imagem noticia

Trump, a Verdade Alternativa e a Radicalização nas Redes Sociais, por Antonio Lavareda*

11/07/2025 -

imagem noticia
Texto apresentado no XIII Fórum de Lisboa, na Mesa “Comunicação e Informação no Mundo Digital”

A escolha de um nome por Donald Trump, pouco tempo atrás, para batizar sua rede social, Truth Social, foi no mínimo, paradoxal — e ao mesmo tempo profundamente reveladora do funcionamento atual da informação e da comunicação no mundo digital

Trump, cuja carreira é marcada por uma relação sabidamente conflituosa com a verdade, ao adotar justamente o nome “Truth” (verdade) para sua plataforma lançou mão de uma estratégia típica do populismo digital — a apropriação do vocabulário moral, onde palavras como “verdade”, “liberdade” e “patriotismo” deixam de ser categorias universais para se tornarem marcadores tribais.

No campo da filosofia política e da comunicação, isso ilustra bem o que Yochai Benkler chama de “economia da atenção polarizada”: a verdade não é mais o que é verificável, mas aquilo que ressoa emocionalmente com a comunidade de pertencimento. Assim, “Truth” não precisa ser factual — basta que seja identitária e afetiva – de preferência no binômio “medo” e “raiva”- como mostra a neuropolítica.

A escolha do nome também realiza o que o filósofo Luciano Floridi chama de “cleaving power” do digital: a capacidade das tecnologias de desconectar termos de seus significados originais e recombiná-los com novos sentidos. “Verdade”, aqui, já não é correspondência com os fatos — é fidelidade a uma narrativa.

Em um ambiente em que a disputa simbólica pretende ocupar a centralidade , chamar uma rede social de “Truth” opera como uma forma de reivindicar autoridade moral, invertendo os polos tradicionais da veracidade: é a construção de um espaço onde “verdade” é o que o líder diz — mesmo (ou justamente) quando isso contradiz a realidade verificável.

Em suma, a Truth Social não representa a verdade no sentido clássico, mas sim a verdade alternativa de um campo político que busca deslegitimar as instituições, reconfigurar os fatos e mobilizar identidades. É um exemplo claro de como, na era da desinformação e das bolhas digitais, a linguagem se torna um campo de batalha — e a “verdade” pode ser, ironicamente, a maior fake news.

Sinédoque quase perfeita
Mas, se a rede do presidente americano é uma sinédoque quase perfeita do ponto a que chegamos, vale resgatar, de forma ultra resumida, a trajetória que nos trouxe até aqui, e sublinhar ao final o desafio que o Brasil enfrenta hoje.

Nas últimas três décadas, a internet deixou de ser uma ferramenta auxiliar da política para se tornar seu palco principal. A promessa inicial de democratização cedeu lugar à oligarquização do controle digital, com poucas plataformas concentrando os fluxos de informação e mediando quase toda a comunicação pública.

Nos anos 1990, surgiram os primeiros sinais dessa digitalização: Clinton teve site oficial em 1996, ativistas usaram fóruns contra a OMC em 1999, e no Brasil FHC e Lula criaram vitrines online em 1998 e 2002. A internet ainda era coadjuvante.

A virada começou com a Web 2.0. Nos Estados Unidos, Howard Dean usou blogs e crowdfunding em 2004. Obama, em 2008, revolucionou o marketing político com redes sociais e mobilização descentralizada. No Brasil, YouTube e Twitter ganharam espaço em 2006 e 2008, inaugurando a era da política viral.

Entre 2010 e 2011, as redes mostraram seu poder de mobilização: Primavera Árabe, Occupy Wall Street e, no Brasil, as eleições de 2010 com Dilma, Serra e Marina Silva. O TSE já se preocupava com boatos online — era o começo da campanha 2.0.

O ponto de inflexão foi 2013. Os protestos de junho, articulados via Facebook e WhatsApp, desafiaram partidos e a mídia tradicional com uma estética de rua descentralizada e sem líderes. Nunca mais se repetiu algo similar.

Em 2014, as campanhas de Dilma e Aécio usaram big data, nichos e o WhatsApp — que já era essencial fora dos grandes centros. A polarização digital se consolidava com memes e guerra simbólica.

O marco global viria em 2016: Brexit e Trump revelaram o “populismo algorítmico”, com uso de dados, microdirecionamento e desinformação. A Cambridge Analytica expôs o papel dos algoritmos na manipulação eleitoral. “Fake news” virou expressão corrente.

De 2016 a 2018, essa lógica se espalhou. No Brasil, a vitória de Bolsonaro foi impelida principalmente pelas redes, com apoio descentralizado via memes, vídeos curtos e WhatsApp. A linguagem emocional e “caseira” marcou sua campanha. As denúncias sobre fake news e disparos em massa vieram só após a vitória.

A partir de 2020, começou o embate institucional. O TSE lançou ações contra desinformação, o STF abriu inquéritos, e plataformas passaram a ser cobradas. Iniciava-se a regulação da comunicação política digital.

