
Por ordem na casa das Emendas Parlamentares Por Virginia Pignot*
08/09/2025 -
Emendas Parlamentares que atropelam a Constituição. De 2015 para cá, o poder legislativo brasileiro fortaleceu seu poder, está querendo roubar a chave do cofre, que no sistema presidencialista fica com o presidente da República. A ponto que o Prof. Hugo Scaff diz que o presidencialismo brasileiro foi transformado em parlamentarismo financeiro. Só que essa mudança só poderia ser feita, e olhe la, em uma constituinte.
Crise
A crise gerada pelo golpe político-jurídico-midiático que enfraqueceu e derrubou o governo Dilma, e a fraqueza política do governo Bolsonaro teriam contribuído para esta mudança na balança política.
As emendas
As emendas parlamentares são uma das manifestações mais importantes desta mudança. Em 2015-2016 o volume das emendas era de 5 bilhões de Reais ; em 2024 foi de 47 bilhões de Reais sem que se tenha certeza do destino e da eficiência no uso deste dinheiro. Os legisladores aproveitaram da fraqueza política dos governos neste período para se apropriar de uma fatia enorme do orçamento público.
Dinheiro inutilizado, eficiência duvidosa, risco de paralisação da máquina pública
Se deputados e senadores pisam na bola do respeito às leis e agem em causa própria, queixas chegam ao STF, e cabe então ao poder judiciário interpretar e julgar as emendas conforme a Constituição.
Evoca
O economista Felipe Salto da Fundação Getúlio Vargas evoca três problemas das emendas parlamentares : a falta de transparência ; a ineficiência na alocação dos recursos públicos; uma enorme dificuldade para a execução de uma política fiscal, que fica por conta do poder executivo. O professor de Direito Constitucional Scaff afirma que se o Congresso cria gastos, ele deve cortar outros gastos, não podendo escapar à mesma regra fiscal que ele criou para o executivo.
As emendas parlamentares previstas para o ano que vem são de 54 bilhões de reais. Isso tem constrangido a execução orçamentária planejada, quer dizer, contrai as despesas para execução do plano de governo. Se nada for feito em relação a este problema, se prevê uma paralisação da máquina pública em 2027.
Breve resumo histórico das emendas
Seguindo observações de um leitor atento ao meu primeiro artigo de 27-08 no Poder sobre o assunto, trago algumas precisões. As emendas teriam sido criadas durante a Constituinte de 1946 e modificadas em 88, para garantir maior participação do poder legislativo na alocação dos gastos públicos, sob autorização do poder executivo. Ficaram « dormindo » um tempo.
Quando a presidente Dilma negou repassar emendas individuais aos parlamentares, (ela tinha este direito e dever de cuidar das contas publicas), estes votaram a emenda parlamentar 86 em 2015, tornando as emendas impositivas, que devem ser cumpridas pelo executivo.
Expansão das emendas e o necessário limite da lei
Durante o governo Bolsonaro o Congresso expandiu o processo, tornando obrigatórias as chamadas « emendas de bancadas estaduais ». Depois votaram as emendas de comissões e outras tantas. Em países que admitem as emendas como os EUA, França, Itália, estas não ultrapassam 1 % do orçamento. No Brasil atual, as emendas representam 25 % deste. Com a intervenção do STF, as emendas Pix, sem origem nem destino definidos, inconstitucionais, já foram proibidas.
Os poderes
O Advogado de umas das partes, Walfrido Wardes, lembra que os poderes não podem arrogar-se competência que a lei não os atribui, sob pena de atentar contra a União. Ele questiona : « afastar o Presidente da Republica como diretor geral da administração publica federal é constitucional ou inconstitucional ? » e afirma :« O que temos aqui é um atentado contra a União ».
As emendas e o desrespeito à justiça eleitoral
A professora e advogada Marilda Silveira veio representar a Transparência eleitoral na audiência publica sobre as emendas em junho 2025 no STF.
Ela questiona se o atual sistema de emendas parlamentares afeta ou não a possibilidade de controle do processo eleitoral, pois esta possibilidade de controle é uma das cláusulas pétreas da Constituição. As emendas parlamentares não são consideradas doações ou transferências, e elas não são identificáveis no seu destino, apesar do volume financeiro elevadíssimo em jogo.
Isto impacta a interdição de compra de apoio político, de transferência ou doações ha três meses do pleito, deixando o parlamentar que pratica crime eleitoral livre do risco de inelegibilidade, de cassação de mandato, de condenação por crime eleitoral. Ela afirma que no modelo atual a distorção na identificação desta cadeia impede a possibilidade de controle.
Concluindo
A maioria das emendas estaria sendo utilizada sem rastreabilidade nem transparência. «A gente está permitindo ao parlamentar fazer uma execução privada do dinheiro público », disse a procuradora Elida na audiência pública que tratou das emendas no STF. Este modelo fere a
Constituição
Constituição, e fere também a paridade de armas durante as eleições : « O parlamentar escolhe o CNPJ da empresa que recebe o dinheiro, o que é ilegal, mas não é o CPF dele que vai no processo de prestação de contas para o TCU, ele não responde na esfera eleitoral, nem na esfera penal. »
Queixas contra as emendas estão chegando ao Supremo, poderíamos esperar que os parlamentares « tomassem juízo », e consertassem os conflitos entre emendas contraditórias editadas pelos próprios, mas se isso não acontecer, cabe ao Supremo restabelecer e impor a ordem constitucional.
*Virgínia Pignot é médica e articulista. Mora em Toulouse, França, desde os anos 1980.
NR - Os artigos assinados expressam a opinião dos seus autores.