
A história da onça e a nova plataforma proposta pelo governo do Estado para tentar agilizar a liberação das emendas dos deputados
01/08/2025 -
Com informações de Fernando Castilho*
Registra Castilho na sua coluna do JC hoje, 1o de agosto, uma das histórias mais engraçadas do anedotário político do Nordeste. Conta a saga de um jagunço falante contratado para dar cabo de duas onças que estavam atacando o rebanho caprino de uma fazenda no sertão pernambucano.
O cabra não tinha qualquer experiência, mas prometeu ao fazendeiro resolver o problema em dois tempos. Pela manhã, depois de tomar um bom café, saiu para dar um passeio quando se deparou com o felino. Sem arma, sem estratégia e com muito medo, ele correu até a casa grande, perseguido pelo bicho. Tropeçou enquanto a fera avançava rumo ao alpendre. Esbaforido, gritou para os trabalhadores que assistiam à cena estupefatos: "Segura essa (onça) que eu vou buscar a outra".
Paga aí secretário
A história, segundo Castilho, serve para ilustrar o quadro criado pela destinação dos deputados pernambucanos, nos últimos três anos, de R$ 716,41 milhões em emendas parlamentares a serem pagas pelo governo do estado. Não existia, até agora, qualquer metodologia para preparação dos processos burocráticos que são necessários a partir de uma emenda. São emendas no valor mínimo de R$ 20 mil, num limite total de R$ 6,17 milhões, por ano, como em 2025. Isso quer dizer que um parlamentar podia destinar dezenas de emendas de pequeno valor, para dezenas de entidades, gerando uma enorme burocracia.
"Grosso modo é como se o deputado corresse de uma onça e a secretaria tivesse que pegar o bicho e entregá-lo numa jaula ao Ibama para ser devolvido ao seu habitat". Sem estar preparada para cumprir a missão.
Grupo de trabalho
Ontem, quinta-feira, 31/07 os secretários da Fazenda, Planejamento e Controladoria-Geral entregaram o resultado de um grupo de trabalho criado pela governadora Raquel Lyra visando, finalmente, equacionar a rotina de um dos embates políticos mais sérios entre Executivo e Legislativo. Que levou ao pagamento de apenas R$ 112,49 milhões das 1.252 emendas previstas para 2024. E a decisão da governadora de empenhar R$ 59,8 para serem pagos este ano junto aos R$ 302,6 milhões previstos no OGE.
Os secretários entregaram números bem interessantes, com o pagamento da maior parte do que deveria ter sido pago em 2024. Mas informaram que mesmo com o esforço ainda existem R$ 25,7 milhões que simplesmente não puderam ser pagos devido a uma série de dificuldades que vão da falta de documentos referentes ao objeto da emenda à desistência da entidade que deveria receber.
Rotina burocrática
O problema é que quando a Assembleia Legislativa envia sua relação de emendas esse montante, para ser pago, precisa entrar na rotina burocrática das diversas secretarias. Especialmente na da Saúde que pela legislação tem metade das dotações.
É como se, além das rubricas programadas pelo Executivo, uma outra quantidade enorme de rubricas fosse adicionada ao serviço de cada pasta.
Realidade distante
Hoje parece claro que nem os deputados tinham qualquer ideia do que acontece numa secretaria quando destinavam uma emenda assim como o governo do Estado não tinha uma adequada estrutura para recepcionar essas demandas de documentos para cumprir a burocracia estatal. O embate político foi inevitável.
O secretário da Fazenda, Wilson de Paula, reconhece que foi um aprendizado conjunto, não antes de um sofrimento conjunto. Junto com secretário de Planejamento, Fabrício Marques ele está entregando além de uma plataforma onde, a partir deste semestre os deputados poderão acompanhar a tramitação de suas emendas em tempo real além de um conjunto de sugestões que amplia para R$ 100 mil o mínimo de uma emenda e que o deputado só possa mudar o destino do dinheiro duas vezes em lugar de nove atualmente.
Cardápio
O secretário de Planejamento Fabricio Marques está entregando à Assembleia Legislativa um conjunto de documentos e cadernos de orientação que em 2026 já deve ajudar os deputados a, na partida, escolher o destino de emendas para onde o Executivo já tem uma rotina.
De certa forma é como escolher numa lista de opções entre todas as secretarias a destinação que permita o processamento em menor tempo apenas enquadrando o pedido.
Pagando emendas
Somando tudo que a governadora Raquel Lyra pagou de emendas, em 2023 e 2024, dá quase R$ 250 milhões. Nesse volume está 100% das Transferências Especiais conhecidas como emenda PIX. Mas em 2025 as dificuldades burocráticas só permitiram que até junho fosse pago 10% do previsto.
Os secretários acreditam que com a instituição de uma nova rotina e do treinamento dos assessores dos deputados, esses números devem subir até que se chegue à marca de 90% do destinado no ano passado.
Acompanhamento
Eles apostam que com os sistemas de acompanhamento e o entendimento pelas assessorias dos parlamentares da exigência da burocracia estatal o fluxo de pagamento, o desempenho de 2025, no segundo semestre, seja mais tranquilo.
Um dos desafios práticos é que em dezenas de emendas destinadas pelos deputados a uma secretaria existe a necessidade de licitação com todo o processo legal.
Registro de preços
Mas tem solução dentro da lei. Basta usar a criatividade. "Estamos tentando mostrar que, usando os registros de preços que o estado já tem de milhares de itens, uma emenda pode ter tramitação mais rápida", diz o secretário Marques. Esse entendimento exigiu a participação colaborativa dos assessores dos deputados, que a partir de agora "vão poder acompanhar as emendas usando uma plataforma construída para a tramitação de cada uma delas", diz o secretário.
Faz sentido. No fundo, as soluções propostas mostram que os 30 meses de embate entre as equipes das secretarias estaduais e os deputados queixando-se dos atrasos, que a questão não era financeira. Era burocrática.
Exigências legais
Na verdade, a necessidade de cumprir as rotinas e exigências legais do servidor (ordenador de despesas) do Executivo estava muito distante do gesto do deputado que apenas destinava os recursos. No fundo quem tem que “pegar a onça” não é o deputado, mas o servidor da secretaria que legalmente é quem responde pelo empenho. E que pode ter que se explicar junto ao TCE se o dinheiro for mal aplicado. Agora, a promessa é de que tudo fique mais claro, mais simples, mais desburocratizado. A conferir.
*Fernando Castilho é um dos jornalistas econômicos mais credenciados do País. Assina a coluna diária de economia do Jornal do Commercio.