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Cultura, Sobre a Diversidade de um conceito – 30 – Pandemia e Cultura 11/08/2025 Por Luis Arraes

11/08/2025 -

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Há uma idéia, no fundo do ar, que durante períodos difíceis ou grandes tragédias, a cultura floresce. Aliás, é bem conhecida a frase dita por Orson Welles no filme “O terceiro homem”,baseado no livro de Graham Greene: “Na Itália, por trinta anos sob os Borgia,les tiveram guerra,terror,assassinato e derramamento de sangue, mas produziram Michelangelo,Leonardo da Vinci e a Renascença.

Na Suíça eles tiveram amor fraternal,quinhentos anos de democracia e paz e o que eles produziram?O relógio Cuco”. São muitos os que ecoam esta idéia: era o fim de uma época e como costuma acontecer em todas as decadências colossais, “a agonia do império Austro-Húngaro veio acompanhada de uma efervescência intelectual e artística” diz Rosa Montero.

Era o “fin--de-siècle”. Em documento recente da UNESCO recente vários países viram na pandemia uma oportunidade de renascimento da criação artística e um aumento de sua difusão.


Algo inédito nos tempos modernos

A pandemia que estamos a enfrentar é algo inédito nos tempos modernos, com seu rastro de dor,desofrimento,de medo.Muito tem-se escrito sobre a pandemia e uma das idéias recorrentes é de que a humanidade vai sair disso tudo mais humana,menos consumista. Não acredito numa só palavra disso!

Os insumos para tratamento, diagnóstico e prevenção da doença tiveram seus preços alçados às alturas. Muita gente ganhou e continua ganhando fortunas com o vírus que apareceu na vida de todos. Como acreditar, então, que a humanidade vai mudar para melhor? O que poderia nos tornar melhores não é a pandemia, mas a cultura, o bem estar que ela nos tráz,a resiliência com a qual nos acalenta.

É sempre bom diferenciar cultura e indústria cultural,entretenimento.Caetano Veloso diz sempre que ele não produz cultura, mas que faz parte da indústria cultural.Tampouco concordo: com a sua arte ele nos ilumina,acende pontos obscuros em nossas mentes.A indústria cultural,o turismo cultural,todas as atividades de massa ligadas à cultura foram duramente atingidas desde que o vírus passou a circular,infectar,adoecer e matar pessoas.

“A arte e a cultura nos fazem bem, a escapada no imaginário e a sensibilidade que elas nos trazem permitem, a muitos de nó, manter o norte nesses tempos difíceis”, nos dizem Hervé Gray e Marie Claude Lacauche. Essa já seria uma razão mais do que suficiente para os produtores de arte e cultura merecerem todo o apoio dos poderes públicos e dos mecenas privados (o humorista José Simão que a pandemia é como uma série do streaming: “quando a gente pensa que ela está acabando,aparece uma nova temporada”).


Não sabemos quando tudo voltará ao normal, mas os especialistas já prevêem uma onda de problemas ligados à saúde mental. Lançaram esta preocupação num documento internacional com grande ênfase e particular preocupação com a juventude, temendo, inclusive, uma epidemia de suicídio nesta faixa etária. Mas diante do vazio, da falta de esperança, do desamparo nos quais muitos se depararam com esta pandemia,a cultura nos parece um remédio perfeito.“A cultura saberá nos salvar”, pode se ler no documento,já citado, da Unesco.

Algo importante a assinalar é que o nome do Brasil não aparece neste documento! Sabemos, infelizmente, a razão.

Segundo vários estudos as pessoas com vida interior, seja espiritual, artística ou intelectual suportam melhor a solidão, o isolamento, o medo, o vazio provocado pela pandemia.

Os criadores sejam artistas, sejam pensadores, esses com suas atividades saem-se ainda melhor, às vezes por completo. A cultura e mais ainda o fazer cultural dá um sentido à vida à existência; funcionando melhor do que um potente antidepressivo.


