
É Findi – Xico Bizerra* no São João em Dose Dupla
20/06/2025 -
O Sábio Cão e o São João OK - Crônica
O portão permanecia aberto, mas o cachorro teimoso não se atrevia a sair. O trânsito era intenso e Tupã, esse o seu nome, tinha medo dos automóveis malucos que não respeitavam os cães. Isto e sua fidelidade a Zé o impediam de sair. Mas era junho e ele já estava nervoso com o foguetório que assolou sua rua naquele período, agoniando animais, velhos e até crianças não acostumadas com tanta zoada nos ares.
Mas era São João e as bombas faziam parte da festa, tanto quanto as fogueiras e as comidas de milho. Falta faziam os silenciosos peidos de véia e traques de massa dos meus São Joões antigos. Não bastasse a zoada toda, eis que surge, não se sabe de onde, uma música da mais reles qualidade, de abjeta categoria, interpretada por autodenominados universitários que nunca tiveram assentadas suas bundas numa Universidade e por Sertanejos que sequer suspeitam para que lado fica o Sertão.
Foi demais. Muita zoada para ouvidos tão sensíveis. Tupã não resistiu, aproveitou o portão aberto e, aí sim, saiu. Desviou dos automóveis malucos e foi-se esconder num lugar longe, sem bombas e sem música ruim. Sábio Tupã. Não à toa o cachorro é considerado o mais inteligente dos animais. Mais, até, que alguns humanos que soltam bombas e sujam os ouvidos com o que há de pior na ‘trilha sonora’ do São João de hoje. Nessa noite Zé não dormiu, com aquele barulho todo e, principalmente, com saudade de Tupã, seu fiel cão.

Nuca e Cláudio - Crônica
No meu sonho, Nuca e Cláudio dividem uma única dose do mesmo rum, em um só copo. Enquanto um toca o outro sorve um gole da cubana bebida e vice-versa. Isso não é e nunca será problema. Ao contrário, dois gênios da música, como eles, podem e devem repartir o único rum do meu sonho pirangueiro e, enquanto um bebe um gole, o outro puxa um acorde bonito. Depois, invertem os papéis. Ouve-se a trilha do bem viver, da paz sonora. E assim, se pressente a poesia, que se faz presente, presenteando os presentes, sem palavras, apenas com sons. Os anjos do bar em que eles estão decretam descanso e leveza, suspendem o voar e passam a admirar a beleza da música. De quando em vez trazem Coca-Cola e misturam-na com o que sobrou do rum no copo único dos dois. Felizes, sequer sabem o que é Wattsapp. Nem precisam. Bastam-lhe uma dose de rum, um violão e uma canção bonita. Para que mais? Enquanto isso, falsos sertanejos enganam o povo nos palcos de São João. Alienada, a população alegre sorri tanto quanto os gestores municipais, bolsos cheios com a destinação que deram ao dinheiro daquela gente. Ainda bem que os Deuses me fizeram parceiro dos dois, de Nuca, o Sarmento e de Cláudio, o Almeida.
*Xico Bizerra, é compositor, poeta e escritor.
