
Reforma Tributária 27: SAF, Santa Cruz e o novo dono da bola - Por Rosa Freitas*
20/06/2025 -
Em 2024, a diretoria do Santa Cruz decidiu que o clube viraria uma Sociedade Anônima de Futebol - SAF. O 'santinha', como chamam seus torcedores carinhosamente, tem a torcida mais sólida e emotiva entre os pernambucanos. A figura jurídica já conhecida e utilizada mundo afora chegou ao Brasil. Mas você sabe o que é SAF?
O futebol, que há décadas movimenta milhões, deixou de ser uma mera diversão das massas para se transformar num negócio bilionário, por isso também passou a ter um tratamento tributário especial. Na Reforma Tributária e, um pouco antes, pela legislação da Sociedade Anônima de Futebol - SAF, as operações dos clubes em seu formato novo, passaram a ser tributadas.
Além das partidas em si, o setor movimenta fortunas por meio de patrocínios, direitos de transmissão, venda do passe de seus jogadores e outras atividades como uso de imagens e outros. O foco deste artigo é a SAF.
1. O que é a SAF?
A SAF foi criada pela Lei nº 14.193/2021, sancionada em 6 de agosto de 2021. Trata-se de um novo regime jurídico que permite aos clubes de futebol se transformarem em empresas, com o objetivo de atrair investimentos, profissionalizar a gestão e modernizar a administração dos clubes brasileiros.
Principais aspectos da Lei nº 14.193/2021:
• Criação da SAF: Institui a Sociedade Anônima do Futebol como um tipo específico de empresa, com regras próprias.
• Transformação: Estabelece os procedimentos para que clubes associativos migrem para o modelo de SAF.
• Governança e transparência: Regras de compliance, prestação de contas e governança corporativa passam a ser obrigatórias.
• Tratamento dos passivos: Permite a reestruturação de dívidas, inclusive as de natureza trabalhista e previdenciária.
• Regime tributário específico: Criação de um modelo fiscal diferenciado para incentivar a adesão ao novo formato.
2. Tributação incidente sobre a SAF
A SAF, quando regularmente constituída nos termos da Lei nº 14.193/2021, está sujeita ao Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF), que incide sobre:
I - Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ);
II - Contribuição para o PIS.
III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL);
IV - Cofins;
V - Contribuições Previdenciárias (art. 22 da Lei nº 8.212/1991)
A contribuição previdenciária da associação desportiva que mantém equipe de futebol profissional corresponde a 5% da receita bruta, considerando receitas de espetáculos desportivos, patrocínios, licenciamento de marcas, publicidade, propaganda e direitos de transmissão.
Além disso, pela sua natureza empresarial, a SAF também está sujeita a outros tributos incidentes sobre o mercado financeiro e de capitais: IOF, IRPJ, FGTS e demais contribuições sociais sobre a folha, inclusive para o Sistema S.
Historicamente, os clubes brasileiros acumularam dívidas milionárias, muitas de natureza trabalhista e previdenciária. A criação da SAF buscou criar um ambiente mais transparente e atrativo para investidores, além de viabilizar a captação de recursos por meio da emissão de títulos.
Os seguintes estados têm SAF:
AM: Amazonas e Sete FC;
BA: Bahia e Fluminense de Feira
CEF: Fortaleza e Tirol
DF: Brasiliense e Capital
ES: Nova Venécia e Rio Branco
GO: Atlético-GO, Centro Oeste e Grêmio Anápolis
MT: Cuiabá
MG: América-MG, Athletic Club, Atlético-MG, Boston City FC, Coimbra, Cruzeiro, Ipatinga, Itabirito e Pouso Alegre
PB: CSP
PR: Araucária, Azuriz, Cianorte, Coritiba, Foz do Iguaçu, Galo Maringá, Londrina, Maringá, Paranavaí e PSTC
PE: Flamengo de Arcoverde (encerrou as atividades em 2024) e Santa Cruz
RJ: Boavista, Botafogo e Vasco
RN: América-RN, Clube Laguna, Quinho e Rio Grande
RS: Futebol com Vidai
RR: Monte Roraima
SC: Figueirense, Hercílio Luz e Tubarão
SP: América-SP, Botafogo-SP, Capivariano, EC São Bernardo, Ferroviária, Inter de Limeira, Ituano, Linense, Monte Azul, Novorizontino, Primavera, São Bento, São Bernardo e São José EC
SE: Falcon
TO: Capital FC
Além dos times já estruturados, outros estão em processo de adoção da SAF, o Santa Cruz com proposta de 1 bilhão se tornou a primeira SAF da capital. O Náutico pode seguir o mesmo caminho.
3. A Tributação da SAF na LC nº 214/2025
A Lei Complementar nº 214/2025, que regulamenta aspectos da Reforma Tributária, aborda a tributação das SAFs a partir do art. 292.
Segundo o art. 293, §3º, a base de cálculo do pagamento mensal unificado dos tributos inclui a totalidade das receitas mensais, abrangendo, entre outras:
I - Prêmios e programas de sócio-torcedor;
II - Cessão dos direitos desportivos dos atletas;
III - Cessão de direitos de imagem;
IV - Transferências de atletas para outras entidades desportivas.
As alíquotas do Regime Unificado são:
• 4% para os tributos federais unificados);
• 1,5% para a CBS;
• 3% para o IBS, sendo dividido igualmente entre Estado e Município (1,5% para cada).
A SAF poderá se apropriar e utilizar créditos de IBS e CBS apenas nas operações de aquisição de direitos desportivos de atletas. Por outro lado, os adquirentes de bens e serviços fornecidos pela SAF não poderão apropriar créditos desses tributos, salvo na aquisição desses direitos desportivos.
O valor recolhido no pagamento mensal unificado será distribuído internamente entre os tributos federais da seguinte forma:
• 43,5% para o IRPJ;
• 18,6% para a CSLL;
• 37,9% para as contribuições previdenciárias (art. 22 da Lei nº 8.212/1991).
Alguns pontos da nova legislação chamam atenção:
• Importação de direitos desportivos de atletas: Incidirá IBS e CBS.
• Exportação de direitos desportivos: Quando cedidos a residentes no exterior, será considerada exportação para fins de imunidade do IBS e CBS, conforme prevê a Constituição.
4. Conclusão
A SAF representa um marco na profissionalização da gestão dos clubes de futebol no Brasil. Desde a profissionalização do futebol já se percebia que o esporte extrapolava a esfera da mera recreação. Hoje, o futebol é uma verdadeira indústria de entretenimento e negócios, com impactos relevantes sobre o mercado de trabalho, a mídia e o setor financeiro.
*Rosa Freitas é Doutora em Direito, advogada, sertaneja, poetisa e autora de artigos e livros jurídicos, dentre eles "A reforma tributária e seus impactos nos Municípios", "Gestão Municipal de Residuos Sólidos" e "A reforma tributária e suas implicações nas compras governamentais e serviços públicos", Editora Igeduc.
**Os artigos assinados expressam a opinião dos seus autores e não refletem necessariamente a linha editorial de O Poder.
