
Artigo – Por que Trump isentou 700 itens do tarifaço sem negociar, por Ricardo Rodrigues*
02/08/2025 -
A decisão de Donald Trump de isentar quase 700 produtos do tarifaço aplicado aos produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos pegou todo mundo de surpresa. Afinal não houve qualquer tipo de negociação entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos. Muito ao contrário, o embate retórico que se desenrolou entre Trump e Lula nos dias que antecederam a decisão indicavam uma escalada na tensão entre os dois países. E não faltou quem colocasse mais lenha na fogueira para ver o circo pegar fogo, a começar pela imprensa americana.
Com a isenção, a tarifa média aplicada aos produtos brasileiros caiu de 50% para 31%. E mais, importantes setores da indústria brasileira puderam respirar aliviados. Pelo menos, por enquanto. Foi o caso da aviação civil e da indústria do suco de laranja. Outrossim, a decisão de Trump abriu as portas para a negociação diplomática que até aqui estiveram bem fechadas.
Atuação diplomática decepcionante
A embaixadora brasileira em Washington até que tentou abrir um canal de negociação com o Departamento de Estado mas não obteve êxito. Sequer foi recebida pelo terceiro escalão. Só encontrou portas fechadas.
A atuação decepcionante do Itamaraty me fez recordar outros tempos, quando diplomatas como o embaixador Rubens Barbosa ou o saudoso embaixador Paulo de Tarso Flecha de Lima elevavam o conceito da instituição. Este último revelou-se um gigante à frente do Departamento de Promoção Comercial do Ministério das Relações Exteriores nos anos oitenta. Como fazem falta neste momento delicado das relações entre Brasil e Estados Unidos.
A expectativa do pior cenário
Ora, diante da recusa dos americanos em receber os atuais diplomatas brasileiros para viabilizar o início de rodadas de negociação e da escalada na troca de farpas entre Lula e Trump, a expectativa era de uma piora no tarifaço. No melhor dos cenários, permaneceria a tarifa de 50%, que, cá entre nós, simplesmente inviabilizaria a exportação dos produtos brasileiros ao mercado norte-americano. O cenário previsto era de uma verdadeira hecatombe para o comércio exterior brasileiro que, no curto prazo, não teria como propiciar a transferência de exportações para destinos alternativos.
Tarifas punitivas
Uma tarifa de tamanha proporção não faz qualquer sentido do ponto de vista comercial. Nada tem em comum com o plano de restruturação do sistema de comércio internacional, concebido por Stephen Miran, assessor especial de Trump, e Scott Bessent, Secretário do Tesouro. Tal plano tinha por objetivo empregar tarifas para reequilibrar o comércio dos Estados Unidos com seus parceiros comerciais e corrigir distorções na balança comercial norte-americana.
A tarifa de 10%, anteriormente aplicada ao Brasil, enquadrava-se na lógica do plano de Miran e Bessent. Afinal, os Estados Unidos ostentam um superávit comercial com o Brasil. Ao declarar um aumento de 40% na tarifa originalmente estabelecida para o Brasil, Trump jogou a lógica do plano para o espaço. Tratou-se, sim, de uma medida punitiva. Qualquer tarifa igual ou superior a 50% equivale a uma arma. Estamos falando do uso político, ou mesmo geopolítico, do acesso a mercados. Não há diferença entre tarifas dessa magnitude e as sanções econômicas adotadas pelos Estados Unidos contra países como a Venezuela e a Rússia.
Por várias vezes, em sua rede social, Trump destacou seus motivos para querer punir o governo brasileiro. Por exemplo, ele não ficou nada satisfeito que, no BRICS, Lula assumiu o papel de maior defensor da desdolarização no comércio e nas finanças internacionais. China, Índia e Rússia, que talvez tivessem até mais motivo para defender o fim do dólar como moeda de reserva mantiveram-se reservadas sobre o assunto.
Com relação ao ambiente de negócios brasileiro, as empresas americanas, sobretudo as Big Tech, reclamaram de insegurança jurídica e da ameaça de regulamentação prejudicial às suas operações. Trump ouviu essas reclamações de Zuckerberg e do próprio Elon Musk, quando ainda eram próximos. Do ponto de vista pessoal, Trump queixa-se do tratamento judicial dado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, amigo e aliado, tratamento que ele considera semelhante ao que ele próprio sofreu nos Estados Unidos, antes de se eleger para o segundo mandato.
Pressões internas
Contudo, essas motivações atrofiaram-se quando comparadas ao peso das pressões internas contrárias ao tarifaço brasileiro monitoradas pelo governo federal americano. E, certamente foram essas pressões que determinaram a decisão de Trump de fazer um recuo estratégico no aumento de tarifas aplicadas ao Brasil.
O tarifaço excessivo não atingiria apenas as empresas exportadoras brasileiras. Empresas importadoras americanas e consumidores também seriam afetados adversamente com a medida. E os empresários americanos não perderam tempo para dar vazão as suas inquietações. Alguns, inclusive, chegaram a processar a Administração Trump na justiça por conta do tarifaço contra o Brasil.
Foi o caso da Johana Foods, sediada no estado de Nova Jersey. A empresa entrou com um processo contra o tarifaço anunciado por Trump em desfavor do Brasil na Corte Internacional de Comércio, em Nova Iorque. Johana Foods é fornecedora de quase 75% do suco de laranja (não concentrado) comercializado nos Estados Unidos. Com o suco de laranja importado do Brasil, Johanna Foods abastece as principais redes de supermercados do país, incluindo Aldi, Walmart, Wegmans, Safeway e Albertsons. Para a empresa, a tarifa de 50% sobre o suco de laranja inviabilizaria sua operação com um custo adicional de 68 milhões de dólares e causaria um aumento de 25% no preço do produto para o consumidor.
Pressão também foi feita diretamente ao Secretário do Comércio americano, Howard Lutnik, pela Câmara de Comércio dos Estados Unidos. John Murphy, vice-presidente da organização enfatizou, sobretudo, os impactos negativos que o tarifaço causaria a mais de 6.500 pequenas empresas americanas que vivem do comércio de produtos importados do Brasil.
Tudo indica que foi a pressão dos próprios empresários americanos que levou os assessores de Trump a aconselhar uma maneirada na pancada previamente anunciada. Pelo menos para aqueles setores que mais seriam afetados pelo aumento na tarifa.
Com bem frisa Aaron Miller, da Carnegie Endownment for International Peace, não há como tomar decisões de política externa sem levar em consideração seus impactos no contexto nacional. E essa máxima vale também para questões de comércio e valeu para o recuo relativo ao tarifaço.
Pragmatismo
No final, o pragmatismo falou mais alto. Não só Trump recuou com relação a quase 700 produtos brasileiros, incluindo o suco de laranja, mas acabou abrindo a porta para a negociação.
Com a decisão, Trump colocou de lado a diplomacia do porrete para trazer de volta a diplomacia transacional. Tem-se aqui, pois, a oportunidade para o Brasil dar a volta por cima.
Esperemos que os negociadores brasileiros não negligenciem a importância da pressão interna, exercida sobretudo por grupos de pressão, no processo decisório do Poder Executivo nos Estados Unidos. Queiram ou não queiram, a pressão interna é parte essencial da tal diplomacia transacional que Trump tanto aprecia.
*Ricardo Rodrigues é jornalista e cientista político. Ele escreve sobre política internacional para O Poder.