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Cultura, Sobre a Diversidade de um conceito – 31 – Cultura e Educação do Campo 12/08/2025 Por Irenilda de Souza Lima

12/08/2025 -

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Ao longo de muitos anos de atividade docente na área de formação de professores, no rol dos conteúdos que utilizo,está presente o assunto “educação contextualizada”.

A importância desse conteúdo foi confirmada ao lero seguinte provérbio africano: é preciso uma aldeia inteira para se educar uma criança, e reforçando essa percepção, surgiu-me o livro,“Na Vida Dez, na Escola Zero”, de Schiliemann, Carraher e Carraher (1993), ambas me remeteram à importância da relação da escola com o sujeito, e com o lugar de sua inserção, seu cotidiano, bem como de sua vida em sociedade.

Ligando esses pensamentos às ideias da “educação contextualizada”,encontraríamos recursos e estratégias didáticas nas vivências escolares engajadas ao seu meio social.

Situando a escola como instância educativa, evidenciamos que não é este o único lugar onde a educação ocorre, mesmo por que: “Da família à comunidade, a educação existe difusa em todos os mundos sociais, entre as incontáveis práticas do mistério do aprender; primeiro, sem classes de alunos, sem livros e sem professores especialistas; mas adiante com escolas, salas, professores e métodos pedagógicos” (BRANDÃO, 2001, p.10).

Situações didático-pedagógicas

Portanto, há situações didático-pedagógicas espalhadas pelo cotidiano, na vida concreta que devem ser consideradas para os saberes significativos, que extrapolam o simples cumprimento dos conteúdos programáticos e avançam como saberes de importância para a vida em sociedade,independente de estarem em contextos tanto rurais como urbanos.


Sobre cultura, com toda carga polissêmica da palavra, destacamos as referências ao mundo cultural feito por Aranha e Martins (2009, p.49),de que o mundo cultural: “é um sistema de significados já estabelecidos por outros, de modo que, ao nascer, a criança encontra no um mundo de valores já dados.

A língua que aprende, a maneira de se alimentar, o jeito de se sentar, andar, correr, brincar, o tom de voz nas conversas, as relações familiares; tudo, enfim se acha codificado. Até na emoção, que nos parece uma manifestação tão espontânea, ficamos à mercê de regras que educam a nossa expressão desde a infância”

No âmbito das abordagens pedagógicas cognitivistas, há como princípio levar em conta os conhecimentos prévios dos estudantes, suas vivências, a cultura local, o entorno daescola e outros elementos peculiares do público escolar, e a aprendizagem é concebida como uma construção. Foi possível associar esses princípios ao que Nélio Bizzo (2009) indicou como “construtivismo contextual”, que concebe construção de conhecimentos, como empreendimento social e histórico, entendendo a aprendizagem, a própria inteligência, como intimamente associada à esfera social.

Cultura e Educação do Campo Considero que todas as sociedades identificam num bom sistema educativo um importante fator para a construção de um país. No Brasil não é diferente, mas em se tratando do meio rural brasileiro, tem havido, ao que nos parece, uma inadequação no modelo vigente de educação.

Consequentemente, a escola que predomina no campo não está proporcionando o desenvolvimento de competências, nem para o perímetro urbano nem para o mundo da cultura dos que vivem no meio rural. Para Lima (2016), ao considerarmos asdiversidades da cultura camponesa, conceito histórico e político, o modelo educativo que predomina nesse meio,no território brasileiro, não fortalece a cultura.

Pelo contrário, parece muitas vezes reforçar o êxodo rural, por trazer em seus conteúdos e metodologias adotadas e adequadas, quase exclusivamente, o mundo urbano.

Luta permanente por melhores condições de vida

No segmento da agricultura familiar há uma luta permanente por melhores condições de vida, e a educação é relacionada às propostas de melhores condições de vida para seus filhos e filhas. Uma escola que valorize a cultura camponesa e esteja situada no meio rural, vem sendo conquistada paulatinamente, na articulação de vários segmentos da sociedade brasileira.

