, resistir ao fanatismo sem ceder ao niilismo, e afirmar a verdade sem cair na vaidade moral.
Dito isso, este não é um chamado à concordância. É um convite à reflexão. E não uma reflexão abstrata, mas uma meditação situada — que encara a dor do mundo com honestidade, e busca compreender para agir com mais clareza, firmeza e compaixão.
Que cada leitor decida, ao fim, onde deve estar sua palavra, seu silêncio e sua ação.
2. A Análise Filosófica da Guerra: Rigor e Método
2.1. Premissas Ocultas
Toda guerra carrega camadas invisíveis que moldam sua percepção. A análise filosófica exige, antes de tudo, o desvelamento dessas premissas ocultas.
É nelas que se escondem os filtros morais, os pactos não declarados, os traços simbólicos de um conflito.
No caso do confronto entre Israel e o Irã, é comum ver a opinião pública ser moldada por dois extremos igualmente empobrecedores: de um lado, uma leitura que demoniza Israel como opressor colonial; de outro, uma leitura que transforma qualquer crítica ao Irã em islamofobia ou “entreguismo ao Ocidente”.
Ambas as abordagens ocultam o essencial: a natureza radicalmente diferente dos regimes em confronto.
A primeira premissa a ser exposta é que o Irã não representa o povo iraniano, mas sim um regime teocrático com ambições imperialistas, que utiliza o Islã como instrumento de domínio político e ideológico.
A segunda é que Israel, embora não seja perfeito, é uma democracia funcional, plural, que abriga divergências internas e respeita direitos civis mínimos impensáveis em Teerã.
A terceira premissa é que há, em curso, uma instrumentalização emocional do conflito: muitos dos que defendem regimes fundamentalistas o fazem não por convicção religiosa, mas por adesão inconsciente a narrativas de vitimização ou por reflexo ideológico.
Isso torna a análise confusa, pois desloca o foco da realidade concreta para os espelhos distorcidos do ressentimento histórico.
Por fim, é preciso reconhecer uma premissa estrutural: o Ocidente vive uma crise de sentido, e em sua busca por novos referenciais, parte da juventude se deixa seduzir por narrativas autoritárias que oferecem certezas rápidas, identidades pré-fabricadas e uma ilusão de pertencer a uma causa.
Esse vácuo simbólico é terreno fértil para alianças paradoxais, como o apoio de movimentos progressistas a teocracias repressoras.
Analisar essas premissas é o primeiro gesto de respeito à verdade. Pois como ensina a filosofia, não se combate a mentira apenas com opinião, mas com lucidez. E a lucidez exige coragem para enxergar o que não se quer ver.
E mais: exige amor filosófico — não o amor que cede por medo do conflito, mas o que enfrenta o erro com firmeza, respeitando a dignidade mesmo do adversário.
Pois sem amor à verdade e sem coragem para nomear os pressupostos, a guerra já está perdida antes mesmo de começar.
2.2. Coerência Lógica
A análise filosófica não pode prescindir da coerência interna dos argumentos. O primeiro sinal de um discurso desonesto é sua incoerência: quando uma ideia afirma algo num ponto e nega o mesmo em outro, ou quando se exige de um lado o que se recusa a praticar do outro.
Neste conflito, vemos a incoerência instalada no cerne do discurso de muitos atores públicos e movimentos ideológicos.
Grupos que se dizem defensores dos direitos humanos apoiam regimes que mutilam mulheres, silenciam opositores e perseguem minorias.
Jovens que marcham em nome da liberdade elogiam teocracias que não toleram a existência do outro.
Movimentos LGBT que protestam contra a “opressão do Ocidente” defendem, em nome de uma causa maior, o Irã, o Hamas e o Hezbollah — regiões onde a homossexualidade pode levar à prisão, à tortura e à morte.
Não se trata de julgar essas pessoas moralmente, mas de apontar a falácia estrutural que mina a credibilidade dos discursos que constroem alianças táticas com regimes que, em outros contextos, seriam por elas justamente condenados.
Tal incoerência não é apenas lógica: é existencial. Revela um colapso da identidade, um vácuo de valores que se compensa com adesão emocional a causas simbólicas.
É, talvez, a expressão de uma geração que, sem fundamentos sólidos, substitui a verdade pelo pertencimento.
