
O Brasil já rompeu relações com a maior potência do planeta. Saiba por que, quando e as consequências
29/07/2025 -
Por José Nivaldo Junior*
E não apenas a maior potência: o seu principal parceiro comercial. Aconteceu em 1863, e nem por isso o Brasil sumiu do mapa. Marx disse, usando linguagem do teatro, que a História acontece como tragédia e se repete como farsa (comédia escrachada). Vamos a uma síntese do ocorrido, que ficou registrado na historiografia como "Questão Christie". Embora as causas viessem de longe. Ruptura que, esperamos, não se repita. Nem como tragédia. Nem como farsa.
Primeiro confronto: extorsão
Após a separação dos governos do Brasil e de Portugal, em 1822, a Inglaterra era a grande potência do Ocidente. Durante décadas, as relações Brasil/Reino Unido se deram entre tapas e beijos, digamos assim. Nenhum país, em nenhuma época, tem amizades. Apenas interesses. A primeira questão se deu com a exigência arrogante da Inglaterra de só reconhecer o Brasil como nação se o jovem Império tropical assumisse uma dívida de Portugal, na época, de 2 milhões de libras esterlinas. Seria uma fortuna incalculável hoje. O Brasil se endividou com bancos ingleses, pagou e assim começou nossa dívida externa.

O tráfico negreiro
Além de combater a escravidão, visando criar um mercado consumidor nas Américas, a Inglaterra combatia o chamado tráfico negreiro. Luta justa. Que escondia outros interesses. Os embates se deram ao longo de décadas. Em 1845, a Inglaterra aprovou o "Bill Aberdeen", uma lei do Parlamento que autorizava a Marinha Real Britânica a apreender e reprimir navios negreiros, mesmo em águas territoriais brasileiras. Os atritos se multiplicaram. O Brasil acabou cedendo, proibiu o tráfico, em 1850 (Lei Eusébio de Queirós), mas a escravidão persistiu e a tolerância com o contrabando era grande. A Inglaterra, na real, combatia a escravidão porque escravo não consome. O capitalismo queria ampliar mercados.

O caso Christie
William Dougall Christie era o equivalente a embaixador britânico no Brasil. Cara arrogante e encrenqueiro. Criava problemas dia sim outro também. A temperatura subiu em abril de 1861. O navio 'Prince of Wales', que ia da Escócia para Buenos Aires, naufragou entre as costas de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Alguns marinheiros morreram afogados, outros nadaram até a costa. E, 'grande surpresa', a carga (louças, tecidos, azeites e vinhos) foi saqueada. Christie responsabilizou o governo brasileiro e exigiu um pedido formal de desculpas e indenização. Logo depois, mais incidentes ocorreram no Rio, com brigas, arruaças e prisão de oficiais da marinha inglesa. A temperatura subiu ainda mais.
D Pedro II
Se recusou a aceitar as imposições. Recorreu à arbitragem do rei Leopoldo, da Bélgica. A arbitragem era o meio de resolver questões entre países na época. D. Pedro reinava mas não governava. Mesmo assim, tomou a frente da confusão. Uma frase dele ficou marcada: "Quando se discute princípios, não se pode discutir dinheiro". E mandou depositar a quantia exigida, por antecipação. O rompimento de relações diplomáticas veio depois que a Marinha inglesa aprisionou em alto-mar cargueiros de bandeira brasileira. Foi a vez de D. Pedro exigir desculpas e indenização. Como a Inglaterra recusou, as relações foram cortadas.
Consequências
O povo foi para a rua apoiar o governo. A resposta de D. Pedro gerou um sentimento de orgulho nacional e união em torno da defesa da soberania do país. O comércio com a Inglaterra sofreu uma grande queda. O Brasil buscou novos parceiros internacionais, como a Bélgica, pequena, mas muito forte econômica e politicamente. A Inglaterra sofreu muitas críticas pelos excessos cometidos. O Brasil ficou isolado no contexto internacional e centrou foco na América Latina e em novas ligações na Europa. Pelo lado inglês, não conheço estudos sobre as repercussões na economia. Mas, levando em conta que a iniciativa do reatamento, de relações, após pacientes negociações, partiu da Inglaterra, não deve ter sido muito positivo para eles também.

O reatamento
O rei Leopoldo decidiu que o Brasil tinha razão, mas a Inglaterra não aceitou. Bateu o pé. As relações continuaram cortadas, com prejuízos para os dois lados. As negociações prosseguiam Até que em 23 de setembro de 1865, já no contexto da 'Guerra do Paraguai' o embaixador inglês em Buenos Aires, um tal de Thornton, se reuniu com o imperador no teatro de operações, nas barrancas de Uruguaiana. Apresentou desculpas formais e as relações foram reatadas. Até hoje.
Delírio
Se Trump e Lula pedissem a alguém para estudar o tema, talvez muito estrago desnecessário pudesse ser evitado. A História, bem, você sabe.
*José Nivaldo Junior é bacharel em Direito, mestre em História, publicitário com 50 anos de atuação no marketing político. Da Academia Pernambucana de Letras. Diretor de O Poder.
NR - A foto no alto da matéria é autêntica. Captou o momento em que o embaixador inglês apresentou desculpas formais a D. Pedro II.

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