
Loucura e poder, por Natanael Sarmento* 22/08/2025
22/08/2025 -
Quem é doido?
As ações desproporcionais do Presidente dos EUA creditam à insanidade. Mas, doido rasga dinheiro e corre atrás do trem. Donald Trump não faz uma coisa, nem outra. Tempo houve se simulava loucura para escapar ao serviço militar na guerra. Na era dos impérios capitalistas declaram guerras para obtenção de lucros.
Gatilho
Os estímulos de qualquer natureza - endógenos ou exógenos - que desencadeiam surtos psicóticos são gatilhos para os discípulos do Dr. Freud.
O gatilho destas notas sobre a loucura foi a postagem do Mario poeta sobre a aula de Nietzsche. O amigo poeta relembra que foi aluno meu no Colégio Radier, em 2016. Da lição do bigodudo, traz-nos a questão da normalidade enquanto controlo/pressão social.
Individual e coletivo
O fazer ou não fazer, individual e coletivo anômalos considerados loucura individualmente, todavia assimilados pelas coletividades, são normatizados. O popular, nadar contra a correnteza é coisa de doido. É simples quanto aparenta?
A descoberta da roda
Ideias preexistentes nas calendas gregas recebem pinceladas e se apresentam como a descoberta da pedra filosofal. Dos gênios inventores da roda. Nos anos de sacrifício à ciência na academia, entre outros, Michel Foucault era leitura obrigatória. “Vigiados e punidos” engolimos sua microfísica do poder.
Aprisionamento
A tese do aprisionamento de sistemas sutis de controle social que normalizam atitudes e mentes. Não ler Foucault mais constrangedor que Ariano Suassuna não ter ido à Disneylândia para a socialite.
Novelo de ouro e poder
Na mitologia grega os navegantes argonautas de Jasão buscavam o novelo de ouro dotado de propriedades mágicas e poderosas. O Poder que dá nome ao jornal virtual da era digital do Zé Nivaldo é uma questão mais antiga que os tempos homéricos.
Nau dos loucos
A literatura e a pintura medieval simbolizam a imagética “Nau dos Loucos”. Uma nau vagando sem rumo, tripulada por aflitos e alucinados, perdidos nos mares oceânicos. A força deste simbolismo atravessa os tempos. Inspira roteiros de filmes e livros, em pleno século XX. Vide a “Nau dos Insensatos” da película e o livro de Katherine A. Porter.
Livro
No livro, a insensatez da tripulação sem referências éticas. Estultos se julgam sábios e jovens o máximo em suas bizarras moleques. Um capitão que defende o fuzilamento dos pobres e jovens ridículos, todos imbecilizados. A remada crítica de Porter é pesada.
Tribunal da Inquisição
Nos tempos dos “reis absolutistas pela graça de Deus” do direito divino e natural, o sistema dominante queimava nas fogueiras do Tribunal do Santo Ofício os indesejáveis. Pessoas acusadas de heresias, bruxarias e possessões diabólicas. Desafiar as razões reais e papais, uma insanidade intolerável. O bispo Tomás de Torquemadas com seu fervor católico notabilizou-se no ofício devastador de mandar queimar os “hereges”.
Elogio da loucura
No século XVI, Erasmo de Roterdã, satiriza a intolerância religiosa e política. O clássico Elogio da Loucura deifica Mora – a loucura – como a mais cultuada pelos humanos.
Poderes
A juíza de si mesma. Com poderes e atributos da arrogância e intolerância a peregrinar livremente, mundo afora. A sua enclausura representa o paradoxo da liberdade para impedir a liberdade da tirania e intolerância.
Casa Verde
Felizmente, nosso Bruxo do Cosme Velho, não viveu tempos da Santa Inquisição. Machado de Assis nos eleva ao Olimpo das letras com seu “Alienista”. Com a expertise científica da psiquiatria do Dr. Simão Bacamarte. O alienista Simão Bacamarte não logrou êxito na proliferação de filhos. Presumiu problemas mentais da esposa e a internou na Casa Verde, o hospício.
Engenho e arte
Com engenho e arte aprendidos na Europa aplica os métodos dos altos estudos da natureza humana, na prática. Observa cada habitante da cidade e em todos identifica sintomas de loucura. Internação um após outro, na Casa Verde, até não sobrar senão ele próprio, que coerente com a ciência, se auto interna. Com mofa sutil Machado retoma a questão essencial, a correlação entre “razão” e “poder”.
Somente neste sentido, vale o ditado popular: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Somente, pois sói acontecer de doidos mandarem e mais doidos ainda obedecerem.
Louca da Casa
A escriba Rosa Montero faz com talento incomum as intercessões do real e ficcional. Livro cujo enredo é criatividade literária, a “Louca da Casa”, personificada na imaginação criadora. Dizem que o mote da obra é inspirado na frase da freira Teresa de Jesus: “a imaginação é a louca da casa”. Madre Teresa virou santa.
Existencialismo
São tantos santos e santas, neste mundo. Calhava perguntar: por que prender e queimar loucos e satanizados? Na tradução do existencialismo do “inferno são os outros” do Sartre em Arapiraca se diz que fumo no fornilho do cachimbo dos outros é refresco.
Poesia
Talvez, mais poesia (óbvia paráfrase de Fernando Pessoa) e menos Tribunais e fogueira eu pudesse arrancar o meu juízo e colocá-lo no lugar do teu. E tu arrancares o teu juízo e colocá-lo no lugar do meu... eu te julgaria com o teu juízo e tu, tu me julgavas com o meu.
Prova
Dando por findo – prova inequívoca de loucura – sequer o universo tem fim, encerramos as pobres digressões a ouvir mentalmente, sem música presencial o Ney Matogrosso cantar a “balada do louco: “dizem que sou louco/Por pensar assim/Por eu ser feliz/ Mas louco é quem me diz/ E não é feliz”. Aproveita o dia.
*Natanael Sarmento é professor e escritor. Do Diretório Nacional do Partido Unidade Popular – UP.
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