A filosofia exige o oposto: exige que sejamos coerentes até quando nos custa. E isso inclui não apenas a coerência dos conceitos, mas a coerência entre os fins e os meios, entre o que se defende para si e o que se admite para o outro.
Como ensinava Aristóteles, não se pode defender a verdade com os instrumentos da mentira. E como nos lembra Viktor Frankl, a liberdade sem responsabilidade é apenas licenciosidade.
Neste ensaio, portanto, a coerência é um critério de verdade. E também um critério de respeito: respeitar o leitor é não esconder as contradições, mas desvelá-las com coragem.
Pois filosofar, no fim das contas, é esse gesto de inteireza: pensar com amor à verdade, mesmo quando ela incomoda. E agir em coerência com aquilo que se diz defender, mesmo quando isso exige enfrentar os próprios aliados.
2.3. Geopolítica da Consciência: Os Três Projetos de Poder e a Guerra Invisível
A guerra entre Israel e o Irã não pode ser reduzida a um embate local, tampouco a um conflito religioso.
Trata-se, na verdade, de um ponto de fricção visível de uma tensão muito mais ampla — uma disputa civilizacional de fundo ontológico e simbólico, que atravessa povos, ideias e cosmovisões. O campo de batalha não é apenas físico: é metafísico.
Nesta guerra invisível, três grandes projetos de poder se confrontam. Cada um apresenta sua estética, sua lógica de dominação e sua própria negação da dignidade humana.
Se, na superfície, disputam hegemonia geopolítica, no fundo, guerreiam pela prerrogativa de definir o humano e controlar suas formas de ser, sentir e pensar.
Como nos advertia Platão, a batalha maior não se dá entre corpos, mas entre formas e aparências, entre a verdade e suas sombras.
Assim também esta disputa transcende a materialidade: é um confronto entre visões de mundo que competem pela alma do século.
Não estamos, pois, diante de um simples antagonismo entre Estados. Estamos diante de modelos distintos de civilização, com pretensões totalizantes e capacidade de sedução global.
São forças que se infiltram, que moldam símbolos, que reconfiguram até o desejo. Como diria Heráclito, “o invisível é maior do que o visível” — e é no invisível que se decide o destino.
Por isso, este embate exige uma leitura simbólica. Só o mito — compreendido em sua dimensão arquetípica e não supersticiosa — é capaz de nomear as estruturas profundas da realidade coletiva.
Nominar, aqui, é um gesto filosófico e político. É desvelar os códigos da dominação e resistir à sua camuflagem.
Chamemos, pois, cada um desses projetos por nomes simbólicos: o Dragão, que representa o totalitarismo tecnocrático e vigilante; o Crescente, que encarna o fanatismo teocrático e escatológico; e a Hidra, que simboliza a dissolução cultural por meio da engenharia subjetiva. Três rostos distintos, mas unidos pelo mesmo ódio ao Logos.
Em meio a esse triplo cerco, Israel permanece como uma figura trágica e profética — ferido por fora, mas ainda lúcido por dentro. Não é apenas um Estado: é um símbolo. Sua resistência não é apenas militar, mas ontológica. Ele lembra ao mundo que, sem um centro simbólico, a civilização desfalece — e com ela, o humano.
Como ensinava Confúcio, “quando as palavras perdem o seu sentido, as pessoas perdem a liberdade.”
E é disso que se trata: da liberdade de nomear o real com precisão. Da liberdade de manter viva a memória de uma essência que resiste à devoração simbólica dos impérios do século XXI.
Eis, portanto, a tarefa da filosofia: nomear os monstros com clareza, reconhecer as armadilhas com coragem e manter acesa a luz do discernimento em tempos de confusão organizada.
Pois como advertia Simone Weil, “o primeiro gesto da inteligência é o discernimento do essencial.” E o essencial, hoje, é distinguir os projetos que se disfarçam de solução, mas são veneno.
A seguir, desceremos a cada um desses três projetos, para desvelar com precisão suas raízes, seus métodos e seus perigos, como convém a quem ama a liberdade não como slogan, mas como fundamento do ser.
2.3.1. O Projeto Chinês: O Dragão do Controle pela Ordem — o Totalitarismo Algorítmico
O Dragão é o arquétipo do controle absoluto. Não o controle bruto das ditaduras antigas, mas o controle sofisticado das engrenagens invisíveis.