São reivindicações de um conjunto de movimentos sociais, como o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais, Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimentos Indígenas, Comissão Pastoral da Terra, Escolas-Família Agrícolas, Sindicatos, Associações de Agricultores e outros movimentos sociais, e ONGs têm participado das lutas pelo fortalecimento dos ideários da Educação do Campo.

A Educação do Campo é nomeada dessa forma a partir da realidade que a produziu no âmbito da questão agrária no Brasil (CALDART,2012). Tem como protagonistas os agricultores e agricultoras familiares, segmento produtivo cujas principais características estão no fato de que os trabalhos nela desenvolvidos são realizados com a participação dos membros de cada família.

Nesta esfera, ocorre a diversificação produtiva, pluriatividade e multifuncionalidade das atividades que são pensadas no contexto da cultura campesina, isto é, a partir de suas práticas sociais, da lógica econômica peculiar, importância para a segurança alimentar e nutricional, e, assim, contribuem para o desenvolvimento brasileiro.


A noção de Educação do Campo está sendo construída e marcada pela necessidade de delimitação de seu território teórico, incluindo a defesa do direito que uma população tem de pensar o mundo a partir do seu local, da sua cultura, da terra em que pisa e de sua realidade histórica (FERNANDES, 2004; CALDART, 2012; MOLINA, 2004).

Movimento de intelectuais brasileiro

E nessa direção, há um movimento de intelectuais brasileiros que dão respaldo à Educação do Campo como área de conhecimento,e a arte de construir este conceito foi bem traduzida por Fernandes (2004, p 97), ao dizer que a Educação do Campo é um conceito cunhado com a preocupação de se delimitar um território teórico e defender o direito que uma população tem de pensar o mundo a partir do local, dos modos de ser e estar na terra em que pisa e de sua realidade.


A escola do campo é uma instituição fundamental na trajetória das crianças, jovens e adultos, sujeitos da aprendizagem e das comunidades rurais. Há intenção de que os sujeitos envolvidos sejam assim considerados, tendo em vista o saber que já trazem subjacentes às suas práticas culturais e produtivas, numa abordagem de diálogo entre saberes.

Na busca de uma educação apropriada para a agricultura familiar,principalmente nas escolas do Movimento dos Sem Terra – MST, utilizaram nas escolas dos acampamentos e assentamentos, uma pedagogia que foi muito conhecida como pedagogia da terra, e essa pedagogia teve inspiração na pedagogia da alternância, da Maison FamilialeRurale – MFR da França (MFR, 1992; MASSIP, 2004).


Pedagogia da Alternância

A Pedagogia da Alternância, vivenciada pela Maison Familiale Rurale na França, e em outros países, é considerada uma pedagogia associativa do mundo agrícola e rural.

Tem sido vivenciada, possibilitando aos estudantes que aprendam a partir da ideia de que os conhecimentos não são adquiridos apenas tendo o professor como fonte de conhecimento, e sim, que há conhecimentos que somente são adquiridos em situações de trabalho na prática da agricultura familiar, na cultura camponesa, em alternância temporal com o tempo na escola. É uma pedagogia com interesse no concreto e na vida cotidiana (LIMA, 2016).


Assim, consideramos estudantes e professores como sujeitos cognoscentes, mediatizados por seus mundos, conforme preceitua Paulo Freire (1983). O perfil destes educadores, como mediadores, está desenhado como sendo daqueles que compreendem que devem considerar em suas práticas a natureza, e a cultura na diversidade de públicos da agricultura familiar.

Devem levar em conta vários elementos, como, por exemplo, a paisagem local, a economia peculiar, histórias pela posse e pelo uso da terra, reforma agrária, convivência com as adversidades de clima e de tempo, relações sociais, poesia popular, mitos, aspectos da espiritualidade, histórias que circulam,cancioneiro popular, etc.

Devem coordenar as vivências dos estudantes quanto ao tempo de aprendizagem na articulação do tempo comunidade, no campo e o tempo da escola.


