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É Findi - A visita - Conto, por Ana Pottes*

16/08/2025 -

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Acordo e o toque do celular me faz sair da cama em ânsias. Cabeça pesada, ressacado, corpo modorrento precisando de banho gelado, olhos sob névoa, veem a mensagem de Lia, avisando que se encontra à caminho. Embora apreensivo, um sorriso me ilumina o rosto marcado pelo tempo. Já dez horas. Dormi demais. E só falta meia hora para a chegada dela. Corro na tentativa de organizar o pequeno apartamento que há cinco dias não vê faxina. Uma pontada me aperta o peito ao ouvir o toque do interfone. Sem tempo para nada, atendo e peço para subir a visita que fora antecipada em uma semana.

Ao toque da campainha, confiro o espaço. Verificando se o quarto esta fechado, passo a mão nos cabelos molhados e abro a porta, mantendo uma expressão de acolhimento. Uma mulher ainda jovem, cabelos curtos, no rosto um óculos redondo, aro tartaruga, a lhe conferir uma expressão analítica, vestida com blusa de colorido discreto, saia preta e tênis branco, estende a mão e me cumprimenta:

- Bom dia sr. Clóvis. Sou Lia, assistente social. Vim conversar sobre o seu pedido.

Corrijo a minha postura, peço para que entre, enquanto tento esconder as meias, que já foram brancas, por trás das samambaias. Convido dona Lia para se acomodar no sofá e a vejo passar a mão sobre minúsculos grãos que estavam sobre o assento, farelos dos salgadinhos da noite anterior. Sentamos e, enquanto minhas antenas perscrutam o ambiente, o pensamento atesta a péssima ideia da farrinha comemorativa.

- Então, sr. Clóvis, podemos começar nossa entrevista preliminar? Ela é importante e tem peso para direcionar o seu pedido.
- Claro, estou ansioso para fechar essa etapa.
- Ótimo. Vi que o entorno é movimentado com uma praça bem arborizada. Costuma caminhar por ali?
- Sim. O movimento é bom e quase sempre acordo cedo para algumas voltas. Hoje a expectativa não me permitiu. Estava a sua espera desde cedinho.
- E mora aqui a quanto tempo?
- Há um ano.

Olhando ao redor, digo:

- Perdoe essa bagunça. A faxineira não pode vir.
- Percebo o quanto é difícil organizar o espaço. É pequeno. Talvez um sofá menor lhe dê mobilidade entre a sala e essa varanda.

Lia se levanta e observa os detalhes.

- Tem falta de água, no prédio?
- Como estava a dizer, esta semana foi de problemas internos no edifício e...
- O que houve por aqui? Você entulhou todas as suas louças na pia! E esse chão? Há manchas de leite grudadas. Pelo visto de muitos dias.

Clovis vê uma pequena barata passear por sobre a geladeira e, fecha os olhos, apavorado.

- Vamos ver o banheiro. Quantos quartos ?
- Dois mas pretendo ...
- Está molhado demais. Neste piso se pode cair e machucar feio. Água sanitária dá um bom efeito nessas manchas dos azulejos e do vaso sanitário, Sr. Clóvis. Bem, vamos ao seu quarto. Pelo menos a porta abre?
- Sim, Dona Lia. Sei o quanto a avaliação está prejudicada por conta desse caos. Mas acredite, sou um cara organizado e gosto de limpeza.

Lia abre a porta do quarto e fecha imediatamente. Se dirige ao sofá, senta, ajeita o óculos e não consegue esconder uma ruga no cenho fechado. Clovis procura se manter sereno enquanto põe a mão sobre o tórax, em uma tentativa de diminuir os batimentos cardíacos.

O receio de ter jogado a sorte pelo ralo o fez sentar diante daquela figura.

- Senhor Clovis, aqui encerro a entrevista. Devo dizer que seu pedido de adoção ficará sob restrições. O senhor deve iniciar o CDHP (curso de desenvolvimento de habilidades paternas) e, após o término marcaremos outra visita. Esse espaço é um risco para um adulto, imagine para uma criança.


*Ana Pottes, psicóloga, gosta de escrever crônicas, contos e poemas sobre as interações emocionais com a vida. Autora do livro de poemas: Nem tudo são flores, mas... elas existem!

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