Sua sede geopolítica é a China, mas sua ambição é global. Trata-se de uma civilização milenar que, após sobreviver à humilhação colonial e ao delírio maoísta, emerge agora como império tecnocrático que vigia sem ruído, domina sem fricção e anula sem precisar destruir.
Na lógica do Dragão, a liberdade não é um direito, mas um erro. O indivíduo é visto como um ruído na harmonia do coletivo.
Como advertia Han Feizi, o mestre do legalismo chinês, “a ordem se sustenta no medo, não na virtude.” É essa a ética subterrânea do modelo chinês: conformidade sem transcendência, obediência sem questionamento, ordem sem alma.
O sistema de crédito social não é apenas um instrumento de punição — é uma pedagogia do medo travestida de eficiência.
Cada gesto, cada amizade, cada opinião registrada na nuvem estatal constrói ou destrói a vida do cidadão.
Não há espaço para o erro, para o arrependimento, para a crítica. A punição é algorítmica. A vigilância é total. A normalização é psicológica.
O Partido não apenas governa: ele define o real. Decide o que é moral, o que é científico, o que é patriótico, o que é sagrado.
E quando tudo é decidido por um centro, a verdade morre sufocada pela conveniência política.
Como ensinava Soljenítsin, “vivemos sem verdade, mas com eficiência.” E é essa eficiência sem alma que seduz governantes ocidentais em busca de controle sem resistência.
As minorias uigures, tibetanas e cristãs são tratadas como anomalias a serem corrigidas. Os campos de “reeducação” substituem os gulags, mas mantêm sua essência: são fábricas de subjetividade moldada, onde a diferença é expurgada com ternura forçada.
A religião só é tolerada quando serve à engenharia moral do Partido. Deus, no império do Dragão, só pode ser funcionário.
O modelo chinês seduz elites decadentes do Ocidente porque oferece o paraíso do gestor: crescimento sem greves, protestos ou opinião pública; lucro sem deliberação ética; estabilidade sem conflito.
Mas essa estabilidade é podre por dentro: não há alteridade real onde o dissenso é visto como ameaça existencial. Não há humanidade onde não há espaço para o erro — e para o perdão.
Como alertava Lao-Tsé, “quando o governo é sutil, o povo não percebe sua presença; quando é opressor, o povo o amaldiçoa.”
O Dragão quer ser o primeiro — mas já carrega em seu brilho metálico o sinal do colapso: porque tudo que sufoca o humano, por mais eficiente que pareça, termina por implodir.
Pois, como ensinava Confúcio, “governar é retificar os nomes” — e onde os nomes são manipulados, a realidade é falsificada, e o povo enlouquece.
O totalitarismo do Dragão é a paz da jaula dourada. É a vitória da ordem sobre a justiça. É a destruição do Logos em nome da estabilidade.
É, por fim, a aniquilação do humano pela hipertrofia do sistema. E onde a alma não respira, o corpo pode até viver — mas já não é mais homem: é engrenagem.

2.3.2. O Projeto Islâmico: O Crescente da Supremacia Escatológica — O Poder do Fanatismo Religioso
Simbolizado pelo Crescente, este projeto tem como epicentro o regime teocrático do Irã e seus braços ideológicos e militares: Hamas, Hezbollah, Houthis, Irmandade Muçulmana.
Na verdade, não chega nem perto representar o Islã espiritual com sua belza mística e poética, mas sua pior perversão política — uma teologia do ressentimento moldada não pela transcendência, mas pela ânsia de dominação.
O objetivo não é a salvação, mas a submissão. A fé não é caminho de elevação interior, mas ferramenta de hegemonia e extermínio.
A tão falada jihad não é esforço ético, mas guerra literal. O outro não é interlocutor, é infiel. E o infiel, se não for convertido, deve ser silenciado, expulso ou eliminado.
A mulher é tutelada, vigiada, silenciada. O dissidente é perseguido. A cultura é policiada. A arte é interditada. O pensamento é punido. A infância, doutrinada.
Os mártires são glorificados, desde que úteis ao culto do poder. E a morte, quando em nome da ideologia, é celebrada como sacrifício — mesmo que devore crianças, civis ou inocentes.
O ponto mais obsceno talvez seja a promessa de 40 virgens no além como recompensa ao homem que se explode em nome da causa.
