
É Findi - Fragmentos da Paternidade, por Maria Inês Machado*
09/08/2025 -
A narração sobre a paternidade é ampla. Não cabe numa única história. Envolve caminhos diversificados, multiplicidade de enfoques afetivos, sociais e psicológicos. Experiências de luto, presença, ausências, negação. Cada família com as suas vivências. Alguns pais parecem ter descoberto a Universidade do Amor. A graduação nessa área marca suas vidas. Alguns extrapolam o senso comum: defendem, com louvor, dissertações e teses no campo dos sentimentos. O tema central permanece claro: amor aos filhos, à família.
Outros caminham a passos lentos, cada um a seu tempo. Maturidade emocional não é tempestiva; é um processo que exige aprendizado.
Seguem alguns registros do senhor J.C.:
Nobre senhor, sabia conquistar espaço nas leis da vida. Trabalhava com afinco. Compreendia os deveres da paternidade. Era um guerreiro, sem armas letais. As armas eram a coragem, a determinação e a responsabilidade diante da vida.
A família era numerosa, nos moldes da época. Arregaçava as mangas e seguia para o trabalho. Sol ou chuva não eram obstáculos.
Ambos representavam ciclos naturais da vida. A batalha era constante. Iniciara na agricultura. Mais tarde, assumira a função de auditor fiscal.
Católico convicto, conduzia os filhos às missas de domingo, ao lado da esposa, mãe de seus filhos. Na véspera de Natal, a ida à Missa do Galo era tradição. Acomodava filhos e filhas no jeep. Depois, na Rural Willys, partiam para visitar avós e tios.
Os deslocamentos aos domingos até a cidade natal compunham o roteiro familiar. Passavam os domingos no pequeno sítio. Faziam passeios às praias mais distantes. Participavam das festas nos clubes dos quais eram sócios. No carnaval, saíam em carro aberto pelas ruas e, à noite, seguiam para os salões. No final do ano, após a oração em família, dirigiam-se ao clube.
Acompanhar os fogos e as buzinas dos navios na orla marítima também era opção.
Ficara viúvo aos 45 anos. Encontrara alegria nos recursos disponíveis da época. Vivera intensamente. Era um homem de seu tempo.
A serenidade era sua marca. Sabia responder aos dilemas da vida com parcimônia. Ninguém podia afirmar quanto de amargura escondia no coração. Era homem de poucas palavras. Os filhos ainda estavam entre a infância e a adolescência. Diante da viuvez, propusera que os mais velhos auxiliassem os menores. A ajuda era limitada, mas necessária.
Mais tarde, houve novo consórcio. Sobre o segundo casamento, pouco se sabia. A distância geográfica entre as famílias impedia registros.
A vida daquele homem, no que se conhecia, resumia-se em duas palavras: responsabilidade e afeto. Cada homem, no exercício da paternidade, guarda a própria história. E ali estava a dele, marcada por nobreza. Alguém que soubera transformar a missão da paternidade em prática viva, com afeto e compromisso.
Aos 93 anos, deixou o corpo físico. Foi para o céu? Não sei. O paraíso não é um espaço geográfico; é condição da vida física.
Cada pessoa constrói o seu céu ou inferno.
A ação paterna se entrelaça entre tantos. O amor é fonte inesgotável. Independentemente da condição social, econômica ou qualquer outra, não deve ser usado com moderação.
Parabéns aos pais.
*Maria Inês Machado é psicóloga, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e Intervenção Psicossocial a família. Gosta de escrever contos que retratam os recortes da vida. Autora do livro infantojuvenil A Cidade das Flores.