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Artigo – Desvendando a escalada de tensão entre Estados Unidos e Venezuela.

06/09/2025 -

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Por Ricardo Rodrigues*

Desde o encontro de Trump com Putin no Alaska, analistas internacionais vêm adotando uma palavra inusitada para resumir o que, para eles, constituem os objetivos das iniciativas de política externa de Donald Trump. Trata-se da palavra “optics”, em inglês, empregada para enfatizar que haveria mais “aparência (optics) do que substância” nas resoluções geopolíticas de Trump.

De acordo com tais analistas, foi precisamente “optics”, ou um jogo de aparência, que levou o encontro do Alaska a produzir resultados pífios, sem cessar-fogo nem alento das hostilidades na Ucrânia.

A decisão de Trump de enviar 8 embarcações da Marinha de Guerra americana à costa da Venezuela para pressionar o regime de Nicolás Maduro chegou mesmo a ser interpretada como mais uma dessas tiradas extravagantes à base da tal “optics”. Afinal, só a imagem dos navios de guerra, junto com um submarino de propulsão nuclear, perfilados no mar do Caribe, com mísseis Tomahawk supostamente apontados para Caracas, já seria suficiente para gerar uma percepção de conflito iminente na população venezuelana.

Isso, sem falar nos 2.500 fuzileiros navais a bordo dos navios anfíbios USS Iwo Jima, USS San Antonio e USS Fort Lauderdale, prontos para um eventual desembarque nas praias da Venezuela.

Na semana passada, o pesquisador do Atlantic Council George Ramsey fez questão de frisar para um jornal que dificilmente haveria ataques militares durante essa incursão dos navios de guerra americanos à costa Venezuela. Tratando-se, segundo ele, apenas de “uma demonstração de força”, ou seja, de “optics”.

O bombardeio realizado esta semana pela Marinha americana a uma embarcação venezuelana com um suposto carregamento de drogas demonstrou que não é bem assim. O episódio deixou claro que os militares americanos no Caribe estão com o dedo no gatilho, e que o poderio bélico americano poderá, sim, ser empregado.

Com Maduro engasgado na garganta

Não é de hoje que Trump tem o Maduro engasgado em sua garganta. Durante seu primeiro mandato, Trump fez de tudo para promover a mudança de regime na Venezuela.

Na época, os Estados Unidos foram o primeiro país a reconhecer o então presidente do Parlamento, Juan Guaidó, como o legitimo presidente da Venezuela, emprestando-lhe substancial apoio político. Além disso, Trump aplicou duras sanções econômicas ao regime, inviabilizando, entre outras coisas, a comercialização do petróleo venezuelano no mercado internacional.

Nenhuma dessas iniciativas norte-americanas dirigidas a mudar o regime na Venezuela vingaram. Elas contribuíram para empobrecer consideravelmente o país, mas o regime de Maduro prevaleceu. Para Donald Trump, trata-se de uma situação inaceitável.

Equivale a uma falha de seu primeiro mandato que precisa ser reparada, sobretudo, depois da comprovada fraude nas eleições de 2024 na Venezuela. Vale lembrar que provas consideradas irrefutáveis por instituições internacionais, como o Carter center, deram a vitória nas urnas ao candidato da oposição, Edmundo Gonzalez.

Precedente panamenho

A escalada de tensão entre os Estados Unidos e a Venezuela guarda semelhança com a situação que resultou na invasão americana do Panamá em 1989. O objetivo daquela operação autorizada pelo então Presidente George Bush (pai) era destronar o ditador, General Manuel Noriega, do comando do governo do país. Na ocasião, Noriega era procurado pela justiça dos Estados Unidos por tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.

Na manhã do dia 20 de dezembro de 1989, algumas horas antes da invasão propriamente dita, Bush fez um pronunciamento para explicar as razões para a incursão militar em solo panamenho. As principais justificativas eram: defender a democracia e os direitos humanos no país, com a remoção do poder de um ditador, e combater o tráfico de drogas.

Segundo Bush, o Panamá, sob o comando de Noriega, havia se tornado um grande polo de lavagem de dinheiro e um centro de distribuição de drogas para os Estados Unidos.