A mulher, por sua vez, é reduzida à moeda erótica do paraíso; o martírio, a uma transação de carne celeste. É teologia da libido, não do amor; escatologia do instinto, não da alma.
O mais irônico — e trágico — é que os que fazem tais promessas raramente se explodem.
Preferem os confortos de seus palácios e as doações milionárias de seus aliados à explosão que tanto louvam.
E os infelizes que se deixaram usar não podem retornar, ao menos a esta vida, para cobrar a promessa não cumprida. Até prova em contrário, tornam-se apenas massa de manobra: mártires de um engano arquitetado.
Tal lógica nos remete a uma distinção fundamental feita por Pascal: “há no homem uma grandeza e uma miséria que se misturam”.
A grandeza está em sua capacidade de se sacrificar por algo maior. A miséria, em se deixar sacrificar por uma mentira.
E quando o sagrado é manipulado pelo desejo de poder, como lembra Khalil Gibran, “a religião degenera em ritual, e o ritual, em superstição a serviço da dominação”.
Para Gibran, o verdadeiro Deus não exige sangue, mas plenitude; não promete virgens, mas exige pureza; não recompensa com corpos, mas desperta consciências. Seu Deus não é o do fanático, mas o do amante. Não o que impõe, mas o que chama. Não o que reduz, mas o que eleva.
Por isso, o Crescente teocrático islâmico hoje se arma com mísseis e slogans é, na verdade, uma negação do céu que diz representar.
É o eclipse da alma sob a sombra do fanatismo. Um projeto que, ao prometer um paraíso físico em troca da destruição do outro, não entende que o verdadeiro paraíso é aquele onde ninguém precisa morrer para que o amor vença.
Já o próprio Alcorão ensina: “não há imposição na religião” (Sura 2:256). E como dizia Gibran, “vós orais em vossa aflição e em vossa necessidade, mas deveríeis orar também na plenitude de vossa alegria”.
Uma fé que em sua versão mais corrompida não conduz à alegria, mas ao ódio, não é fé verdadeira: é idolatria de si mesmo disfarçada de piedade. É o egoísmo levado ao extremo.
Como lembrava Ibn Khaldun, o grande sociólogo árabe do século XIV, “quando a religião é usada como instrumento de poder, ela deixa de guiar os corações e passa a envenenar as nações”.
O verdadeiro Islã foi fonte de ciência, poesia, metafísica e diálogo. Mas este projeto é seu avesso escatológico — uma distorção perversa travestida de fé.
Este Crescente, que outrora iluminou a matemática, a medicina e a astronomia, hoje é escurecido por líderes que invocam Deus para justificar o terror. Não é religião: é ideologia sacralizada. Não é fé: é culto à morte. Não é Alá: é o poder disfarçado de eternidade.
E a filosofia, que nasceu para desvelar as falsas aparências, não pode calar. Como ensinava Spinoza, a fé autêntica é aquela que liberta pela razão e conduz ao amor, não aquela que acorrenta pelo medo e conduz à guerra.
Essa versão armada da fé não busca o sagrado — busca o domínio. É o oposto do que ensinava o Islã clássico, quando floresciam escolas de sabedoria em Bagdá, Damasco, Córdoba e Cairo.
Ali, pensadores como Avicena e Averróis dialogavam com Aristóteles e Platão, reconhecendo no conhecimento e na razão pontes para Deus. Hoje, no entanto, vemos a substituição da filosofia pela retórica da morte.
O resultado é um simulacro de religião: uma espiritualidade invertida, onde o martírio serve à propaganda, e o céu é mercantilizado como prêmio político.
O amor ao próximo — essência do monoteísmo — dá lugar ao ódio ritualizado. E a mulher, como vimos, não é alma, mas promessa — não é presença, mas prêmio.
Contra isso, a filosofia precisa erguer sua voz. Não por arrogância cultural, mas por dever moral. Pois onde a fé se alia ao terror, a liberdade morre calada — e a verdade, se não for dita, será engolida pelo silêncio imposto.
É preciso lembrar, com coragem e compaixão, que Deus não é cúmplice dos assassinos que o invocam. E que nenhuma teologia que exige sangue pode conduzir à luz.
Como dizia Gibran: “Aqueles que se amam em Deus não conhecem separações, não impõem fronteiras, não fazem da morte um instrumento.”
