
Judeus errantes no sertão nordestino - A Torá, a sanfona e a fé disfarçada
11/07/2025 -
Por Zé da Flauta
Dizem que quando os ventos mudaram no Recife de Maurício de Nassau, e os holandeses zarparam às pressas em 1654, muitos judeus seguiram com eles para o além-mar, fundando comunidades na América do Norte. Mas uns poucos, menos afoitos e mais astutos, rumaram sertão adentro, onde a Inquisição não botava o pé, e nem o cavalo aguentava. Subiram o São Francisco, sumiram na caatinga e reapareceram com nomes novos, ofícios humildes e uma fé escondida no fundo do peito. Para não levantar suspeitas, alguns carregavam crucifixos no pescoço e a Torá na memória.
Sem vestígio
Conta-se que, entre esses errantes, um grupo escolheu um vale silencioso, onde os ventos sopravam como salmos e o chão rachado parecia guardar segredos antigos. Fundaram ali uma vila e deram-lhe o nome de Yeshua, como quem planta esperança com o nome do Messias nos lábios, mas sem deixar vestígio. “Iéxua”, diziam em voz baixa, até que a língua do povo, sempre prática e preguiçosa, cortou sílaba, virou som, e restou apenas “Exu”. Ninguém estranhou. No sertão, o improvável vira cotidiano, e o mistério se esconde melhor do que lagartixa em muro de barro.
Filhos
A vila cresceu, virou cidade, pariu vaqueiros, poetas, coronéis, sanfoneiros e um certo Luiz Gonzaga que fez o mundo inteiro aprender a geografia nordestina com música. Ninguém mais falava dos fundadores de Exu, nem das estrelas de Davi escondidas em marcas de gado, nem dos nomes de batismo repetindo Abraão e Isaac, como quem reza em silêncio. Mas quem anda com os ouvidos bem abertos jura que nas noites sem lua, os antigos rezam em hebraico disfarçado, olhando pro céu e esperando o tempo em que tudo será revelado.
O silêncio
Talvez seja só lenda, dessas que o povo inventa pra dar sentido ao que a História esquece. Mas o que seria do sertão sem seus segredos contados em voz baixa, com olhos fechados e coração aberto? Exu, que dizem ser terra de pecado por causa do nome, talvez seja terra de bênção, abrigo de fé disfarçada, pouso de exilados que fizeram do silêncio a sua oração. E quem não acredita, que vá lá, beba água do chão, sinta o cheiro da poeira e diga se não tem algo ali que escapa à explicação.
Até a próxima!
*Zé da Flauta é músico, compositor e escritor.