Alguns desafios estão postos para os que lutam pelo fortalecimento da Educação do Campo. Além da conquista de políticas públicas para fortalecer esse projeto educativo, há os desafios para a formação docente. Fica evidente que o projeto formativo requerido paradocentes e equipe técnica, não pode ser reduzido a uma mera capacitação técnica.

Desta forma, inspirando-nos em Freire (1983), ao propor um projeto formativo, não reduzido apenas ao trabalho meramente intelectual ou técnico, mas que incorpore uma práxis verdadeira, a qual demande a ação constante sobre a realidade e a reflexão sobre esta ação.


Como apontado por EdlaSoares (2001), a Educação do Campo é tratada como educação rural na legislação brasileira e tem um significado que incorpora os espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura, mas os ultrapassam ao acolher em si os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos, quilombolas, indígenas e extrativistas.


Campo, não homogêneo


O campo, não homogêneo, neste sentido, mais do que um perímetro não urbano, é um campo de possibilidades e culturas diversas que dinamizam a ligação dos seres humanos com a própria produção das condições da existência social.

Consideramos quea relação da cultura com a educação, se concretiza a partir da escolacomo instância formal, que pode promover o fortalecimento da cultura, mas também negá-la ou ignorá-la.

No caso da Educação do Campo, a escola do campo, situada no meio rural,tem função social e desenvolve o diálogo dos conteúdos escolares com a cultura local de forma abrangente e torna-se orgânica ao seu meio.

A partir de sua prática formativa, utiliza a Pedagogia da Alternância que tem como princípio a promoção do saber escolar na perspectiva emancipatória que repercute na formação para a vida na agricultura familiar e para a cidadania.

Assim, esse projeto educativo pode fortalecer a cultura camponesa, o meio rural e este segmento tão importante para a sociedade brasileira, que são os agricultores familiares.

Referências

ARANHA, Mª Lúcia A. & MARTINS, Mª Helena P. Filosofando: Introdução à
Filosofia. 4ªed. Ed Moderna, São Paulo. 2009.
BIZZO, Nélio. Mais Ciência no Ensino Fundamental: metodologia de ensino em
foco. São Paulo. Editora do Brasil. 2009.
BRANDÃO, Carlos R.. O que é Educação? 40ª reimpr. São Paulo. Brasiliense, 2001.
CALDART, Roseli S.; PEREIRA, Isabel B,; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTTO,
Gaudêncio. (Orgs). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo:
Escola Politécnica de Saúde JoaquimVenâncio,Expressão Popular. 2012.

FERNANDES, Bernardo M. Diretrizes de uma caminhada. In ARROYO, Miguel
G;.CALDART, Roseli S.; MOLINA, Mônica C; (Orgs). Por uma Educação do Campo.
Petrópolis, Vozes, 2004.

FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação. Rio de Janeiro. Ed. Paz e Terra, 1983.
LIMA, Irenilda de S. Universidade, Formaçãocontinuada de professores e os desafios
da Educação do Campo. In COSTA, Mª A. T. Salvador (org).. Educação do Campo:
reflexões sobre a formação docente. Coleção Renaform UFRPE: Da Formação à
Transformação. Recife. MXM gráfica & editora. 2016.

MASSIP, Christophe. Pratiques Réflexives et Formation de Formateurs em Alternance.
Paris. L`Harmattan.2004.
MFR – OutilsPedagogiques. A L`ùsagedes Maisons Familiales Rurales. Paris. 1992.

MOLINA, Mônica et alli (org). A Educação na Reforma Agrária em Perspectiva: uma
avaliação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. Ação
Educativa.Brasília: PRONERA, 2004.

CARRAHER Terezinha N.; CARRAHER, David. SCHILIEMANN, Ana Lúcia. Na
Vida Dez, na Escola Zero. 7ª Ed. São Paulo: Cortez. 1993.

SOARES, Edla L. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do
Campo. In PERNAMBUCO, Conselho Estadual de Educação Parecer nº 36/2001, de
04/12/2001.

Irenilda de Souza Lima é Professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco

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