Sacudi a Memória

O youtuber Felca trouxe à baila a "adultização" de crianças nas redes sociais. Segundo o Google, adultização ocorre, "quando crianças passam a reproduzir comportamentos, assumir padrões estéticos ou consumir conteúdos próprios do universo adulto, de forma precoce". Felca sacudiu o nebuloso e manipulador mundo dos algoritmos. Eu sacudi a memória, uma crônica escrita em 2018, requentada em 2025.

Dancinhas "Inocentes"

Mal o peito começa a despontar, vem a surrada pergunta: e aí, tá namorando, tem namoradinho na escola? Cada vez mais as crianças estão expostas às brutalidades dos adultos. E brutalidade não é só maus-tratos, judiar do filho, brutalidade também é incentivar uma criança a erotizar sua infância, seja com imagens, piadinhas em post, dancinhas "inocentes" nas redes sociais, perguntas inadequadas para idade, insinuações transmitidas pelas telas, pelas bocas dos pais, familiares.

Rebolar ao Som de Duplo Sentido

Cuidar, preservar a criança dentro da criança parece ultrapassado, não combina com os tempos modernos. Mas o youteber destampou a panela podre. É triste ver uma mãe produzir a filha pequena, vesti-la numa saia curta ou decotado vestido, botá-la pra rebolar ao som de duplo sentido, arrodeada de palmas, tudo muito engraçado. Inserindo o menor numa precoce atmosfera erotizante, onde aniquila-se a sagrada inocência, e acende-se a malícia dos adultos.



Trocar Brinquedo pelo Brinco de Grife

Fui convidado para um aniversário de um colega bom nível social. Primos, tias, casais, alegravam a festa. Puxei cadeira, sentei ao lado. Falei pouco, observei muito. Uma tia pergunta para uma sobrinha de dez anos. "Tá namorando"? A mãe toma a frente. É taxativa, "tá nada, essa é devagar quase parando, não puxou a mãe. Risos, mais risos. A menina envergonhada sorri constrangida. Os adultos normalizaram a cena. Criança não deve passar por isso. Criança não pode ter sua natureza atropelada pela adultização, ainda que os responsáveis se achem nas melhores intenções. Nas antigas, uma mocinha de dez anos vestia o robe da mãe, botava o óculos escuro, bagunçava o estojo de maquiagem. Hoje, elas almejam o corpo perfeito, a dieta da celebridade. A unha em gel. Querem trocar o sítio do avô pelo Spa da madame. O brinquedo pelo brinco de grife. Há poucos dias vi na imprensa e nas redes, o uso de chupeta na boca de marmanjos em vários países. Vivemos tempos estranhos: a adultizaçao de crianças, e a infantilização de adultos.


*Romero Falcão, é um cronista que se arrisca a fazer poema torto, autor do livro: Asas das Horas, com prefácio do Prof. José Nivaldo.