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É Findi - Festa Junina no Sertão - Crônica regionalista, por Maria Inês Machado*

20/06/2025 -

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Quitéria, o milho está garantido. Já sinto o cheiro da pamonha, do milho cozido e da canjica no ar. Mulher, ninguém faz igual a você!

— João, não esqueça que o Raimundo já fez a encomenda. A freguesia dele é certa.
— Eu sei, mulher. A safra foi boa. Vai dar pra todo mundo. Já falei com o Bastião sanfoneiro. Ele vem, e a tocação vai ser de graça. A sanfona vai gemer, sem hora para parar. O Zé do triângulo está todo gaiato. Vem com a Maria Flor e a filharada. A Rosa uma moça. Ih! O Zé vai ficar com o olho no triângulo e no cabra que quiser se fazer de besta!
— Festança que meu padim Padre Cíço abençoou. São José ouviu nossas rezas, São Pedro fez o serviço dele e a chuva caiu. Santo Antônio, ainda tá trabalhando. Cheguei na casa do Menelau, e a Josefa, que já passou dos vinte e cinco, não deixou por menos: é faca enfiada na bananeira, Santo Antônio de cabeça pra baixo dentro do copo d’água. Ele já deve tá zonzo... muito tempo de cabeça pra baixo. Vixe! Pode ser que o casório saia.
— João é sortudo! Nasceu no dia de São João.
— Isso mesmo, mulher! O forró vai comer solto, até de manhã!

Meu São José, o senhor nos ouviu! No roçado, tudo verdinho: o feijão, as espigas grandes, a mandioca boa, a batata-doce bonita, a malhada dando leite.

O dia da festa chegou. As meninas, de tamanco comprado na feira. Tamanco bom era o do seu Joaquim. Os outros imitavam, mas ficavam longe na beleza. Couro forte.

Meu pai, com a espinhela caída, não aguenta o rojão da roça, mas não perde os festejos juninos. Severina, benzedeira, dava um jeito. Mãe também gosta e fica meia zarolha, finge que não vê o pote de aluá que Quitéria fez. A receita era dela, mas a mulher copiou e faz igual. A disputa era feia. Meu pai torce a boca, calado, masca o fumo, feliz.

O sertanejo é assim: reza, espera a chuva, abre as covas no chão, espalha as sementes e aguarda a colheita. Quando a chuva vem, ele ri, parece um cabrito novo, apressadinho para mamar. É a vida no sertão.

Lá pelas tantas, chega Zé Valentão. Chapéu de couro, esporão nas botas, parece a autoridade do lugarejo — mas não era. Gosta de arenga, mexe com a mulher dos outros. Elas, com medo, escondem as labaredas das falas dele dos maridos. Só quem tem coragem é Severina, que arrancou um pedaço da orelha dele com a peixeira.

O delegado Menelau soube da arruaça, mas ficou calado. Segredo de justiça. Ele conhece a força da falação de Severina e das meninas dela. Sabe que o silêncio vale ouro. Afinal, a mulher dele não ia gostar dos rebuliços que ele faz no bar de Severina.

A chuva! Tradição chover na noite de São João. A fogueira estala. O cheiro de milho assado se espalha no ar. O caldeirão do milho cozido dá conta dos festejos. A carne-seca na panela, a farinha, os pedaços de rapadura. Pai, com a melhor roupa que tinha, não para. Abraça, aperta a mão. É só alegria.
As moças rodopiam no chão batido, cheias de sorrisos. Chuva na roça dá nisso. Festança junina.
Eita, sertão bom! De cabra macho, de homem trabalhador.

— Hoje eu brilho, Quitéria! Meu coração pula no peito, escancaro a boca, o dente de ouro salta pra fora. Três anos de colheitas e vendas boas, e com a venda do bode, as coisas se ajeitam. São João, este ano coloco outro na boca. Não sou engomadinho da cidade, mas tenho dente que brilha!
— Viva São João, São Pedro e Santo Antônio! Cada um pega o par. A quadrilha vai começar. Cadê o noivo?
— Fujão...
— Tem casamento ou não? O coro é um só!
— Tem! Pega o noivo!

A soldadesca sai com a espingarda na mão. Encontrou o noivo. Vamos ao casório. Festa boa! A sanfona geme. Gonzaga, o rei da festa. Jackson do Pandeiro completa o reboliço da noite com a mistura de xaxado, baião e xote.
O sanfoneiro pediu licença à plateia e foi ao banheiro enxugar o rosto, apurar o bigode. Na volta, foi abordado por um jovem, tipo mandarim da cidade.

— O que deseja? — perguntou desconfiado.
— Quero tocar.
— O que você toca?
O rapaz pegou a sanfona, e a aberração foi saindo desafinada e torta. A vaia foi rápida
— Fora! Fora!
— Pega a sanfona, Bastião!

O intruso saiu correndo pelo mato adentro. Foi parar nos palcos falsificados de São João, cantando axé, brega-funk, música eletrônica e até sofrência.

Aqui no sertão, não.

Festa junina no sertão, quem manda é a sanfona, o triângulo e a zabumba. Tradição é o que vale!


*Maria Inês Machado é psicóloga, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e em Intervenção Psicossocial à família. Possui formação em contação de histórias pela FAFIRE e pelo Espaço Zumbaiar. Gosta de escrever contos que retratam os recortes da vida. Autora do livro infantojuvenil 'A Cidade das Flores'.

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