
Reflexão - Por que odiamos os Estados Unidos? Artigo de Roberto Vieira*
21/07/2025 -
Nos últimos meses, o sentimento de antiamericanismo no Brasil cresceu, atingindo pontos tão altos quanto nos piores instantes da convivência entre os Estados Unidos e seus vizinhos na América Latina. O embate entre o presidente Lula e o presidente Trump se elevou entre propostas de uma nova moeda dos Brics para concorrer com o dólar, aumento de taxas, tornozeleira em Bolsonaro e suspensão do visto de entrada nos EUA de oito ministros do Supremo Tribunal Federal. Mas afinal de contas, se tantos brasileiros, mexicanos, colombianos, venezuelanos querem viver nos EUA, gostam de visitar a Disneylândia, curtem espetáculos na Broadway e filmes de Hollywood, por que odiamos tanto a América?

Pedro II
O Imperador Pedro II gostava dos norte-americanos e vice-versa. De passagem pelo país, Pedro foi recebido com demonstrações de amizade, ficando amigo de personalidades como Graham Bell, distribuiu sorrisos e afagos, apesar do olhar surpreso de quem vivia numa república e recebia um dos raros monarcas do continente. Apesar do carinho recíproco, a viagem de Pedro já trazia em si o contraste de um país que tinha militares, capitalistas e industriais versus uma nação gigantesca que tinha apenas o Barão de Mauá. Em termos de conquista de território, Brasil e EUA eram muito parecidos. Uruguai, Bolívia, México, Paraguai que o digam. Os gigantes eram ávidos por terra. A visita de Dom Pedro II aos EUA teve um impacto positivo, com a implementação da primeira linha telefônica no Brasil e a inspiração no sistema educacional americano para a educação pública no Brasil. Sim, porque o analfabetismo masculino nos EUA tinha sido erradicado desde o século XVII. Na época da visita de Pedro, as quatro maiores economias do mundo eram o Império Britânico e a China Imperial, com EUA e o Império Russo vindo logo a seguir.
Monroe
James Monroe nasceu na Virgínia, em 1758. Herói da Guerra de Independência americana, advogado e presidente dos EUA, Monroe é responsável pela formulação da Doutrina Monroe, famosa em todo manual de antiamericanismo. Através desta doutrina, Monroe afirmava que a ‘América era para os americanos’. Embora a frase fosse dita no sentido de combater a colonização europeia de territórios das Américas, ela sempre foi subentendida como um anúncio dos propósitos expansionistas e imperialistas dos norte-americanos, principalmente com a anexação de metade do México no século XIX, além da participação dos EUA nos conflitos em Porto Rico e em Cuba.

Vargas e Dutra
Getúlio Vargas navegou durante o Estado Novo em águas nazistas. Ao mesmo tempo, ele teve de se confrontar com o dinheiro de Moscou financiando as intenções comunistas no Brasil e os EUA de Roosevelt de olho nos destinos do gigante americano do sul. O fascismo italiano era a cara de Getúlio, mas para se manter no poder ele teve de dar dois golpes certeiros: o primeiro na Esquerda em 1935 e o segundo na Direita, em 1937. Ditador a partir do dia 10 de novembro de 1937, o torpedeamento de navios brasileiros com a morte de mil compatriotas em 1942, forçou Getúlio a lutar com os Aliados na Campanha da Itália. Caso Getúlio não tomasse uma atitude, os EUA já tinham pronta a invasão do Nordeste brasileiro na II Guerra Mundial, local indispensável para os esforços de guerra contra Hitler. Quando Getúlio foi deposto pela maré da redemocratização, em 1945, seu ministro Eurico Gaspar Dutra ganhou as eleições presidenciais, tornando-se o primeiro presidente brasileiro a visitar oficialmente os EUA. Metade do Brasil amava os EUA, mas boa parte dos políticos, estudantes e militares namoravam a União Soviética. O antiamericanismo florescia em território brasileiro. Um pouco por inveja mesmo.

