
Análise – Por que a mídia ficou frustrada com o encontro Trump e Putin e o que se pode concluir dele
16/08/2025 - Por Ricardo Rodrigues*
E o tão esperado encontro entre Donald Trump e Vladimir Putin no Alaska terminou ontem, após três horas de reunião, sem uma decisão concreta e definitiva sobre o conflito na ucrânia. Nem um cessar-fogo, nem uma ampliação de sanções econômicas contra a Rússia foram decididos no evento, para a frustração de muitos, sobretudo na imprensa norte-americana. O desfecho foi considerado chocho pela maioria dos comentaristas que esperavam um resultado de caráter binário. Ou acabava a guerra ou haveria consequências! Talvez por esse motivo, a mídia americana tenha descido o malho em Donald Trump, tachando-o de perdedor, de ter se deixado enrolar pelo Putin. Nem a cobertura da conservadora Fox News foi exceção.
Entretanto, o resultado sem decisões concretas não deveria ter surpreendido a ninguém. Negociações diplomáticas são feitas de idas e vindas. Nem tudo que é negociado é preto no branco, havendo muitos tons de cinza para complicar o processo decisório. A negociação pela paz na guerra na Ucrânia não iria fugir a essa regra.
Sem cessar-fogo
As expectativas de muitos comentaristas por um cessar-fogo incondicional eram totalmente infundadas. Estava na cara que o assunto sequer seria tratado na reunião. Não enxergou os indícios quem não quis.
Militares não fizeram parte de nenhuma das duas delegações. Nem Trump nem Putin convidaram os comandantes de seus respectivos exércitos ou assessores militares para participarem da reunião. Nas delegações de cada país havia diplomatas, ministros da área econômica e assessores para assuntos de comércio.
No lado americano, fizeram parte da delegação o Secretário de Estado Marco Rubio, o enviado especial de Trump Steve Witcoff, o Secretário de Comércio Howard Lutnick, o Secretário do Tesouro Scott Bessent e o diretor da CIA John Ratcliffe. Por sua vez, a delegação russa foi composta pelo Ministro das Relações Exteriores Sergei Lavrov, o assessor especial para assuntos econômicos Kirill Dimitriev, o assessor de política externa Yuri Ushakov, o Ministro de Finanças Anton Siluanov, e o Ministro da Defesa Andrei Belousof. Cabe salientar que o Ministro da Defesa russo é economista, sem experiência militar.
Ora, não faria sentido algum para Trump e Putin negociarem temas de cunho militar, como um cessar-fogo, sem levarem a tiracolo seus conselheiros militares para avaliar os detalhes das opções cogitadas. Se tais assessores não foram incluídos nas delegações é porque Trump e Putin haviam descartado o assunto da pauta do encontro antecipadamente.
O mais provável é que a pauta da reunião girasse em torno de incentivos econômicos que pudessem levar ao fim do conflito o mais rápido possível.
E as novas sanções?
Não foi apenas Putin quem saiu ganhando com o adiamento do que Trump chamou de “medidas severas” contra a Rússia. O próprio Donald Trump mostrou-se pouco confiante na eficácia de tais sanções quando, em coletivas sobre o assunto, disse não ter certeza de que funcionariam. Para Trump, o ideal seria não ter que sofrer qualquer desgaste com a aplicação ineficaz de mais sanções.
A decisão tomada por Trump para antecipar o ultimatum de 50 dias que havia dado a Putin para encerrar a guerra deu-se por pressão de aliados estrangeiros e nacionais. Os aliados europeus da OTAN, inclusive, atenderam às críticas de Trump à organização, aumentando para 5% do PIB a contribuição de cada país membro. Já em Washington, senadores republicanos ligados ao complexo industrial militar americano, como Lindsey Graham e Max Blumenthal, apresentaram proposição no Congresso para impor tarifas e sanções secundárias a países que comercializassem com a Rússia. Tais iniciativas minaram a legitimidade de Trump para buscar uma saída isolacionista, mais alinhada com o movimento MAGA. Isso, pelo menos, até ontem.
Ausência de resultados concretos
Sem resultados concretos, a reunião de cúpula no Alaska pode ter dado a Trump a oportunidade que precisava para voltar a se alinhar aos princípios do MAGA no seu tratamento ao conflito na Ucrânia. Cabe lembrar que lideranças do movimento, a exemplo de Steve Bannon, vinham se queixando do distanciamento de Trump de suas promessas de campanha relativas à questão ucraniana. Para Bannon, a “guerra de Biden” estava se tornando, cada vez mais, a guerra de Trump.
Em entrevista ao canal Fox News, o Senador Lindsey Graham elogiou Trump e considerou os resultados da reunião no Alaska muito positivos. Graham ficou particularmente satisfeito com a demonstração de poderio bélico norte-americano feita por Trump com o sobrevoo de um bombardeiro B2 e quatro jatos F35 no momento da chegada de Putin. Para o senador americano, o maior feito de Trump no encontro foi convencer Putin a se encontrar com Zelensky, algo que, até aqui, Putin havia rejeitado categoricamente.
Compromisso com Zelensky
Acostumados ao “bocão” de Donald Trump, os repórteres presentes à coletiva ao final da reunião não podiam esconder sua decepção com a reticência do presidente americano em detalhar o teor da reunião que teve com a delegação russa. De fato, foi bem incomum para Trump. Nem na entrevista exclusiva concedida à Fox News posteriormente Trump viria a revelar os detalhes do que foi acordado no encontro.
Tinha uma desculpa para o silêncio. Estava cumprindo fielmente o compromisso assumido com Zelensky e com os líderes europeus de não decidir nada sem a participação da Ucrânia. Como ele reiterou para os jornalistas no Alaska, somente iria divulgar os detalhes da reunião depois de conversar com Zelensky e os aliados europeus.
O compromisso com Zelensky e os europeus deu a Trump aquilo que aparentemente mais desejava, tempo. Nada será decidido pelos Estados Unidos até a próxima rodada de negociações pela paz na Ucrânia, dessa feita com a participação de Volodymyr Zelensky.
Nesse processo, os Estados Unidos tendem a sair bem na fita, seja qual for o resultado das negociações. Se for um cessar-fogo, a intermediação de Trump terá contribuído decisivamente, ao viabilizar o encontro de Putin e Zelensky. Se não houver acordo, a culpa não será de Trump. E ele terá a oportunidade de trilhar o caminho de volta aos braços do movimento MAGA
*Ricardo Rodrigues é jornalista e cientista político. Ele escreve sobre política internacional para O Poder.