“Qual a cura para a doença da alma? Muito antes das drogas antidepressivas e pouco antes do advento da psicanálise, Nietzsche via na arte uma possível salvação”, nos lembra a escritora Tatiana Salem Levy. Dostoievsky dizia “Só o belo nos salva”.


Nascemos sem uma vida pronta, imperfeita,nem andar podemos,nem nos alimentar somos capazes.Com o tempo surgem os vazios existenciais a serem preenchidos pelas amizades, pelos amores mas também pelo trabalho reconhecido, pela criação, pela arte, pela beleza, para resumir como Dostoievsky,o grande mago russo.


É muito conhecida a frase de Sartre: “A existência precede a essência”. Temos que nos fazer, temos que ser para que a vida não seja apenas um sopro, uma distração, uma
brincadeira.

Sabemos que a vida tem um fim mas o fim de uma “brincadeira” não tem sentido.O fim de uma vida verdadeiramente vivida, de uma existência,tem sentido. Mas apandemia parece nos unir a todos num destino comum, parece nos igualar.

Nada mais enganador: ela nos separa,nos isola,revela nossas diferenças, aumenta as desigualdades já existentes.

A pandemia tem a cara do Brasil: os mais pobres a vivem como um peso ainda maior!
Sem livros, sem filmes, sem peças de teatro;apenas celulares como abertura,se assim podemos chamar, para o mundo (esses pequenos objetos que longe de libertar aprisionam seus usuários): não há conversa,não há trocas,não há reflexão;apenas lugares comuns e armadilhas numéricas.O tempo de uso dessas pequenas máquinas que cabem numa mão aumentou de maneira assustadora. E os novos donos do mundo, os novos bilionários da tecnologia só lucraram elucraram de maneira vergonhosa.

Seria injusto não destacar o importante papel de Bill Gates em grandes projetos de saúde pública, sobretudo nos países mais pobres.

O restante é só gargalhadas nas telas das bolsas de valores. Se olhassem outra tela, talvez a de junto, veriam assustados ou não o número de mortes que ocorreram no mesmo tempo em que ficaram 1 bilhão de dólares mais ricos.

Só o amor, só a beleza salvam. Mia Couto costuma dizer que o surgimento de um bilionário significa o surgimento de milhares de pobres e miseráveis.

Os economistas o confirmam. A economia, por falar nela, e como já mencionamos,foi duramente atingida pela pandemia. A economia movida pela cultura, pela indústria cultural, pelo turismo cultural sofreu como poucos outros setores.

Sofreram também os consumidores-difícil fugir a esta palavra-decultura, os amantes das artes e do pensamento.


É claro que a tecnologia tentou suprir este vazio. São incontáveis os encontros artísticos, culturais, filosóficos, científicos e outros que foram realizados por meio das novas tecnologias de comunicação.

O Brasil enfrentou a pandemia num momento particularmente triste de sua história. Ela foi vista pelo poder central, chefiado por um presidente desalmado e idiota,como algo sem importância.Foi vista fora das lentes da ciência e da racionalidade.

O resultado foi catastrófico, como podemos ver.Milhares de mortos,a fome e a miséria voltaram. Tudo isso poderia ser evitado ou minimizado mas a errática condução da pandemia em nosso país nos obrigou a ser testemunhas de uma verdadeira tragédia nacional.

Por outro lado, assistimos,por parte do governo federal, a um desmonte das estruturas culturais(instituições, museus,teatros,cinemas) e a um abandono completo dos produtores de cultura,sem verbas sequer para seus próprios sustentos.


Quando tudo terminar, teremos um imenso trabalho de reconstrução pela frente. Um dos mais urgentes é salvar a cultura para que ela cure as feridas do corpo e da alma surgidas durante este período em que o medo reinou.Por enquanto resta-nos ficar em casa com um bom livro nas mãos ou cuidar do jardim,como nos aconselhou Voltaire há muito tempo.

Luis Arraes é Médico e Professor da UFPE

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