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Por que a Creatina voltou à cena e o que isso significa para quem trata obesidade?

07/07/2025 -

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Por Gustavo L. Carvalho*

“Doutor, estou emagrecendo… mas minhas pernas viraram uma gelatina”

Com esta frase, Dona Miriam, 53 anos, expressou sua insatisfação, depois de quatro meses de semaglutida e 14 kg a menos. A balança comemorava, mas o dinamômetro contava outra história: perda de 3 kg de massa magra e força de preensão 20 % abaixo do basal.

A pergunta dela — “Existe algo que me faça secar a gordura sem roubar meus músculos?” — levou-nos a um velho conhecido que recentemente voltou à cena: creatina.

Nos últimos doze meses, mais de um milhão de buscas mensais no Google giraram em torno deste suplemento. Foi o suficiente para que o “pó branco dos marombeiros” pulasse das estantes da musculação para mesas redondas de endocrinologia e geriatria. Mas será que este "hype" tem lastro?

Vamos tentar destrinchar — em tom de conversa de corredor de hospital, mas sem perder o rigor científico.





Como um fosfato pode mudar o jogo metabólico

A creatina é sintetizada naturalmente no fígado, rins e cérebro. Ao se ligar a um grupo fosfato vira fosfocreatina, que doa energia instantânea para regenerar o ATP nos primeiros segundos de esforço. Por enquanto, nada novo aqui. O que atiçou o interesse clínico foi descobrir que:

1. Músculo do obeso não falta em volume, e sim em qualidade. Há inflamação, resistência à insulina, mitocôndrias preguiçosas. Creatina melhora a velocidade de recarga energética e deixa o treino menos penoso.


2. Preservar musculatura poupa metabolismo. Cada quilo de músculo queimando glicose é um freio contra o reganho de peso.


3. O cérebro também gosta de fosfocreatina. Daí os estudos recentes de melhora em depressão e Alzheimer.

O que a balança realmente mostra?

Em 2023, uma meta-análise com 721 adultos < 50 anos comparou creatina + treino de resistência a treino isolado. Resultado: ?0,5 kg de gordura em média, além de ganho de força, sem efeito no peso total (por aumento de água intracelular e músculo) . O mesmo desenho em > 50 anos confirmou redução percentual de gordura e maior melhoria funcional, argumento forte para pacientes sarcopênicos .

Resumindo: a creatina não derrete gordura sozinha; ela turbina o motor (músculo) que consome essa gordura quando o paciente se mexe.





Uso dos recentes agonistas do GLP-1, cirurgia bariátrica e o dilema da massa magra

Agonistas do GLP-1 (Ozempic, Mounjaro, etc).

Estudos observacionais apontam perda de até 25 % da FFM (FAT FREE MASS, que é a massa corporal livre de gordura, incluindo tudo o que não for tecido adiposo: músculo esquelético, vísceras, ossos, água intracelular e extracelular), em um ano de tratamento com estes agonistas. Suplementar creatina durante programa de resistência preservou aproximadamente 5 kg de FFM em 12 semanas .

Pós cirurgia bariátrica.

Uma revisão de 2021 reforçou o papel da creatina para prevenir sarcopenia precoce, sobretudo quando a ingestão proteica fica aquém do ideal .

Cérebro turbinado com creatina: da depressão ao Alzheimer

Em uma revisão recente que sintetizou 14 ensaios ficou demonstrado que a creatina reduz escores de depressão quando adicionada aos ISRS. ( Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina - que
são os antidepressivos de primeira linha—fluoxetina, sertralina, escitalopram, paroxetina, citalopram, entre outros—que aumentam a disponibilidade de serotonina na fenda sináptica ao bloquear sua recaptação neuronal). Nestes casos a creatina parece modular vias de energia neuronal.

Na doença de Alzheimer, um estudo piloto fase II mostrou aumento de 9 % no pool de creatina cerebral e melhoria de memória associativa após 12 semanas de 8 g/dia .

Pode realmente um simples suplemento de academia de ginástica virar coadjuvante psicogeriátrico? As respostas definitivas só virão com ensaios maiores; por ora, o mecanismo bioenergético faz realmente todo o sentido.

Coração e vasos: surpresa hemodinâmica

Em 2024, um trabalho científico com adultos ? 60 anos evidenciou que 7 dias de uso de creatina reduziram velocidade de onda de pulso em 0,4 m/s — proxy de menor rigidez arterial . Os dados ainda são preliminares, mas promissores.

“Vai ferrar meu rim?” — desmontando o mito

Uma análise Mendeliana com > 400 mil genomas não encontrou associação entre níveis genéticos de creatina e TFG reduzida . Meta-análise de 23 ECRs também não acusou alterações significativas de creatinina sérica ou depuração. Orienta-se hidratação > 35 mL/kg/dia e ajuste em doença renal avançada — o seja, o básico de todo médico conhece.

Efeitos adversos: retenção hídrica discreta, cólica leve em < 5 % — minimizados com fracionamento da dose.

Monitorização: creatinina basal, repetir se comorbidade renal ou uso crônico de anti-inflamatórios.

O que vem de novo por aí: a termogênese dependente de creatina.

A revista Nature Metabolism trouxe, em junho de 2025, a molécula SANA, derivado nitroalqueno do ácido salicílico. Em fase 1, reduziu peso em obesos sem alterar apetite e preservando massa magra, via aumento de dissipação energética dependente de creatina . Se a fase 2 do estudo confirmar a eficácia, teremos o primeiro fármaco “termogênico-creatina” concorrendo com os agonistas do GLP-1.






RESUMO para entender bem:

1. Creatina não é agente de emagrecimento direto, mas protege e potencializa os músculos — alavanca crucial num tratamento de obesidade.

2. Segurança renal sustentada por meta-análises e estudos genéticos.

3. Benefícios extra-metabólicos (cognição, humor, perfusão) reforçam o uso em populações frágeis.

4. Dosagem simples, custo baixo, adesão alta: combina com abordagens primárias de saúde pública.

5. Horizonte farmacológico (SANA) sugere que a via bioenergética da creatina está apenas começando a ser explorada.

*Gustavo Carvalho, MD, MBA, MSc PhD, é Cirurgião Geral, professor adjunto de Cirurgia Geral FCda UPE, pós graduado em Cirurgia Digestiva pela Universidade KEIO no Japão e consultor de Inteligência Artificial da Amigo Tech.
Instagram: doutorgustavocarvalho
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