
Railay Beach: O chamado da beleza Por Jorge Henrique de Freitas Pinho*
09/09/2025 -
"Às vezes não é o corpo que viaja, mas o sangue antigo que desperta, lembrando que somos herdeiros de travessias sem mapas e de horizontes que a alma ainda reconhece."
- Jorge Henrique de Freitas Pinho
Imagens
Há imagens que não são apenas registros visuais, mas verdadeiros convites espirituais. A fotografia diante de mim — de Railay Beach, em Krabi, Tailândia — fala como se fosse uma voz que atravessa distâncias e me alcança na alma.
Nunca estive fisicamente ali, mas sua beleza já me pertence, porque tocou o íntimo da minha memória simbólica.
Falésias de calcário
As falésias de calcário, erguendo-se como muralhas ancestrais, parecem guardar um segredo. Não são apenas rochas: são colunas de um templo invisível, erigido pela natureza para lembrar ao homem sua pequenez diante da eternidade.
O mar
Entre elas, o mar de águas verde-esmeralda se insinua suave, como quem ensina que a fluidez vence o rígido e que o movimento é a lei da vida.
O barco long-tail repousa sobre a superfície tranquila. Simples, de madeira, com linhas despretensiosas, ele se torna símbolo de uma verdade esquecida: o essencial não precisa de ornamentos.
Paisagem monumental
Ali está, pequeno diante da paisagem monumental e, no entanto, indispensável, porque é o instrumento da travessia — e toda vida verdadeira é, em algum grau, travessia.
E talvez essa imagem me fale tanto à alma não apenas por sua beleza visível, mas por uma vibração mais funda, uma memória que não sei nomear. Sou herdeiro também de sangue indígena da Amazônia e não ignoro que, em algum ponto da história, homens e mulheres atravessaram oceanos e rios em embarcações igualmente frágeis, guiados pelo instinto e pelas estrelas.
Fotografia
Não afirmo rotas; reconheço um chamado: que essa fotografia desperte em mim o eco de uma ancestralidade navegante, um fio secreto que, sem mapas, une a vastidão do Pacífico ao coração da selva amazônica.
Ao contemplar a imagem, a razão dialoga com o símbolo. Platão, no Banquete, descreve uma ascensão do amor que começa no sensível e se eleva até o inteligível: do encanto por um corpo à contemplação das leis, dos conhecimentos e, enfim, da Beleza em si.
Cena de Railay
A cena de Railay é um desses degraus, onde a forma visível desperta um desejo invisível. Para Plotino, o Belo não é mero adorno da matéria, mas presença de forma que convida a alma ao retorno, do disperso ao Uno. A fotografia — ordem, proporção e claridade — não distrai: concentra. O olhar recolhe-se e, recolhendo-se, ascende.
Agostinho
Em Agostinho, a beleza acorda em nós uma saudade de origem: o amor, desviado pelas ilusões, reencontra sua ordem quando vê o que é luminoso e harmônico.
Tomás de Aquino
Tomás de Aquino define a beleza pela integridade, pela proporção e pela claridade: aquilo que, visto, agrada — não por capricho, mas porque manifesta um sentido. Em Railay, a inteireza das formas, a proporção entre rocha, mar e barco, e a claridade que banha a cena produzem esse deleite que não anestesia, mas desperta.
pensamento cristão
O pensamento cristão místico de Pseudo-Dionísio vai mais fundo: o Belo é um dos nomes de Deus, a força que atrai tudo ao seu princípio. Já em Hegel, a beleza é a “aparência sensível da Ideia”: o infinito se insinua no finito. Não acumulo nomes; sigo a convergência: de Platão a Hegel, a filosofia proclama que a beleza não é ornamento, mas via.
A pergunta socrática, então, impõe-se: o que exatamente em mim se move quando contemplo? Se é apenas emoção, passará; se é vontade, transformará; se é inteligência, integrará.
Altar natural
Essa fotografia, por isso, é um altar natural. Ensina que a beleza não é adereço, mas arquitetura do ser. Mesmo sem ter posto os pés em Railay Beach, sinto-me iniciado em sua liturgia: o silêncio das rochas, a humildade do barco, a eternidade do mar. O olhar se torna oração e a alma, navegante.
Filosofia clássica
A filosofia clássica sempre ensinou que a beleza é uma das faces da pirâmide que nos conduz a Deus - talvez a mais acessível e rápida de escalar. Pela beleza, os sentidos não são negados, mas educados; a razão não é desprezada, mas convidada; a vontade não é violentada, mas atraída. Nessa convergência, o homem inteiro sobe.
E é então que compreendo: essa beleza me eleva porque desperta a consciência de que tudo é nela, tudo está nela e ela está em tudo. Railay, ainda que distante, já me recebeu em seu templo.
A praia
E talvez a beleza maior não esteja em alcançar a praia, mas em permitir que a imagem habite em mim — como um mapa não de caminhos exteriores, mas da rota pela qual, do visível ao invisível, do múltiplo ao Uno, do tempo ao Eterno, o coração se eleva em consciência.
*Jorge Pinho é advogado, escritor e pensador. Ex-procurador-geral do Estado do Amazonas.
NR - As crônicas refletem a visão, a opinião e a imaginação dos seus autores.
