
Reforma Tributária 30: automóveis para PCD com alíquota zero de IBS/CBS e de IS - Por Rosa Freitas*
07/07/2025 -
O art. 143 da LC n.° 214/2026 trouxe algumas hipóteses de alíquota zero do IBS e da CBS incidentes sobre operações com os seguintes bens e serviços: I – dispositivos médicos; II – dispositivos de acessibilidade próprios para pessoas com deficiência; III – medicamentos; e IV – produtos de cuidados básicos à saúde menstrual. Esses pontos foram abordados nas semanas anteriores.
O presente texto aborda a previsão do inciso VI, relativa ao IVA (IBS/CBS) e Imposto Seletivo- IS incidentes sobre automóveis de passageiros adquiridos por pessoas com deficiência ou com transtorno do espectro autista.
1. Objeto do benefício fiscal
Atualmente, a União concede isenção de IPI, nos termos da Lei nº 8.989/1995; já o ICMS é regulado por cada estado e pelo Distrito Federal. Pessoas com deficiência física, visual, auditiva, mental severa ou profunda, ou com transtorno do espectro autista podem obter a isenção de IPI para um único veículo a cada três anos.
A isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados- IPI limita-se a carros com motor de até 2.000 cm³, no mínimo quatro portas (incluído o bagageiro) e propulsão a combustível de origem renovável, sistema reversível de combustão, tecnologia híbrida ou elétrica. Embora a legislação não fixe preço-teto, a limitação de cilindrada reduz a probabilidade de aquisição de veículos de luxo.
Com frequência, as isenções não são concedidas pelas administrações tributárias federal e estaduais, o que leva à judicialização.
Contudo, a partir de 2027, teremos o fim do IPI, que vai ser substituído pelo IS. Mas o legislador manteve a isenção também para o IS. De acordo com o art. 420 da LC, a alíquota do Imposto Seletivo fica reduzida a zero para veículos que sejam destinados a adquirentes cujo direito ao benefício do regime diferenciado de que trata o art. 149, nos termos do art. 153.
As isenções para a aquisição de automóveis serão somente aquelas previstas na LC n.° 214, até porque a legislação veda que os entes subnacionais possam conceder novos benefícios sobre o IBS. Os benefícios fiscais para automóveis para taxistas e para pessoas com deficiência continuam a existir, mas sujeitos a limitações.
Pela LC n.° 214/2025, a isenção abrange automóveis de passageiros adquiridos nas mesmas condições das isenções atuais, mas restringe-se a veículos com preço de até R$ 200.000,00, limitado o benefício ao valor da operação de até R$ 70.000,00. Caso o beneficiário possa dirigir, o benefício alcança apenas automóveis adaptados, entendidas como adaptações essenciais à condução e não ofertadas ao público em geral. Os automóveis adquiridos nessa condição não podem ser alienados por três anos.
2. Proteção às PCDs
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU foi ratificada pelo Brasil em 2008 e promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) também compõe o arcabouço normativo de proteção à pessoa com deficiência.
A Convenção incorporada no Brasil com status de Emenda Constitucional, tem levado o Poder Judiciário a interpretações ampliadas das hipóteses de concessão — argumento central das ADIs contra a LC 214/2025.
Pelo art. 149 da LC n.° 214/2025, o benefício alcança pessoas com: a) deficiência física, visual ou auditiva; b) deficiência mental severa ou profunda; ou c) transtorno do espectro autista, nível moderado ou grave.
Considera-se pessoa com deficiência aquela com impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que, em interação com uma ou mais barreiras, possa restringir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
O veículo deve ser adquirido diretamente pela pessoa com capacidade jurídica plena ou por seu representante legal ou mandatário. Para fins legais, a deficiência física é a alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano que acarrete comprometimento da função física, incluindo paraplegia, tetraplegia, amputações, paralisia cerebral, nanismo, entre outras.
3. Decisões paradigmas no STF
Na ADI n.° 5357/DF, de relatoria do Min. Edson Fachin, o STF reconheceu que a definição de pessoa com deficiência deve observar a Convenção da ONU e não pode ser reduzida a critérios puramente médicos ou percentuais fixos.
Noutro julgado, o RE n.° 657.718/MG (Tema 535 da Repercussão Geral), o STF declarou a inconstitucionalidade de restrições excessivas ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) com base apenas em critérios de renda e reconheceu a necessidade de interpretação ampliativa e contextual dos direitos das pessoas com deficiência.
Para o STF, os graus de deficiência devem ser analisados à luz da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, com base não apenas no diagnóstico médico, mas na interação com barreiras sociais. A exigência de grau “severo” ou “moderado” deve ser interpretada com cautela, especialmente quando se trata de acesso a direitos fundamentais.
O debate das ADIs gira em torno dos graus de deficiência e comprometimento, em especial, nos casos de perda auditiva ou visual que geram direito ao benefício, e da deficiência intelectual, que, por sua vez, caracteriza-se por funcionamento intelectual significativamente inferior à média, manifestado antes dos 18 anos, com limitações em pelo menos duas áreas de habilidades adaptativas.
Nos termos do art. 151 da LC 214/2025, a comprovação da deficiência ou da condição de pessoa com transtorno do espectro autista será feita por laudo de avaliação emitido por:
I – prestador de serviço público de saúde; II – prestador de serviço privado contratado ou conveniado que integre o SUS; ou III – Departamento de Trânsito (Detran) ou clínicas credenciadas.
A alínea VI do art. 143 motivou a propositura das primeiras Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) – a ADI 7779 – ajuizada pelo Instituto Nacional de Direitos da Pessoa com Deficiência Oceano Azul. Uma segunda ação, proposta pela Associação Nacional de Apoio às Pessoas com Deficiência (ANAPCD), foi autuada sob o nº 7790. São processos ainda distantes de estarem maduros e devidamente instruídos para julgamento.
Como expus também no texto anterior, qualquer modalidade de incentivo fiscal deve ser interpretada restritivamente. Todo e qualquer benefício fiscal está sujeito a essa regra, nos termos do art. 110 do Código Tributário Nacional (CTN). Mesmo assim, é muito arriscado palpitar sobre o tema e qual a inclinação da decisão do STF em dar provimento ou não às duas ações citadas.
Podemos concluir que...
• Como o IBS/CBS substituirá o ICMS e o IS, o IPI, somente teremos as isenções previstas na LC n.° 214/2025, não podendo os entes subnacionais ampliar os benefícios;
• A LC n.° 214/2025 prevê uma lista de doenças e, a princípio, haveria a redução dos beneficiários da isenção;
• O argumento central das ADIs 7779 e 7790 é que a sistemática de isenções restringe direitos das pessoas com deficiência previstos em tratados internacionais com status constitucional;
• A judicialização no Brasil é uma constante e não sabemos como se comportará o Poder Judiciário no julgamento das ADIs ou em outros casos.
*Rosa Freitas é Doutora em Direito, advogada, sertaneja, poetisa e autora de artigos e livros jurídicos, dentre eles "A reforma tributária e seus impactos nos Municípios", "Gestão Municipal de Residuos Sólidos" e "A reforma tributária e suas implicações nas compras governamentais e serviços públicos", Editora Igeduc.
**Os artigos assinados expressam a opinião dos seus autores e não refletem necessariamente a linha editorial de O Poder.
