
Porto - A praia que falou com o passado - O canto das galinhas livres por Zé da Flauta*
06/08/2025 -
Toda dor tem seu tempo de cura, mas Porto de Galinhas foi além, transformou sua cicatriz em postal. Antigo esconderijo de horrores disfarçados de comércio, aquele porto, que já foi prisão disfarçada de chegada, onde se dizia em sussurros “tem galinha nova no porto”, hoje abre os braços e as águas cristalinas para receber o mundo com sorriso de coqueiro. Era tão bom se o tempo tivesse memória... talvez chorasse ao ver o mesmo chão, onde homens acorrentados desciam de navios, agora marcado por chinelos felizes e passos de crianças correndo na areia.

Ressignificação
O mar, testemunha silenciosa de tudo, não julga nem esquece, apenas balança. Nas noites estreladas, talvez ele conte histórias antigas às ondas, e estas, por sua vez, se deitem nos arrecifes como quem escuta um avô falar. Porto de Galinhas é uma aula viva de ressignificação, ali onde houve medo, hoje há mergulho. Onde houve silêncio e código, há música e feira de artesanato. Quem visita aquele chão leva um pouco de sal nos olhos e outro tanto no coração, sem saber que está pisando onde o Brasil foi mais Brasil do que devia.
Símbolos
Mas não se engane, turista desavisado, as galinhas de madeira espalhadas pelo vilarejo não são só enfeite, são símbolos. Sentinelas disfarçadas de souvenires. Elas lembram, em seu colorido exagerado, que o passado não se apaga com tinta, mas pode ser abraçado com dignidade. E que liberdade mesmo é poder sorrir de frente pro mar sem esquecer quem morreu de costas pra ele. Cada pôr do sol por ali é um pedido de desculpas coletivo, e um brinde à vida que resiste.

Lágrimas e sal
Porto de Galinhas não é apenas um destino, é uma metáfora. Um lembrete de que o Brasil pode sim ser belo, mesmo que sua beleza carregue lágrimas antigas misturadas ao sal. Lá, o tempo não cura, ele conversa. Ele canta. Ele dança no batuque dos jangadeiros. E se você deitar na areia e fechar os olhos, talvez ouça uma galinha d'angola batendo asas invisíveis no céu, não como escrava escondida, mas como símbolo de um povo que, um dia, aprendeu a voar.
Até a próxima!
*Zé da Flauta é músico, compositor e escritor.