Durante a escalada de tensão entre os dois países, a morte de um oficial americano por militares panamenhos foi o incidente que ensejou a invasão. O conflito armado resultou na morte de 516 panamenhos e 26 americanos. Noriega se entregou no dia 3 de janeiro de 1990, foi transportado para os Estados Unidos, onde foi julgado e condenado a 40 anos de prisão.

Decifrando a pressão

A princípio, tudo indicava que a ameaça americana, com a chegada da Marinha de Guerra dos Estados Unidos ao Caribe, nas proximidades das águas territoriais venezuelanas, seria apenas pressão. A operação daria um pontapé inicial numa nova estratégia americana de combate ao tráfico de drogas internacional, agora com o engajamento de forças militares.

O posicionamento das embarcações da Marinha americana em águas internacionais ao longo da Costa venezuelana poderia funcionar como uma espécie de bloqueio naval. Essa estratégia assemelhava-se ao que aconteceu durante a chamada crise dos mísseis soviéticos em Cuba, em 1963, como bem lembrou José Nivaldo, em artigo publicado recentemente em O Poder. Nesse caso, a mera interdição de embarcações venezuelanas de transporte de drogas legitimaria a decisão de Donald Trump sem que, necessariamente, houvesse uma invasão militar na Venezuela. Ou seja, sem que a pressão descambasse para o conflito.

Da mesma forma, a pressão representada pela presença dos navios de guerra americanos no litoral da Venezuela poderia estimular a oposição a voltar às ruas em manifestações contra o regime, como o fizeram após o pleito fraudado de 2024. Sentindo-se respaldado pelas forças militares americanas nas proximidades, o combalido movimento de oposição, liderado por Maria Corina Machado, poderia pressionar internamente, replicando as chamadas “revoluções coloridas”, do Leste Europeu, ou as “primaveras árabes” do Oriente Médio.

Ao que tudo indica, a opção por uma invasão seria apenas contemplada caso algum incidente, seja no mar ou em terra venezuelana, desencadeasse o início de combates.

Riscos

Donald Trump e seus assessores conhecem os riscos de uma incursão militar num país como a Venezuela. Não se trata de um país pequeno como o Panamá ou a ilha de Granada. São mais de 900 mil quilômetros quadrados, com uma população de mais de 35 milhões de pessoas. Uma invasão num território de tal tamanho não se resolve rapidamente. Tem tudo para enredar os Estados Unidos em mais uma guerra sem fim. Sabe-se como tais conflitos começam, mas não se tem ideia de como terminam.

Esse tipo de desfecho não interessa a Trump. Primeiro porque contraria suas promessas de campanha junto ao eleitorado MAGA, desviando o governo do foco nos problemas nacionais, tais como a desindustrialização, o desemprego e a inflação. Segundo, porque apresenta um potencial de gerar uma oposição significativa dentro do Congresso, inclusive entre parlamentares do próprio Partido Republicano.

Pesquisas de opinião realizadas em junho deste ano revelaram que 48% dos americanos entrevistados afirmaram ser contra incursões militares no estrangeiro contra 35% que afirmaram ser favoráveis. Além disso, pesquisa do Economist/Yougov constatou que 53% dos eleitores que votaram em Trump nas eleições de 2024 não querem que o país se meta em conflitos no exterior.

Esses números demonstram que um conflito militar com a Venezuela que envolva tropas americanas em combate terrestre certamente desgastaria o governo Trump. E tal desgaste poderia produzir consequências indesejáveis no pleito parlamentar do ano que vem.

E os riscos de incidentes não são negligenciáveis. Ontem mesmo dois aviões de caça da Força Aérea da Venezuela realizaram sobrevoos muito próximos do navio destroyer USS Jason Duham da Marinha americana. O Ministério da Defesa dos Estados Unidos considerou o incidente “uma ação altamente provocativa”. Pela rede social X, o Ministério da Defesa americano advertiu o governo de Nicolás Maduro para não mais tentar “obstruir, deter ou interferir em suas operações contra o narcotráfico e o terrorismo”.

Não é demais lembrar que, no Panamá, foi um incidente, com a morte de um oficial americano, que desencadeou a invasão, transformando pressão em conflito.

*Ricardo Rodrigues é jornalista e cientista político. Ele escreve sobre política internacional para O Poder.

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