
É Findi - O Preconceito Dói. O Amor Cura - Conto, por Maria Inês Machado*
23/08/2025 -
As novidades que chegam à pequena cidade se transformam em momentos de alegria.
Cinema no clube local.
A animação é contagiante. Alegria no ar. Chanchadas do cinema brasileiro. Oscarito e Grande Otelo unem as famílias. Momentos de risadas e descontração.
Marisa se anima. Vai em casa, veste a roupa de domingo e segue ao encontro da prima que vem de férias. A prima mora na cidade grande. Os pais são pródigos nos recursos financeiros. Nas férias do colégio, o casarão dos avós é endereço certo. Desfruta de regalias: as compoteiras com doces no buffet da sala de jantar permanecem abastecidas.
As árvores frutíferas no vasto quintal são convite às conversas animadas, revezadas pelo alimento saudável. O açude local e o rio que corta as terras férteis do avô abrem as comportas da alegria no banho matinal. À noite, as brincadeiras na praça são ingressos para a felicidade: brincadeiras de roda, amarelinha, jogos de queimado, entre outros.
As iguarias nas mercearias locais fogem ao senso comum. Bolos, alfenins, cocadas e outras delícias abastecem o mercado — marcas das doceiras da localidade.
Naquela noite, as portas do cinema estão abertas. Para tanto, uma pequena quantia é suficiente para a compra do ingresso. Na época, os filmes de Oscarito e Grande Otelo fazem sucesso.
Marisa fica empolgada com a notícia. As colegas já foram ao cinema e falam, eufóricas, sobre o filme em cartaz. As crianças podem assistir. Há música, dança e carnaval, situações que encantam adultos e pequenos. As chanchadas são cinema popular, alegre e inclusivo. Toda a família pode assistir.
O aceno da tia à prima é indicativo rasteiro e constrangedor. Aguardam o bilhete de entrada para as duas. Não há. O preconceito econômico é visível. Os pais estavam distantes dos bens materiais. Marisa aos dez anos, desperta para a dura realidade.
A prima lança um olhar desolado. Afinal, é negado à parceira de folguedos o direito aos risos compartilhados.
Marisa sai, vai ao encontro da mãe. Chora, relata a ocorrência.
A mãe enxuga suas lágrimas. Solidária com a filha, procura a irmã e sentencia:
— A infância é semente em desenvolvimento. Cuidado com os adubos venenosos: eles exterminam sonhos.
Situação embaraçosa. O avô, ao saber do ocorrido, manifesta sua reprovação. Ama a neta e precisa corrigir a situação.
— Marisa, amanhã vamos assistir ao filme.
— Vovô, o senhor sabe o quanto gosto da sua companhia.
À noite, os dois somam risos. O contentamento da neta é medicação para a alma dele.
O abraço final parece o selo do amor que rejuvenesce a velhice e, ao mesmo tempo, é enxerto de carinho nas raízes da infância.
O preconceito dói. O amor cura.
*Maria Inês Machado é psicóloga, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e em Intervenção Psicossocial à família. Possui formação em contação de histórias pela FAFIRE e pelo Espaço Zumbaiar. Gosta de escrever contos que retratam os recortes da vida. Autora do livro infantojuvenil 'A Cidade das Flores'.
