imagem noticia

Sobre o que falamos quando falamos de Democracia hoje?

25/08/2025 -

imagem noticia
Por Pedro Arruda*

Em sua obra intitulada “On Democracy”, o cientista político Robert Dahl, um dos principais teóricos da democracia moderna, dedica-se a explicar a essência, o valor e os mecanismos da democracia.
O livro aborda a complexidade da vida moderna, que traz consigo desafios à democracia, como a perda do protagonismo do Legislativo e a ascensão de órgãos não eletivos.
O trabalho de Dahl, que tem sido atualizado para considerar a evolução da democracia, reflete sobre as ameaças que as democracias enfrentam no mundo moderno. O quadro é tão complexo e inovador que dele emerge a presente reflexão: 'O que falamos, quando falamos de democracia?'.

0 tempo e espaço

Desse ponto, surge o principal elemento para a formação de um debate consistente acerca do regime político: entender que as dimensões e contornos da democracia mudam de importância ao longo do tempo. Isso significa dizer que, talvez, não estejamos mais vivendo “como os nossos pais” – parafraseando o grande Belchior.
Podemos comparar, por exemplo, a democracia grega ou “clássica” com a a prática que se observa na contemporaneidade. Ou a “democracia liberal”, com o quadro do momento. Fácil conclusão: não existe uma 'democracia' como valor abstrato absoluto. Existem 'democracias' que se explicitam nos seus contextos históricos.

Dados significativos

São recortes de democracias separados por alguns surgmentos e na dinâmica da quedas de grandes limpérios. No modelo original, na Grécia Antiga, somente 10 a 15% da população ateniense gozava do status de cidadão. Para estar credenciada a isso, a pessoa precisava ser homem, livre, nascido em Atenas. Diversos segmentos sociais, a grande maioria, mulheres, escravos, estrangeiros, viviam à margem desse recorte, sendo afastada de toda e qualquer perspectiva de participação política. Ainda é válido destacar que é um entre diversos exemplos possíveis de uma democracia nos moldes da sua época. O que agrega uma camada adicional de complexidade à nossa reflexão. Em síntese: não falamos de democracia, e sim de “democracias”.
Não somente nas origens, mas durante todo o tempo histórico.
Então chegamos ao momento do debate em que, categoricamente, precisamos conceituar a democracia enquanto um regime político, principalmente com as revoluções liberais. Isso é dito por um motivo aparentemente simples: a democracia ocidental não se configura somente enquanto um regime político, mas é hipervalorizado como um valor.

Explico

Pensar em algo “democrático” com uma conotação positiva e no “antidemocrático” com negatividade encabeça toda uma lógica de provável hipervalorização do conceito, o que pode obscurecer algumas variáveis importantes para a análise do objeto.

É o caso da utilização da obra “Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro”, do cientista político e Jurista Raymundo Faoro, para interpretar os elementos institucionais que dão o tom da formação do Estado brasileiro, que perpetua o patrimonialismo e o clientelismo, por exemplo, como elementos centrais do “fazer político”.
Partindo dessa lógica, podemos entender que a democracia é um conceito histórico e não está livre da associação com fenômenos políticos que podem ser vistos como “disfuncionais”, como o caso do clientelismo e do patrimonialismo anteriormente citados. Isso significa dizer que, apesar de sim, ser o regime político que melhor se adequa a heterogeneidade social contemporânea, a democracia precisa ser lida também à luz de fenômenos políticos que influenciam continuamente o processo político decisório – e, consequentemente, ela mesma.

A grande questão em torno do debate em defesa da democracia deve ser permeada por uma premissa: entender que há fragilidades no regime político em questão, e que críticas para o seu aprimoramento não são o mesmo que de discurso antidemocráticos.

Por fim, respondendo à pergunta que dá título a esse comentário – o que falamos quando falamos de democracia – podemos considerar algumas coisas. Primeiro, e talvez o mais importante, a democracia é um conceito histórico e a importância de suas dimensões muda com a passagem do tempo; portanto, a resposta para a questão é: depende do tempo histórico de referência, conforme também afirma Boese. A depender do momento em que isso seja panalisado, mais ou menos direitos civis e políticos podem ser ponderados para tal consideração. O que acarreta pensar em como garantir que a democracia hoje não seja simplesmente um regime político que coexista com fenômenos políticos disfuncionais, mas que seja capaz de ser resiliente a eles.

Talvez essa linha proporcione, afinal, que possa entregar uma resposta curta a uma pergunta tão complexa: o que falamos hoje, quando falamos de democracia, é sobre sua necessidade/capacidade de resiliência ante os perigos e ameaças do mundo atual.

Referências bibliográficas

-Boese, V. A. (2019). How (not) to measure democracy. International Area Studies Review, 22(2), 95-127.
-Dahl, R. A. (2020). On democracy. Yale university press.
-Faoro, R. (2021). Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Companhia das Letras.
-Ferreira, J. R. (1998). Atenas, uma democracia?. -Revista da Faculdade de Letras-Línguas e Literaturas, 6, 103-118.

*Pedro Arruda é Bacharel em Direito e Mestre em Ciência Política. Docente nas disciplinas de TCC 1 e 2, Português Jurídico, Teoria Geral do Direito Civil e Atividades Interdisciplinares de Pesquisa e Extensão da Uninassau Serra Talhada/PE.

Deseja receber O PODER e artigos como esse no seu zap ? CLIQUE AQUI.

Confira mais notícias

a

Contato

facebook instagram

Telefone/Whatsappicone phone

Brasília

(61) 99667-4410

Recife

(81) 99967-9957
Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nosso site.
Ao utilizar nosso site e suas ferramentas, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Jornal O Poder - Política de Privacidade

Esta política estabelece como ocorre o tratamento dos dados pessoais dos visitantes dos sites dos projetos gerenciados pela Jornal O Poder.

As informações coletadas de usuários ao preencher formulários inclusos neste site serão utilizadas apenas para fins de comunicação de nossas ações.

O presente site utiliza a tecnologia de cookies, através dos quais não é possível identificar diretamente o usuário. Entretanto, a partir deles é possível saber informações mais generalizadas, como geolocalização, navegador utilizado e se o acesso é por desktop ou mobile, além de identificar outras informações sobre hábitos de navegação.

O usuário tem direito a obter, em relação aos dados tratados pelo nosso site, a qualquer momento, a confirmação do armazenamento desses dados.

O consentimento do usuário titular dos dados será fornecido através do próprio site e seus formulários preenchidos.

De acordo com os termos estabelecidos nesta política, a Jornal O Poder não divulgará dados pessoais.

Com o objetivo de garantir maior proteção das informações pessoais que estão no banco de dados, a Jornal O Poder implementa medidas contra ameaças físicas e técnicas, a fim de proteger todas as informações pessoais para evitar uso e divulgação não autorizados.

fechar