Por isso, todo aquele que explode o corpo do outro em nome de Deus já explodiu, antes, sua própria alma. E, ao fazê-lo, torna-se inimigo não apenas da vida, mas do próprio sagrado.
2.3.3. O Projeto Globalista-Fianceiro: A Hidra da Desconstrução Tecnocrática – O Poder do Vazio com Rosto Humano
O terceiro projeto totalitário é o mais insidioso — e talvez o mais difícil de nomear — justamente por se apresentar com a máscara da virtude.
Esse projeto não vem com tanques, nem com fúria messiânica, mas com discursos suaves e palavras docemente programadas: empatia, inclusão, diversidade, bem-estar.
Como a Hidra da mitologia, assume muitas faces e, ao ser ferido em uma, multiplica-se noutras. Seu verdadeiro rosto é o da dissolução simbólica sob o disfarce da sensibilidade.
Enquanto o Dragão impõe controle e o Crescente impõe submissão, a Hidra opera pela corrosão silenciosa.
A hidra não ergue muralhas: desmancha os pilares. E o faz não com violência aberta, mas com slogans anestesiantes e normativas algorítmicas que reprogramam as consciências.
Como advertia Chesterton, "o perigo de perder a verdade não é o erro, mas o esquecimento". E a Hidra é a especialista do esquecimento: do sagrado, do sentido, do humano.
Sua estrutura é tecnocrática e global. Reina sobre universidades, parlamentos, corporações, ONGs e redes sociais, sem jamais parecer totalitária.
Defende tudo — menos a essência. Permite tudo — menos a transcendência. Seu evangelho é o da fluidez, e sua teologia, o relativismo.
Como ensinava Lao-Tsé, "aquele que perde o sentido, perde tudo". A Hidra sorri enquanto o Logos é silenciado.
Sua lógica é a da desconstrução sistemática: ataca a família em nome da liberdade, a religião em nome da ciência, a biologia em nome da identidade, a infância em nome da autonomia precoce.
A linguagem torna-se campo de batalha: quem controla os pronomes, controla o pensamento. Como dizia Confúcio, "quando as palavras perdem o seu sentido, as pessoas perdem a sua liberdade".
A Hidra não mata com um golpe — dissolve. Dissolve o sentido, o vínculo, a hierarquia simbólica. Transforma a ética em algoritmo, a consciência em performance e a educação em catequese ideológica.
Substitui o mestre pelo influenciador, o filósofo pelo curador de conteúdo, o pai pelo Estado. Não é o totalitarismo que grita, mas o que silencia pelo excesso de ruído.
Oferece aos jovens um mundo onde tudo é permitido, mas nada é verdadeiro. Onde tudo pode ser celebrado, mas nada é sagrado.
Onde toda expressão é válida — desde que não afirme um princípio. E onde toda dor é respeitada, desde que sirva à causa.
Um mundo, enfim, onde a liberdade virou caricatura de si mesma e a verdade, apenas mais uma narrativa entre tantas.
Como já denunciava Allan Bloom em "O Declínio da Cultura Ocidental", o relativismo travestido de tolerância prepara o terreno para a tirania do sentimentalismo.
E como advertia Pascal Bruckner, "o Ocidente ama tanto a sua culpa que não quer mais se curar dela". A Hidra alimenta-se dessa culpa — e a transforma em política pública.
Por trás de suas mil cabeças, há um corpo apodrecido por dentro: uma civilização que renunciou ao alto, à hierarquia do espírito, à verticalidade da alma.
Vive apenas no plano horizontal: carência afetiva, autoexpressão narcisista, hedonismo de tela. É uma civilização que já não sabe — nem consente — morrer; e por isso, já não sabe mais viver.
Esses três projetos — o Dragão do controle total, o Crescente da submissão escatológica e a Hidra da desconstrução simbólica — digladiam-se na arena geopolítica.
Mas convergem em um ponto essencial: todos temem a liberdade verdadeira. O Dragão, porque teme o caos. O Crescente, porque teme o outro. A Hidra, porque teme o absoluto. Todos recusam o Logos.
Por isso, a filosofia — este chamado eterno à lucidez — deve se erguer como antídoto. Como Sócrates em Atenas ou Krishna em Kurukshetra, é preciso lembrar que viver sem pensar é apenas sobreviver.
