
Jorge Pinho* propõe releitura da fábula "O Lobo Louro e os Cordeiros Morenos"
18/07/2025 -
O nosso diretor, José Nivaldo Junior, que é historiador, publicitário e integra a Academia Pernambucana de Letras, fez ontem, em O Poder, uma adaptação livre da clássica fábula de Esopo, O Lobo e o Cordeiro. O ensaísta e pensador Jorge Henrique de Freitas Pinho, colaborador de O Poder, propôs uma releitura do texto. Vamos a ela.
Querido Zé Nivaldo,
Li com prazer sua mais recente fábula — “O lobo louro e os cordeiros morenos” — e, antes de tudo, quero parabenizá-lo pela criatividade, pela leveza simbólica e pela precisão com que transforma personagens animais em arquétipos do nosso teatro político contemporâneo.
Como sempre, sua escrita tem o dom de combinar humor, inteligência e crítica em doses equilibradas. Gosto particularmente do modo como você aborda o cordeiro no final. Uma virada elegante, irônica e filosoficamente rica.
Mas, se me permite o exercício fraterno do contraponto, gostaria de propor uma leitura alternativa da cena.
Digamos que o tal cordeiro é, na verdade, um lobo em pele de cordeiro. Então talvez devêssemos repensar a cena inteira à luz dessa inversão. Talvez não fosse o lobo louro o primeiro a acusar injustamente, mas sim o lobo disfarçado de cordeiro moreno a provocar com altivez simbólica, acusando o outro de nazismo e ameaçando, metaforicamente, urinar no curso do rio para demarcar o território todo como seu.
Nessa proposta que apresento, apenas na aparência há um cordeiro bebendo a água da corrente.
Nesse cenário, o lobo louro, que parecia intolerante, se torna apenas o primeiro a reagir com força a uma provocação territorial e moral previamente articulada com esperteza retórica e instinto estratégico.
E quanto aos cordeiros espectadores — que balançam a cabeça mas não se manifestam — talvez não estejam apenas omissos, mas confusos diante de um rebanho onde já não se sabe mais quem é ovelha, quem é lobo, e quem apenas incorporou o papel de vítima para justificar sua expansão simbólica.
Sei que você — mestre da ambiguidade inteligente — deixaria espaço para essa leitura. Por isso, pedi licença para compartilhá-la. Em tempos de disfarces e inversões, fábulas como a sua têm a virtude de nos obrigar a olhar de novo — e de ir mais fundo.
Grande abraço do amigo e leitor atento, Jorge Pinho.
(*) O autor é advogado, procurador do Estado aposentado, ex-Procurador-Geral do Estado do Amazonas e membro da Academia de Ciências e Letras Jurídicas do Amazonas.
NR - Os textos assinados expressam a opinião dos seus autores. O Poder acolhe a diversidade de pensamentos e visões do mundo e estimula o contraditório democrático e respeitoso.
