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O adeus de Luís Fernando Veríssimo

01/09/2025 -

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Por Roberto Vieira*


Luís Fernando Veríssimo se foi neste final de semana. E se foi porque, tal qual o analista de Bagé, Luís concluiu sabiamente, diga-se de passagem, que a humanidade é intratável, incurável e detesta chimarrão com jazz. Deve estar de papo com a velhinha de Taubaté, ainda crente nos governos deste mundo, porém gostou mesmo foi de encontrar Sebastião* e Érico reconciliados pela vida eterna.

Érico

Luís pegava a escova de dentes e se mandava para o Birdland, em Nova York, para escutar Charlie Parker. Graças aos trabalhos diplomáticos do pai, Luís viu a guerra nos Estados Unidos e assistiu a fina flor do jazz em Manhattan.

Para quem ouviu Dizzy Gillespie e Bud Powell, a volta ao universo do Guaíba era mesmo digna de um divã. Ainda mais, quando o pai de Luís se chamava Érico Veríssimo. Luís Fernando não se fez de rogado. Comprou um saxofone e uma máquina de escrever. Foi tentar ser igual aos deuses.

Seleção Brasileira

Eu era muito criança, quando, antes da Copa de 1970, a revista Realidade teve a singela ideia de escalar a seleção brasileira de todos os tempos. Para tanto, a revista convocou jornalistas especializados de todo o Brasil. Do Rio de Janeiro, veio João Saldanha, de Pernambuco, Lenivaldo Aragão, Luiz Cavalcanti, Paulo Moraes e Lula Carlos, do jornal O Globo, outro pernambucano, Nelson Rodrigues. Tinha também Thomas Mazzoni, Solange Ribas, Roberto Drummond e Michel Laurence. Representando o jornal Zero Hora, lá de Porto Alegre, o jovem Luís Fernando Veríssimo.





A seleção

A seleção escalada por um monte de craques foi publicada numa edição de capa dura com biografia das onze feras. Tenho o livro na estante, ainda. Pena que o tricampeonato do México, meses depois, tornou a publicação um registro do passado. Tostão, Gerson, Rivelino e Jairzinho pedindo passagem. Como Beatles com Bird. De qualquer forma, foi a primeira vez que escutei outro Veríssimo que não o Érico.

Tubarão

O filme Tubarão arrebatou bilheterias de todo o mundo na década de 1970. Luís Fernando não se fez de rogado. Bolou, com outros humoristas gaúchos, a antologia ‘Tubarão’, genial série de textos que seguiam aquela abertura surpreendente: L.C, comerciária, 24 anos: “É a segunda vez que eu vejo. A parte que eu mais gostei foi aquela do homem com o olho arrancado. Gosto do filme que tem uma mensagem positiva.” Em pouco tempo, Luís Fernando já dividia a lista dos livros mais vendidos da revista Veja com Rubem Fonseca, Millôr Fernandes, Carlos Novaes, Ziraldo, Dom Hélder e... Érico Veríssimo.

Anistia

A anistia ampla, geral e irrestrita foi lançada pelo General Pery Bevilacqua, ex-ministro do Superior Tribunal Militar, no dia 1 de fevereiro de 1978, no auditório da ABI Associação Brasileira de Imprensa). Logo em seguida, uma lista de publicitários brasileiros corria pela imprensa nacional, defendendo o projeto. Entre os que declaravam apoio irrestrito estavam Washington Olivetto, Paulo de Tarso, Paulo Leminski e Luís Fernando Veríssimo. De quebra, Luís partiu para a briga com um jornalista gaúcho que acusou Érico de ‘lacaio da ditadura’. Para Luís, o único defeito do pai era ser gremista.

Analista e Sítio

A minha geração foi arrebatada mesmo por Luís Fernando no lançamento do ‘Analista de Bagé’. Éramos todos freudianos, adeptos do joelhaço e recontávamos milhões de vezes as tiradas politicamente incorretas, nos dias de hoje, daquele personagem gauchesco.






O analista

O analista surgiu na trilha de uma onda sulista, incluindo Kleiton e Kledir e o craque Falcão. Lotamos o teatro quando a peça passou por Recife, devoramos os livros e amamos Lindaura/Simone de Carvalho. De quebra, Luís arrumou tempo para escrever o texto do Sítio do Picapau Amarelo, na Rede Globo, além de tocar saxofone pelos bares da vida.

Posteridade

Um dos textos mais antigos do Luís se chama ‘Posteridade’, publicado no Pasquim. No texto, Luís brinca com o desconhecimento do pretérito pelo presente – tudo baseado numa conversa com Millôr. O goleiro Leão virava Tigre. Aramburu se tornava Cafuringa. Apareciam nos bares Sônia Bréa, Touqinho de Moraes, Fafá de Natal etc. Dito isso, daqui a alguns anos, muitos vão confundir Érico com Luís, ‘Olhai os analistas no campo’ com os caminhos cruzados da velhinha de Taubaté. Tal confusão mental, parte da vida, porém, não será de forma alguma indelicadeza com o craque Luís Fernando Veríssimo. Muito pelo contrário.

Julgar Luís Fernando tal qual Érico é daqueles elogios jamais imaginados por Luís Fernando. Mas o pai viveu no filho. Tibicueras. Agora é ler, reler esses dois que nunca tiveram Complexo de Édipo, segundo o analista de Bagé.


* Sebastião Veríssimo, pai de Érico, bem retratado na biografia ‘Solo de Clarineta’ , foi o anti-Érico. A cena da despedida entre os dois está na antologia memorialista brasileira.

Roberto Vieira é médico e cronista.
 
NR - Os textos assinados expressam a opinião dos seus autores



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