E que a liberdade, sem verdade, sem forma, sem telos, não é liberdade: é apenas ilusão travestida de escolha, escravidão adornada de autonomia.
Como ensinava Viktor Frankl, "entre o estímulo e a resposta, existe um espaço. Nesse espaço está nosso poder de escolher.
E nessa escolha reside nossa liberdade e nosso crescimento". A Hidra quer apagar esse espaço. Mas a filosofia — se ousarmos — pode restaurá-lo.
2.4. A Assimetria Moral entre Israel e o Irã
A verdadeira análise de um conflito não pode se contentar com números, mapas ou manchetes.
É preciso examinar as premissas morais que sustentam os lados em disputa — os princípios invisíveis que orientam as escolhas, delimitam os limites e definem o que é aceitável.
A guerra, dizia Clausewitz, é a continuação da política por outros meios. Mas e quando a política de um lado é o silêncio imposto, e a do outro é o dissenso permitido?
A assimetria entre Israel e o Irã não é apenas estratégica, mas ética. De um lado, há um Estado democrático, sujeito a críticas internas, fiscalizado por uma imprensa livre e cujos representantes são eleitos em sufrágio universal, inclusive entre árabes israelenses.
Do outro, uma teocracia que prende jornalistas, tortura dissidentes, assassina homossexuais e prende mulheres por mostrarem o cabelo. Não se trata de propaganda: trata-se de fatos documentados, públicos, reiterados.
Israel, com todos os seus erros — que não devem ser negados — ainda preserva a alteridade como valor. Seus tribunais julgam árabes e judeus. Seus hospitais atendem inimigos feridos. Seus parlamentos abrigam vozes diversas.

Já o Irã, como já advertia Hannah Arendt sobre os regimes totalitários, reduz a pluralidade a ameaça, e transforma o outro em inimigo metafísico. Sua lógica é escatológica: quem não concorda, deve ser eliminado — pela bala, pela cela ou pela censura.
A diferença moral torna-se ainda mais evidente na exportação de seus modelos. Israel não impõe sua estrutura política a ninguém.
O Irã, ao contrário, projeta seu imperialismo ideológico por meio do financiamento e armamento de milícias: Hezbollah, Hamas, Houthis, Irmandade Muçulmana e outras formas de guerrilha teológica.
Não é um expansionismo cultural, mas uma cruzada de conversão forçada. A alteridade não é respeitada; é apagada.
No interior do Irã, a repressão é constante e institucionalizada. Bahá’ís, zoroastristas, cristãos e muçulmanos sunitas vivem sob vigilância.
As mulheres, quando ousam dançar, são presas. Quando retiram o véu, são espancadas. Quando protestam, são mortas.
A liberdade, como lembra Viktor Frankl, é inseparável da responsabilidade — mas, ali, o que existe é apenas submissão mascarada de fé.
Em contraste, Israel — mesmo diante de mísseis e atentados — não revoga seus tribunais, não fecha seus jornais, não transforma a divergência em crime. Trata com severidade o terror, mas sem abolir o Estado de Direito.
E isso importa. Pois como lembrava Montesquieu, “a injustiça que se faz a um, é uma ameaça a todos”. Um regime que nega direitos aos seus deve ser questionado antes de querer ditar justiça aos outros.
É claro que não se trata de santificar Israel ou demonizar o Irã em blocos absolutos. Mas é dever da filosofia julgar não apenas atos, mas estruturas.
E uma estrutura que anula o contraditório, proíbe a liberdade de culto e transforma a mulher em posse é, por definição, moralmente inferior.
Como ensinava Platão, o justo é aquele cuja alma está em ordem — e nenhuma ordem se edifica sobre o medo sistemático.
Hegel nos lembra que a História é o palco onde o Espírito busca sua efetividade. E onde não há liberdade, o Espírito não atua — apenas a força bruta.
Israel, com todas as suas contradições, ainda é uma nação onde o Espírito pode soprar, porque ainda há espaço para reforma, crítica, autoconhecimento.
O Irã, sob os aiatolás, tornou-se um cárcere ideológico em que a fé é usada como chicote.
Defender Israel, portanto, não é fechar os olhos para seus erros.