Em 2022, o TikTok se tornou ferramenta-chave entre jovens, o Telegram cresceu entre bolsonaristas, e a inteligência artificial começou a ser usada para manipular imagem e som. Influenciadores e podcasters viraram cabos eleitorais. A campanha de Lula apostou em storytelling emocional e na parceria com criadores.

Após os ataques de 8 de janeiro de 2023, ficou claro que a radicalização digital tinha efeitos concretos. STF, TSE e Congresso passaram a discutir a regulação das plataformas, discurso de ódio e transparência algorítmica. Ao mesmo tempo, a IA generativa trouxe riscos inéditos à autenticidade do discurso público.

No plano internacional, a União Europeia aprovou o DSA em 2022, e o uso de deepfakes e avatares sintéticos acendeu alertas. Campanhas como as de Milei e Bukele mostraram como estratégias meméticas nas redes podem levar outsiders ao poder.

A história recente nos mostra: a tecnologia molda o jogo eleitoral. A questão hoje não é mais se as redes influenciam a política, mas se conseguiremos regulá-las a favor da democracia.

A menos de um ano das eleições de 2026, o Brasil vive uma encruzilhada decisiva: ou regula com firmeza o uso das redes e da inteligência artificial, ou arrisca ver a verdade derrotada pela viralização. O TSE avançou com a Resolução 23.732/2024, que exige rótulos em conteúdos gerados por IA, proíbe deepfakes eleitorais e veda robôs que simulem candidatos. Mas essa resposta institucional está sob ameaça.

O Projeto de Lei Complementar 112/2021, em análise no Congresso, pode limitar a autonomia do TSE, enquanto o Marco Legal da IA (PL 2.338/2023) tem sido criticado por favorecer a autorregulação das big techs e ignorar questões como explicabilidade algorítmica e rastreabilidade. Em paralelo, cresce o uso de IA generativa e de vídeos falsos, sem freios claros.

A recente decisão do STF sobre o Marco Civil reforçou a responsabilidade das plataformas por conteúdos ilícitos, mesmo sem ordem judicial, reconhecendo o conceito de “falha sistêmica”. Ainda assim, propostas no legislativo como a isenção de partidos da LGPD agravam o risco de manipulação algorítmica e microdirecionamento abusivo.

A resistência à regulação é conhecida e poderosa. Tratei disso, sob o enfoque da neuropolítica, em junho do ano passado nesse mesmo forum, o que deu lugar a um texto publicado no caderno Ilustríssima da Folha de S.Paulo. Mas qual a opinião dos brasileiros, nós que nos destacamos globalmente pelo uso intensivo das redes sociais?

A opinião pública é inequívoca a respeito. Pesquisa do Ipespe e da BRZ Consulting, em dezembro de 2024, apontou que 70% da população acham que as redes sociais devem ser regulamentadas. 86% dizem que as fake news nas redes atrapalham e confundem muito (69%) ou um pouco (16%) as escolhas dos eleitores. E chama a atenção que esse número (70%) não apresentou diferença significativa entre eleitores de esquerda (70%) ou de direita (69%).

Finalizando, o que estará em jogo nessa eleição será a soberania informacional e a legitimidade do voto. Deveria interessar a todos os candidatos. Afinal, se não houver regulação democrática da arquitetura digital, restará sempre a dúvida se o próximo presidente terá sido eleito pela vontade consciente dos eleitores, ou escolhido pelo algoritmo que entregar a mentira mais eficaz.

*Antonio Lavareda
é cientista político e sociólogo (Ipespe e UFPE). Presidente de honra da Abrapel (Associação Brasileira dos Pesquisadores Eleitorais.

Deseja receber O PODER e artigos como esse no seu zap ? CLIQUE AQUI.

Confira mais notícias

a

Contato

facebook instagram

Telefone/Whatsappicone phone

Brasília

(61) 99667-4410

Recife

(81) 99967-9957
Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nosso site.
Ao utilizar nosso site e suas ferramentas, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Jornal O Poder - Política de Privacidade

Esta política estabelece como ocorre o tratamento dos dados pessoais dos visitantes dos sites dos projetos gerenciados pela Jornal O Poder.

As informações coletadas de usuários ao preencher formulários inclusos neste site serão utilizadas apenas para fins de comunicação de nossas ações.

O presente site utiliza a tecnologia de cookies, através dos quais não é possível identificar diretamente o usuário. Entretanto, a partir deles é possível saber informações mais generalizadas, como geolocalização, navegador utilizado e se o acesso é por desktop ou mobile, além de identificar outras informações sobre hábitos de navegação.

O usuário tem direito a obter, em relação aos dados tratados pelo nosso site, a qualquer momento, a confirmação do armazenamento desses dados.

O consentimento do usuário titular dos dados será fornecido através do próprio site e seus formulários preenchidos.

De acordo com os termos estabelecidos nesta política, a Jornal O Poder não divulgará dados pessoais.

Com o objetivo de garantir maior proteção das informações pessoais que estão no banco de dados, a Jornal O Poder implementa medidas contra ameaças físicas e técnicas, a fim de proteger todas as informações pessoais para evitar uso e divulgação não autorizados.

fechar