
É Findi - A Força da Mulher Sertaneja - Conto, por Maria Inês Machado*
26/07/2025 -
O sol era escaldante. O chão rachado anunciava a ausência de chuva, e o calor ardia sem piedade. Pedro suava sob a jaqueta de couro colada ao corpo, mas não desistia. Carregava no semblante a teimosia dos que ainda acreditam, mesmo quando tudo ao redor morre aos poucos.
Dona Maroca, firme na palavra e no olhar, arengava com convicção. Dizia ao filho que não havia mais jeito. Era preciso partir para a cidade. A ração estava pouca, o sol queimara tudo, e a esperança definhava. Já havia passado o dia de São José e nada de chuva.
A caatinga parecia morta. Os cactos arroxeados testemunhavam a secura da terra e da vida.

Velha matreira, Dona Maroca sabia do namoro do filho com a filha do jagunço. Aquilo lhe doía mais do que a própria seca. Orgulhosa da elite rural tradicional, carregava consigo os preconceitos da época. Fazendeiros se gabavam da posição e da raça. O fio de metal valia mais do que qualquer sentimento. Nas conversas cochichadas, ecoavam os julgamentos que ela já previa: onde já se viu um moço bem-criado na fazenda se enlaçar com uma moça simples do sertão? O destino de Pedro deveria ser outro. Havia pressa. Era preciso agir antes que uma gravidez manchasse o nome da família.
As noites, embora abafadas, eram amenizadas pelos carinhos entre os dois jovens. Ela se entregava inteira, com confiança. Pedro, firme, a olhava com ternura. Os cabelos dela, trançados, desciam até a cintura. Vestia saia de chita rodada, costurada pelas mãos da mãe. A beleza nordestina, simples e altiva, era guardada para ele. O amor entre os dois não conhecia reservas.
A moça não compreendia os atalhos do preconceito. Achava que amar bastava. Pensava, com a pureza de quem sente de verdade, não escolhera o nome dele, mas sim o que ele era quando a olhava. Paixão ardente Prenúncios do amor sem fronteiras.
Mas os parentes de Pedro chegaram da cidade. A decisão estava escrita nos olhos, nos gestos contidos, nas malas fechadas. Era hora de abrir as porteiras, soltar o gado. A chuva não viria. O chão já gritava isso com sua mudez rachada.
A separação foi decretada em silêncio. Ninguém falou, mas ela entendeu tudo. O silêncio de Pedro doeu como lâmina. Nenhuma palavra. Nenhum gesto. Um fim seco. Cruel. Irremediável.
O pai da moça foi dispensado. Mais um retirante em busca de trabalho. Na alma dela, o deserto. A saudade chegou sem passaporte de volta. E os sonhos… Ah, os conselhos da mãe tantas vezes ignorados agora sussurravam como assombro.
Ela acreditara no amor. Murmurara sozinha no escuro. Acreditara na reciprocidade, na força do sentimento. Chorou. Mas o vento levou suas lágrimas. Mulher do sertão não se derrama em lamento. Dócil, sim. Mas decidida. A coragem lhe servia de abrigo.
Na manhã seguinte, vieram as despedidas. Dona Maroca sorria por dentro. Vitória. A separação vencera. Pensava, aliviada, que os miolos de Pedro haviam se ajustado. As filhas do coronel Barbosa estavam prontas. Moças bonitas, em idade de casar. Pedro esqueceria aquela paixão rota. O marido ouviu o comentário e se calou. Concordava em silêncio.
A moça olhou para Pedro. Procurou algum sinal. Um gesto. Qualquer coisa. Nada.
Nenhuma emoção. A dor gritou no peito, mas não a fez vacilar. Na frieza dele, algo se firmou dentro de si. Uma certeza: a seca pode esturricar o chão, mas não resseca a dignidade da mulher sertaneja.
Partiu com a família no pau de arara, entre outros retirantes. A cidade foi dura. A condição de doméstica, ainda mais. Mas algumas mãos a acolheram. Em certos lares, trabalhou com respeito e esforço.
O que a salvou foi a resistência e o estudo. Lutou. Conquistou.
Anos depois, quando as nuvens finalmente cobriram o céu, ergueu os olhos. Lá no alto, a sensação da resposta do sacrifício. Vislumbrou a frase que sustentara a alma por tanto tempo:
- Não desista mulher sertaneja, você é mais do que seus medos.
*Maria Inês Machado é psicóloga, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e em Intervenção Psicossocial à família. Possui formação em contação de histórias pela FAFIRE e pelo Espaço Zumbaiar. Gosta de escrever contos que retratam os recortes da vida. Autora do livro infantojuvenil 'A Cidade das Flores'.