É manter os olhos abertos para onde ainda é possível dialogar, corrigir, evoluir. E lembrar, com Simone Weil, que "a justiça é a necessidade da alma como o alimento é a do corpo".
Onde não há justiça mínima, há barbárie. E onde há repressão absoluta, não há mais civilização — apenas sua máscara.
Por isso, a assimetria entre Israel e o Irã não é uma invenção do Ocidente. É a constatação filosófica de que há, sim, valores universais — e de que toda cultura que nega radicalmente a dignidade do outro perde o direito de falar em nome da humanidade.
A filosofia, se quiser permanecer fiel à verdade, não pode se calar diante disso. Pois como disse Kant, “age de tal modo que a humanidade, tanto na tua pessoa como na do outro, seja sempre um fim — nunca um meio”.
E onde o outro é apenas instrumento de um projeto totalitário, ali não há ética. Há apenas
poder nu, disfarçado de fé.

2.5. Golda Meir e a Verdade Silenciada: A Questão Palestina sob a Ótica da História
Em 14 de janeiro de 1976, a então ex-primeira-ministra de Israel, Golda Meir, publicou no New York Times um artigo que segue, até hoje, como uma das defesas mais lúcidas e corajosas da posição israelense diante da questão palestina.
O texto, ignorado por muitos e manipulado por outros, é uma peça-chave para compreender as raízes do conflito e as distorções que envolvem o conceito de “povo palestino” ao longo do século XX.
Meir rebate a acusação de que teria negado a existência dos palestinos. Explica que sua frase — "não há povo palestino, há refugiados palestinos" — refletia o que os próprios líderes árabes declaravam até então: que a Palestina era apenas uma parte da Síria, e que não havia um nacionalismo palestino separado do projeto pan-árabe.
Cita, por exemplo, Ahmed Shukairy, fundador da OLP, que disse à ONU em 1956: “A Palestina nada mais é do que o sul da Síria.”
O artigo mostra que, antes de 1948, os judeus pioneiros eram chamados de palestinos, enquanto os árabes locais rejeitavam esse título.
Ainda assim, Israel sempre demonstrou abertura a soluções justas para os refugiados, o que foi sistematicamente impedido pelos próprios Estados árabes, que exploravam o sofrimento alheio como arma política contra o jovem Estado judeu.
Golda Meir expõe também a mudança de estratégia: quando a retórica dos refugiados se desgastou, surgiu o “terrorista palestino”, cuja meta já não era a devolução de terras, mas a eliminação do próprio Israel como entidade política.
Ela denuncia o cinismo das Nações Unidas ao acolher Yasser Arafat como chefe de Estado, e lembra que a maioria dos refugiados continuou vivendo na Palestina histórica, especialmente na Cisjordânia e Jordânia, cujas populações são majoritariamente palestinas.
Pergunta Golda Meir com razão: Por que os árabes nunca fundaram um Estado palestino nessas áreas antes de 1967, quando estavam sob domínio da Jordânia e do Egito?
Por fim, Meir defende uma solução negociada, com dois Estados: Israel e uma Jordânia-Palestina viável, mas sem aceitar que o terrorismo seja legitimado como interlocutor político.
Sua posição é clara: defender Israel não é negar direitos aos árabes, mas recusar-se a compactuar com a negação do direito de Israel existir.
E conclui com uma verdade incômoda que muitos ainda não querem ouvir: não há linguagem comum com quem celebra a morte de inocentes como estratégia legítima de ação política.
2.6. A Arte da Guerra no Século XXI: Inteligência, Dissuasão e Supremacia Ética
Em junho de 2025, Israel lançou a Operação Leão em Ascensão, uma ofensiva preventiva contra o Irã que não apenas atingiu alvos estratégicos, mas desorganizou, ainda no estágio embrionário, a possibilidade de retaliação coordenada do regime dos aiatolás.
O feito não consistiu em mera demonstração de força, mas em uma sinfonia de precisão operativa: drones de saturação, guerra cibernética, inteligência humana profunda, supressão de radares e neutralização cirúrgica da cúpula militar iraniana — tudo isso antes mesmo do primeiro caça cruzar a fronteira.
Trata-se de um novo paradigma bélico: a guerra não mais como domínio territorial, mas como antecipação estratégica de um mal iminente.
