
A Fantasia da Promessa de Exportação Fácil: Manual Prático da Enrolação Rural - Crônica, por Emanuel Silva*
13/08/2025 -
No Brasil, autoridades brincam com fogo e parece não aprender nunca. Em momentos de dificuldade, teimam em ver facilidade… Ou não seria enrolação? No caso do comércio exterior dia sim e outro também as excelências e sua trupe vem prometendo mercados e compradores como se estivessem trocando figurinhas:
— “Tira esse comprador da América e bota um da Ásia, pronto!”
A naturalidade é tamanha que parece conversa de mesa de bar, depois da décima dose. Mas o efeito, para o produtor, tende a ser devastador.
Vamos falar a verdade, embora doa, e muito: Exportar, na vida real, não é como pedir um Uber e mudar o destino no meio do trajeto. Vamos desenhar caros burocratas, políticos e comentaristas: Exportar envolve contrato fechado, câmbio acertado, certificações emitidas, inspeções minuciosas, transporte interno organizado, espaço garantido no contêiner, embarque sem atraso e desembarque sem complicações — tudo isso com a fruta ainda no ponto, firme e bonita. Qualquer deslize e o produto, antes premium, vira ração ou descarte.
O relógio da roça
Na cidade, um atraso pode ser resolvido com uma ligação. Na roça, não. A natureza tem um calendário próprio e implacável. Manga, uva ou qualquer fruta têm um tempo exato para serem colhidas — e esse prazo não aceita negociação, reunião emergencial ou e-mail de última hora.
Tentar convencer um pé de manga a segurar a fruta “porque o comprador ainda está decidindo” é como pedir para o sol não se pôr até o contrato estar assinado. Passou do ponto, perde-se. O prazo de pós-colheita é tão curto que, para quem acha que planilha e ar-condicionado controlam maturação, a realidade chega com cheiro de fruta passada.
As promessas de ouro (e cheiro de mofo)
É nesse cenário que aparecem os iluminados do discurso pronto:
— “Calma, guarda aí que eu vou arrumar comprador.”
E começam o espetáculo: falam em “mercados distantes” que o Brasil vai conquistar, garantem que “o contêiner está reservado” e juram que “o embarque é só questão de dias”.
Quando percebem que o papo não cola mais, apresentam o ato final: o “financiamento salvador” — uma linha de crédito que chega para o produtor já cansado, vendida como solução mágica, mas que na prática serve para adiar o prejuízo e aumentar a dívida. E tudo vem embrulhado no bordão mais antigo do campo:
— “Ano que vem vai ser diferente.”
Enquanto isso, o produtor sabe: a promessa vai ser a mesma, só muda o palanque, sendo que ele vai pagar a conta toda.
Moral da história
Antes de soltar promessa, nobre burocrata, político ou comentarista de plantão, faça um estágio rápido: dois dias na roça e três no Ceasa. Talvez no fim dessa experiência, vai entender que fruta não espera boa vontade e que, no campo, quem enrola demais só colhe caroço — e caroço não paga conta. Só engasga.
*Emanuel Silva, é Professor e Cronista
**Os artigos assinados expressam a opinia?o dos seus autores e na?o refletem necessariamente a linha editorial de O Poder.
