Quem avança no tempo, obrigatoriamente, passa a fazer pit stops em consultórios médicos. São imposições das avarias que vão surgindo no decorrer dos anos. As vezes a lataria está em boa conservação, mas a mecânica necessita de grandes reparos.

Os fatos seguem a ordem natural da vida.
Sempre que me vejo sentado, numa sala de espera de algum consultório médico, da mais simples a mais sofisticada, passo a observar o comportamento das pessoas. O clima é o mesmo: medo, tensão, esperança se misturam numa expectativa que busca uma fuga através dos smartfones, de um aparelho de televisão que está sempre ligado ou na leitura de uma revista qualquer. Vale tudo para não libertar o pensamento enquanto se aguarda o diagnóstico do médico.

Pois bem! Sexta-feira eu estava no aguardo de uma consulta com o Dr. Carlos Eduardo Montenegro – Dudu para os amigos – hoje considerado uma das maiores referências da cardiologia em Pernambuco, quando fui surpreendido com a chegada do amigo, velho companheiro de redação no Diario de Pernambuco, Raimundo Carrero, um dos maiores escritores brasileiros na atualidade.
A reação foi automática: num impulso estava em pé já caminhando na direção do amigo que reagiu com uma alegria irradiante.
“Claudemir companheiro velho!”. Falou claro e em bom tom chamando a atenção de todos que estavam na sala. Em seguida liberou aquela risada gostosa, uma de suas marcas registradas. Uma risada que conheço desde 1975, quando comecei a trabalhar no Diario.

Temporada de grandes acontecimentos, dentre eles o lançamento do primeiro título do escritor Raimundo Carrero: 'A História de Bernarda Soledade, a Tigre do Sertão'. A reciprocidade daquele abraço encheu a sala de ternura. As lembranças dos vinte e tantos anos que convivemos na mágica e acolhedora redação do Diario de Pernambuco; recordações de episódios vivenciados com companheiros que tínhamos como mestres e irmãos. A cada lembrança pinçada em nossas memórias Carrero liberava uma risada.
Quando lhe convocaram para fazer um eletrocardiograma ele quis retardar um pouco, sob alegação de que, aquele encontro que estávamos vivenciando tinha uma importância ímpar.

Atualmente Carrero luta contra muitos problemas de mobilidade. Tecla com apenas um dedo. Mas sua cabeça continua incrível. Recentemente lançou o romance 'A Vida é Traição'.

Quando fui chamado para ser atendido por Dr. Carlos Eduardo fui logo alertando: “Vem aí um dos melhores escritores do Brasil e um torcedor raiz do Sport”.
“Então estamos em casa”, respondeu Montenegro, que tal como Carrero, tem a risada como um cartão de apresentação.

Nos últimos dias, vez por outra, me surpreendo pensando no abraço que trocamos – eu e Carrero – e como, num curto espaço de tempo, vieram à tona, tantas lembranças que guardamos a sete chaves com carinho e cuidado, para que o tempo não destrua como fez com o prédio do velho DP e o centro do Recife.

Em alguns momentos Carrero revelava sua tristeza com o cenário atual da Pracinha do Diário, e confidenciou: “Aquele espaço me serviu de inspiração para dois romances. Ficava contemplando da janela um cenário onde acontecia de tudo, depois criava os personagens”.
Para manter o bom astral do encontro, eu citava um personagem (antigo companheiro de redação) e um fato engraçado, mas no fundo ele tinha razão. Uma razão exposta nos seus últimos títulos:
O amor não tem bons sentimentos.
Afinal: A vida é traição.

*Claudemir Gomes é um dos mais expressivos nomes do jornalismo esportivo brasileiro.