1964
Entre 1945 e 1964, uma guerra civil silenciosa ocorreu no Brasil. De um lado, as Forças Armadas e grande parte da população cultivando o ‘american way of life’, deslumbrados com a riqueza e pujança do vizinho do norte. Hollywood, Big Bands, coca cola e chicletes eram sinônimo de amor e ódio. Quem amava, cantava rock and roll, bossa nova e falava gírias em inglês. Quem odiava, lia Sartre, assistia Eisenstein e decorava O Capital. Um lado ouvia Carlos Lacerda. O outro ia de Prestes e Francisco Julião. Quando a revolução cubana triunfou, Fidel Castro se tornou o modelo do novo líder revolucionário latino-americano. O Zapata que deu certo. Che Guevara era maior que Elvis para parte das novas gerações. Com a diferença que Guevara metralhava homossexuais – mas isso era apenas um detalhe. Após 1964, quem gostava de Beatles e Roberto Carlos era burguês e careta. Bom mesmo era Chico Buarque e tocar sem guitarra, como gritava Elis Regina. No final, tudo virou Tropicália, mas o ódio tinha criado raízes. Caminhando e cantando ao som de outra frase célebre: o que é bom para os EUA é bom para os brasileiros, dita pelo embaixador Juracy Magalhães, em Washington, após a posse de Castelo Branco.
Malvinas
A Guerra das Malvinas, em 1982, resume politicamente o uso do anti-imperialismo pelos populistas latino-americanos. Quando um governo vai mal, o momento é de inventar um inimigo externo, seja ele os EUA ou algum país europeu, de preferência o antigo Império Britânico. Como num passe de mágica, 80% da população aprova o discurso de independência e mesmo sanguinários ditadores, como Galtieri, viram heróis de plantão, até que o cruzador Belgrano afunde diante da realidade. Um dos livros mais famosos da história, Veias Abertas da América Latina, do escritor uruguaio Eduardo Galeano, passeia nessa viagem secular, surfando na teoria de que a América Latina não deu certo por causa dos EUA. Galeano conquistou hordas de universitários nos anos 1970 e 1980, porém conta apenas metade da história. O suficiente para fazer a cabeça dos jovens que ouviam Mercedes Sosa, usavam camisetas vermelhas e tinham sido, muitas vezes, estudantes de intercâmbio nos... EUA, como o escritor e político Alfredo Sirkis, um dos terroristas que sequestraram o cônsul alemão no Brasil, em junho de 1970.
Traidores de Pátria
Para Chico Buarque, Calabar era herói. Para a Coroa portuguesa, Tiradentes era traidor. Pestes amava mais a União Soviética do que o Brasil. Getúlio queimou as bandeiras dos estados brasileiros e proibiu os hinos estaduais. Peron fechou a Argentina em copas. Allende possuía um arsenal soviético no Palácio de La Moneda implodido por seu antigo aliado Pinochet. Chaves e Maduro são amigos do ouro de Moscou e amigos do presidente Lula que dispara contra o presidente Trump e o imperialismo ianque. Como Fidel Castro. Aliás, a explicação talvez resida muito no mito de Fidel Castro no imaginário latino-americano. A revolução cubana e sua resistência na Baía dos Porcos elevou o nome de Fidel e Guevara ao panteão dos ídolos regionais. De repente, os antigos líderes latinos foram eclipsados por aquela juventude barbuda e vestida com coturnos. Quem sabia fazia a hora. Era possível rir na cara do gigante norte-americano a apenas cem milhas da Flórida. Com o tempo, os comunistas que eram conhecidos como traidores da pátria, viraram Pátria e traidores eram seus adversários. Pátria deixou de ser palavrão. Porque, no final das contas, tudo é guerra. De propaganda. Até Jesus Cristo.
Made in China
A Revolução Pernambucana de 1817, ocorrida em Pernambuco, foi um movimento separatista e republicano que buscava a independência de Portugal e a instauração de um governo republicano**. Os revolucionários liberais planejavam trazer Napoleão Bonaparte, preso na ilha de Santa Helena, para ajudar na revolta. Os peronistas buscaram ajuda militar de antigos nazistas no pós-guerra. Moscou ajudou Prestes e diversos movimentos oposicionistas nas Américas, assim como a China de Mao. Cuba resistiu com a ajuda de Kruschev na crise dos mísseis e depois, com dinheiro na compra do açúcar e resistência ao bloqueio econômico norte-americano. Algo parecido com a Venezuela atual. Quando briga com os EUA de Trump, Lula faz o mesmo movimento em direção ao gigante chinês. Só falta o presidente brasileiro dizer em alguma entrevista: o que é bom para a China é bom para o Brasil. O que não está tão distante de acontecer. Resta saber se trocar seis por meia dúzia é a melhor solução para um gigante eternamente adormecido com oito milhões de quilômetros quadrados. Enquanto o país do futuro não vem? Ora, bolas! Yankees, go home!
Nota: Ianques era um termo pejorativo utilizado pelos britânicos contra os colonos europeus das treze colônias. Após a Segunda Guerra Mundial, a expressão 'Yankees, go home!', surgiu na Alemanha Oriental criada pelos comunistas. Depois foi adotada em todo o mundo que desejava se ver livre da influência de Mickey Mouse. Em tempo: a expressão 'estadunidense' também expressa o ódio aos Estados Unidos. Como na relação de Jerusalém com a antiga Roma.
*Roberto Vieira é médico e cronista. Foi estudante de intercâmbio na Califórnia, em 1982.
** Os textos assinados refletem a opinião independente dos seus autores. Sobre a Revolução de 1817: O Poder considera um movimento anti-absolutista e que lutava pela separação de Coroa Portuguesa mas não pela independência de Portugal, que já ocorrerá em 1815 com a elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves.

Confira mais notícias
Ao utilizar nosso site e suas ferramentas, você concorda com a nossa Política de Privacidade.
Jornal O Poder - Política de Privacidade
Esta política estabelece como ocorre o tratamento dos dados pessoais dos visitantes dos sites dos
projetos
gerenciados pela Jornal O Poder.
As informações coletadas de usuários ao preencher formulários inclusos neste site serão utilizadas
apenas para
fins de comunicação de nossas ações.
O presente site utiliza a tecnologia de cookies, através dos quais não é possível identificar
diretamente o
usuário. Entretanto, a partir deles é possível saber informações mais generalizadas, como
geolocalização,
navegador utilizado e se o acesso é por desktop ou mobile, além de identificar outras informações
sobre
hábitos de navegação.
O usuário tem direito a obter, em relação aos dados tratados pelo nosso site, a qualquer momento, a
confirmação do armazenamento desses dados.
O consentimento do usuário titular dos dados será fornecido através do próprio site e seus
formulários
preenchidos.
De acordo com os termos estabelecidos nesta política, a Jornal O Poder não divulgará dados
pessoais.
Com o objetivo de garantir maior proteção das informações pessoais que estão no banco de dados, a
Jornal O Poder
implementa medidas contra ameaças físicas e técnicas, a fim de proteger todas as
informações pessoais para evitar uso e divulgação não autorizados.