
É Findi - A Cheia e a Cirurgia - Crônica, por *Romero Falcão
26/07/2025 -
Abandonando os Carros
17 de julho de 1975, exatamente há cinquenta anos, o Recife foi náufrago da terrível enchente de 1975. Como se não bastasse o dilúvio, outra enxurrada arrastou os recifenses. O boato, "Tapacurá Estourou". São inúmeras as histórias tragicômicas da fatídica mentira. Gente abandonando os carros, correndo sem saber o porquê e pra aonde. Na Avenida Caxangá, contam que uma lavadeira equilibrara a trouxa de roupa na cabeça. Quando viu o mundaréu de gente correndo, jogara a trouxa em cima de uma mulher que caiu sentada, e disparou na carreira.

Uns Gatos No Hospital
Mas o que eu quero mesmo contar não é o causo de Tapacurá, é lembrança de menino, lá das entranhas. Boato danado, danada da cultura de pregar criança na cruz do medo. Uma cirurgia que deixei de fazer por conta da cheia do início dos anos 70. Era cirurgia de Fimose - circuncisão - cuja intervenção retira sobra de carne que aprisiona a glande. O procedimento simples com data marcada tornou-se um pesadelo pra mim, já que a senhora que trabalhava lá em casa de cozinheira tocou o terror. Menino, presta atenção, o médico tem que ser bom, porque corre o risco de cortar teu pinto. E tem uns gatos lá no hospital que são fregueses de bimba de criança arrancada por engano do médico. Eu levava a mão ao troço como quem sentia a dentada do bicho. Para reforçar o coro da mutilação, uns colegas se encarregavam de outras histórias macabras que aconteceram com o vizinho do padrinho da irmã. Por sua vez, meu irmão coroava o horror. Os gatos do hospital são treinados. Enquanto você é sedado, eles fazem a festa, auxiliam os médicos com garras e dentes.

Água com Força
A data da faca se aproximava. Embora meu pai me explicasse a forma correta, sabe como é cabeça de moleque daqueles tempos. Há sempre uma Comadre Fulozinha pra dar nó em rabo de cavalo, e por que não refeição de gato? Mas a natureza despejou água com força na véspera. No dia da cirurgia, a cheia tomou as ruas ao redor do hospital. Ninguém passava, nem gente, nem carro, muito menos os gatos que se lambiam pensando na sobremesa da minha parte íntima. Ah! Que felicidade, quando papai disse, meu filho, a cirurgia foi cancelada. E a natureza mais uma vez me salvou da mesa de aço, quando me ensinou a descobrir o prazer com as próprias mãos. A tal carne que sufocava a glande foi rompida pela volúpia dos hormônios da adolescência. Os gatos, coitados, mudaram de cardápio.
*Romero Falcão, é um cronista que se arrisca a fazer poema torto, autor do livro: Asas das Horas, com prefácio do Prof. José Nivaldo.
