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É Findi - Escrever Cartas – Crônica, por Maria José Morais*

02/08/2025 -

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Eu era uma criança de 10 ou 11 anos quando o meu pai me pediu para que preenchesse os recibos dos empregados da sua fábrica porque, achava ele, a minha letra “boa” e bonita. Na verdade queria, supostamente, dizer que a minha letra era legível.

Assim, também fui a escolhida pela minha avó Tereza, para escrever as cartas que ela enviaria às filhas, moradoras do Rio de Janeiro e em São Paulo.

Ela me dizia o assunto e eu organizava as palavras, sempre com muito cuidado, enchendo as linhas de coisas que ela não indicava, como por exemplo: estou com saudades, envio um abraço grande… Ao final da carta, li-a para a minha avó, que ficava muito satisfeita com o texto. Então me dizia: você tem mesmo uma letra boa!

Descobri mais tarde que o “boa” era, na verdade, a facilidade que eu demonstrava para organizar e escrever as coisas que ela queria, não sabendo como as dizer. Fiz tantas cartas para o Rio de Janeiro a pedido dela!

E também precisava ler as cartas por ela recebidas, para ficar a par dos assuntos abordados.

Foi assim que adquiri o hábito de escrever cartas para a tia Iraci, uma das irmãs do meu pai. Foram muitas e muitas! Escrevia e respondia. Caprichava no texto. Tinha lá até poesia! Queria sempre colocar a esperança, o amor, a paz, em meio àquele turbilhão de letras.

Bem mais tarde vi o filme “Central do Brasil”, protagonizado pela atriz Fernanda Montenegro, no qual a sua personagem, Dora, trabalha escrevendo cartas para analfabetos na estação Central do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro.

Percebi que eu também já exercia essa atividade com os meus. Gostei muito dessa equiparação!

Continuei a escrever outras cartas por solicitação de Lica, Vilma, Ana, Noêmia, Sr. Paulo Zelador, Dona Marlene… Cada uma com assuntos distintos. Começava sempre com “As minhas saudades!”, e terminava com “um beijo no seu coração”.

Era dessas palavras que estas pessoas gostavam. Não era da letra “boa”, mas do trato dado às palavras e da emoção que eu empregava quando lia essas cartas.

Muitos anos depois, vieram as cartas via e-mail. Assim, ninguém via se a letra era “boa”. O que valia mesmo era a essência das palavras.

Noutra época, fui voluntária num lar de idosos em Candeias, região metropolitana do Recife. Ia uma vez por semana para ler páginas para as senhoras idosas. Levava textos com temas que confortavam os seus corações. Fazia sempre comentários sobre os textos e isso as deixava muito contentes. Até que uma delas me pediu para que escrevesse uma carta para a filha, que nunca a visitava. Fiz a carta com um nó na garganta e lágrima nos olhos. Vi-me na pele daquela mãe, muito abandonada.

Passei a levar poesias e poemas de autores brasileiros, porém, o lar mudou de morada e não pude mais desenvolver esta atividade. Os compromissos profissionais também não mais o permitiam.

Tive oportunidade de visitar, voluntariamente, uma hora por semana, a enfermaria do Hospital das Clínicas (UFPE). Lia uma mensagem, comentava e ouvia o que me diziam. Foram tantas quartas-feiras! Uma ocasião, faltei a um encontro porque estava gripada. Na semana seguinte, soube pelo enfermeiro Gildo, que uma delas quis saber porque a “pastora” não apareceu. Ri-me disso. De “escrevedora de cartas” à “pastora”!

Hoje com as redes sociais e os canais virtuais de comunicação, continuo com o gosto de escrever e ler. Muitos assuntos vêm à mente após a leitura.

Uma das coisas que aprendi com o professor Humberto Vasconcelos, é que somos espíritos carentes e cativos. Carentes, porque temos lacunas ainda não preenchidas e estamos sempre em busca de algo que nos preencha a alma. Cativos, porque ainda estamos presos às amarras que nos atrapalham a caminhada espiritual. Assim sou (estou) eu!

Escrever exige tempo, reflexão, esforço e concentração. É um processo que nos obriga a desacelerar e a ligar verdadeiramente com os nossos pensamentos e sentimentos. Quando decidimos escrever, estamos a criar uma ponte entre as nossas emoções e a expressão física dessas mesmas emoções.

Continuarei a escrever, não me importa para quem, mas fico contente quando as palavras se deitam sobre as linhas, as letras saltam, andam aos pares, arrumam-se em sílabas, em palavras. Muitas dessas mensagens, extraio ensinamentos para a vida. Encontro-me com as respostas que nem sabia que lá estavam.

Gosto de escrever bilhetes, notas, de deixar recados, avisos, tudo escrito à mão para quem quer que seja. Um hábito considerado desnecessário para muitos, mas que, para mim, é um enorme prazer.

Experimente também e veja a diferença que um bilhete escrito à mão pode fazer! Deixe pequenos bilhetes na mesa de cabeceira a alguém da família, com palavras de agradecimento e amor, temperadas com um toque de humor. Sirva a refeição e deixe à mesa aquele pedaço de papel com uma frase elogiosa. É um gesto simples, mas carregado de significado, que pode iluminar o dia de alguém e fortalecer os laços afetivos.

Quem será o escolhido?


*Maria José Morais, bióloga, professora, escritora e palestrante. É pernambucana e vive na cidade do Porto, em Portugal.

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