O objetivo foi impedir o colapso ético que se anunciava, desarticulando o comando que sonha impor ao mundo uma teocracia da submissão, onde a razão é sufocada pela sharia, e a vida humana, instrumentalizada como moeda de poder apocalíptico.
Essa operação redefiniu o conceito de dissuasão no século XXI: o momento decisivo da guerra não se dá mais no campo de batalha, mas na interseção entre inteligência, tecnologia e ética da sobrevivência.
Ao contrário de projetos totalitários que usam o terror para avançar suas utopias destrutivas, Israel respondeu com uma ofensiva racional, limitada e orientada para a defesa da vida — inclusive daqueles que, no futuro, poderiam ser vítimas do silêncio cúmplice diante de um mal maior.
A assimetria entre esses dois modelos de ação — o teocrático-aniquilador e o defensivo-civilizacional — não está apenas no arsenal, mas no telos: um deseja submeter o mundo ao dogma; o outro, impedir que o dogma destrua o mundo. Esse é o verdadeiro campo de batalha.
2.7. Intenção, Verdade e Estratégia: a Filosofia da Guerra Justa
Nem toda guerra é justa — mas nem toda recusa à guerra é virtude.
A passividade diante do mal, como advertia Edmund Burke, pode ser uma forma refinada de cumplicidade.
A omissão, quando há ameaça à dignidade humana, deixa de ser prudência para tornar-se abandono.
A filosofia da guerra justa, formulada desde os tempos de Cícero e aprofundada por Agostinho e Tomás de Aquino, não glorifica a violência — mas reconhece que há limites que, uma vez ultrapassados, impõem a defesa como dever.
Três critérios sustentam esse juízo ético: intenção reta, verdade objetiva e uso proporcional da força.
A intenção é o núcleo ético da ação.
Como ensinava Confúcio, “agir sem retidão interior é como atirar sem mirar”.
Não se combate por rancor, mas por justiça.
Aquele que luta para preservar a vida, e não para suprimir o outro, conserva sua legitimidade moral.
Mas a intenção, por si só, não basta.
É preciso que os meios se ajustem ao fim — e que o fim seja a restauração da ordem e da paz, não a perpetuação do conflito.
Gandhi, embora contrário à violência, reconhecia: “os meios definem os fins”.
Uma causa justa torna-se injusta quando corrompe seus próprios princípios.
O segundo critério é a verdade.
Em tempos de guerra, a realidade é distorcida por todos os lados.
A propaganda seduz, o vitimismo inverte valores, e a mentira se traveste de justiça.
Por isso, como advertia Simone Weil, “é preciso um coração muito puro para ver com clareza”.
A filosofia exige discernimento: distinguir o trágico do perverso, a defesa da dominação.
Quando um povo é atacado em sua existência mesma, e não apenas em suas fronteiras, a resistência não é belicismo — é fidelidade ao ser.
A negação da realidade, neste caso, é forma de covardia simbólica.
O terceiro critério é a proporcionalidade.
A guerra justa não busca aniquilar o inimigo, mas restabelecer as condições mínimas para que a palavra volte a ser possível.
Como ensina o Bhagavad Gita, “é melhor a batalha justa do que a paz comprada com mentira”.
A verdadeira vitória, para uma consciência ética, não é a imposição absoluta, mas a preservação daquilo que nos torna humanos.
Se o combate destrói o que se pretende proteger, ele fracassa antes mesmo de vencer.
Por isso, a estratégia justa é sempre limitada por um princípio maior: a integridade da causa.
O Logos não pode ser suprimido pela ira.
A justiça não pode ser conquistada com os métodos da injustiça.
O que está em jogo, no fundo, não é apenas o resultado militar, mas a manutenção de uma coerência profunda entre meios e fins, entre valores e ações.
Como lembrava Hegel, “a História é o tribunal do mundo” — mas esse tribunal só será legítimo se for presidido por consciências que recusaram o fanatismo, mesmo quando feridas.
E assim, diante do caos, a filosofia não se omite: ela se compromete.
Não com um lado político, mas com a exigência de que todo poder — seja do Estado ou da resistência — se submeta ao juízo do justo.
Pois o que distingue uma civilização de uma barbárie não é a ausência de conflito, mas a presença de um critério moral mesmo quando o mundo desaba.
*Jorge Pinho é advogado e escritor. Ex-procurador-geral do Estado do Amazonas.

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