
A saga da Great Western: Trilhos que moldaram Pernambuco e o Nordeste
22/07/2025 -
Por Zé da Flauta*
Imagine um tempo, em que o vapor era o coração pulsante do progresso, e os trilhos, as veias que conectavam o interior ao mar. A Great Western of Brazil Railway, com seu nome pomposo e sotaque britânico, chegou a Pernambuco em 1872 como quem desembarca de um navio com uma mala cheia de sonhos e engrenagens. Essa empresa, com seus trens bufando como dragões de ferro, não só transportou cana e algodão, mas também carregou nas costas o destino de um Nordeste sedento por modernidade. Riríamos, hoje, do romantismo vitoriano daqueles ingleses, mas foram eles que, com seus chapéus de feltro e cálculos precisos, costuraram Pernambuco ao mundo, fazendo o coração do estado bater no ritmo do progresso.
Além das cercas
A Great Western não era só trilhos e estações, era um espelho da condição humana, essa ânsia de conectar, de ir além. Cada estação, de Paudalho a Caruaru, de Recife a Maceió, era um ponto de encontro entre o passado escravocrata e um futuro de trabalho livre, pois a empresa, em um gesto quase quixotesco, proibiu o uso de mão de obra escravizada. Podemos imaginar o sertanejo vendo o trem passar, sonhando com uma viagem que o levasse além das cercas de sua vida. Os mais de 1.600 km de trilhos, foi uma metáfora ambulante da esperança, um lembrete de que o progresso, mesmo torto, sempre encontra um caminho.
Rugir dos trilhos
Em 1950, os ingleses cederam lugar à nacionalização, e a empresa virou Rede Ferroviária do Nordeste. O Brasil que queria ser dono de seus trilhos. E aqui, entre risos e suspiros, vem a ironia: os trens que outrora cantavam o hino do progresso foram silenciados pelo asfalto e pela falta de investimento. Hoje, as estações, como a de Paudalho, são arquivos de memórias, e os túneis da Serra das Russas, em Gravatá, sussurram histórias de um tempo em que o Nordeste acreditava no rugir dos trilhos. Conectar é viver, e o progresso não é só econômico, mas humano. Suas pontes, como a do Rio Tracunhaém, ainda resistem, teimosas, como se dissessem: “Nós fomos mais que ferro; fomos sonhos.”
Lição
E agora, Pernambuco, o que faremos com esse legado? Choraremos pelas locomotivas enferrujadas ou sonharemos com novos trens? Ficou mais que trilhos, ficou uma lição filosófica: o progresso é um trem que não pode parar. Que tal, então, pegarmos carona nessa nostalgia e construirmos um futuro onde os trilhos, sejam de ferro ou de ideias, continuem unindo o sertão ao mar, o passado ao porvir? Porque, no fim, a Great Western não foi só uma ferrovia, foi o pulsar de um Nordeste que, mesmo cambaleante, nunca deixou de sonhar com o próximo horizonte.
Até a próxima!
*Zé da Flauta é músico, compositor e escritor.
