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Zé da Flauta* comenta a inauguração do Teatro de Santa Isabel - Noite de vaidade, suor e história

18/07/2025 -

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Naquela noite de 18 de maio de 1850, o Recife não dormiu, nem quis. A cidade vivia um progresso econômico e social, parecia ter sido ungida com essência de Paris e pimenta malagueta. O calor era quase tropicalmente filosófico, como se o próprio tempo exigisse reflexão. Na inauguração do Teatro de Santa Isabel, o que estava em cartaz era mais que uma peça, era o espetáculo da vaidade, da modernidade e do suor coletivo. A multidão se espremia do lado de fora, apreciando o desfile da aristocracia em carruagens importadas da Inglaterra.

O governador da província, Honório Hermeto Carneiro Leão, dias antes da inauguração, mudou o nome de Teatro Pernambucano para Teatro de Santa Isabel, homenageando a princesa filha do Imperador Pedro II. E convidou o Conde da Boa Vista, para agradecer a obra que ele tanto sonhou e deu início anos antes.

Agito

Cabeleireiros, alfaiates e manicures desembarcaram direto da Europa e se instalaram nos casarões como missionários do bom gosto. Trabalhavam madrugada adentro para dar conta da nobre clientela que faria sua estreia social junto com o teatro. Era um tal de ondular cabelos, engomar rendas e alisar bigodes que parecia até que a cidade tinha sido escolhida para um baile imperial. O agito era tanto que até os sinos das igrejas badalavam mais vaidosos naquela semana.





Cartolas e casacas

As damas desciam das carruagens com vestidos dignos de uma festa em Versalles, mas o ar recifense, sempre tropical e desafiador, tratava de derretê-las com delicadeza. As maquiagens escorriam como aquarelas tristes num retrato barroco, e os leques batiam como asas de pássaros saindo em revoada. Os homens, armados de cartolas e casacas, tentavam manter a compostura, mas suavam pelos poros e pelas ideias. Todos fingiam frescor, como quem tenta filosofar em cima de uma grelha quente.





Decotes estratégicos

Dentro do teatro, o clima era ainda mais quente, e não falo apenas da temperatura. A disputa por um lugar no terraço do primeiro andar era mais acirrada que duelo de espada. Lá de cima se via tudo, os vestidos com caudas bordadas, os decotes estratégicos, os olhares calculados, os sorrisos ensaiados. E depois da peça, O Pajem de Aljubarrota, que os convidados não entenderam direito porque o foco era outro, foi servido um banquete no salão nobre. Com cristaleiras reluzentes e garçons suando mais que os convidados. Tinha vinho francês, doces portugueses e até uma sopa que ninguém ousou provar com medo de estragar a maquiagem já derretida.






Orgulho

Mas, em meio à pompa e à purpurina, havia uma emoção que não se disfarçava, o orgulho de uma cidade que queria se mostrar grande, bela e civilizada. O Santa Isabel não foi apenas inaugurado naquela noite, foi batizado com o suor e a esperança de uma elite que sonhava com ares europeus e uma plebe que, do lado de fora, também sonhava, mas com sombra e comida. E ali, entre leques, candelabros e suspiros abafados, o Recife entendeu que o verdadeiro teatro da vida começa quando a cortina da vaidade sobe e ninguém tem coragem de sair de cena.

Até a próxima!

*Cronista refinado, Zé da Flauta é músico, compositor e escritor.
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