Capítulo 1 – O Sopro das Águas Mortas

Toda noite, quando o relógio do Diário batia as doze badaladas, o Recife se transformava. As luzes amareladas dos postes tremeluziam como se algo invisível soprasse sobre elas. Os bares fechavam mais cedo, os garçons evitavam olhar para o rio e os ubers recusavam corrida praquela área. Desde que duas mulheres foram encontradas com os olhos arrancados e os cabelos completamente molhados, uma lenda voltou a circular, a do fantasma que emergia das águas mornas do Capibaribe.

Diziam que ele subia do fundo do rio como uma névoa espessa, flutuando até as pontes, deslizando pelas ruas silenciosas com os pés descalços e frios. Uns juravam que ele se escondia debaixo da ponte Duarte Coelho, outros que vivia nos porões da Igreja de São Pedro. Um taxista disse que viu a figura parada no meio da rua, imóvel, como se estivesse esperando alguém. Quando ele buzinou, a coisa virou a cabeça e revelou… nada. Um rosto completamente liso, branco, como cera derretida.

As mortes começaram discretas, mas logo viraram assunto nos grupos de zap dos moradores da área central. Uma delas foi filmada pela câmera de um prédio antigo, a vítima aparece andando sozinha, quando a imagem distorce, chiados surgem, e de repente ela desaparece. Só se vê uma silhueta de capa preta e um vulto escuro atravessando a rua na direção oposta. O corpo foi encontrado dois dias depois, boiando no rio, com a boca cheia de papel de jornal encharcado.

A polícia tentou ignorar, alegando que era caso de criminoso comum, mas tudo piorou quando uma testemunha sobreviveu. Uma moradora de rua chamada Dona Salomé disse que viu o fantasma sair de dentro do prédio abandonado do Diário de Pernambuco. Ela chorava e tremia, apontando com o dedo sujo para a fachada em ruínas: “Ele mora ali dentro! Eu vi! Ele tem o rosto todo derretido, como cera de vela velha, e os olhos… os olhos são dois buracos negros que puxam a alma da gente!”

Continua no próximo sábado.

*Zé da Flauta é músico, compositor e escritor.