
Qual o Remédio? - Crônica, por Romero Falcão*
10/09/2025 -
"Cardisplicente"
Há uma cultura de que os homens não se cuidam. Ir ao médico é trabalho árduo das esposas, companheiras. Marcam consulta, exames. Pegam o touro pela unha, arrastam até a mesa do doutor. O pernambucano Antônio Maria - águia da crônica - se dizia um "cardisplicente". Era cardiopata, mas não levava a sério. Em 15 de outubro de 1964, na porta do Restaurante, Rond Point, em Copacabana, o coração do "Homem Chamado Maria" que tocou e encantou por 57 anos, parou definitivamente.
Na Contramão do Patriarca
E quando a especialidade é geriatria o caldo engrossa, porque ainda há preconceito misturado com ignorância de que geriatra é coisa pra velho caquético. Meu pai com setenta anos ia pra tudo que era médico, mas tinha resistência para agendar o "médico de velho". Na contramão do patriarca, bato na porta do geriatra desde os meus cinquenta anos. Não com intuito de permanecer por longos anos nesse vale de lágrima e riso, e sim conservar a carcaça dentro do tempo de validade que ainda me resta

Poleiro Granfino
Todo garboso, ainda fedendo a leite na entrada da melhor idade - sessenta anos - estaciono o carro na vaga prioritária. Saco do cofre o cartão de idoso - recém adquirido - deposito o pequeno cartaz no tablier. Já dentro do prédio, dispenso o elevador, vou de escada até o décimo segundo andar. Se eu morasse num poleiro granfino como esse, subiria e desceria da minha gaiola pela escada. Nos últimos degraus, o coração aguenta firme. Idoso gosta de fazer trela. O exagero agradece, o cemitério se anima.

Quebro a Mudez
Na sala de espera, cabelos brancos conversam. Na tela grande, Ana Maria Braga passa despercebida. Na pequena, uma senhora joga entusiasmada. Permaneço em silêncio, aparentemente alheio, porém, captando tudo. Resolvo quebrar a mudez, puxo conversa com um ancião da cadeira ao lado, amparado pela bengala. A prosa caminha por entre dores, doenças, achaques. Desvio o curso da amargura, mergulhamos em temas mais leves, engraçados. Eis que abre um sorriso de lábios caídos. Ele me questiona:
- Já tem idade pro geriatra?
- Sim, tenho sessenta anos
- Não, não acredito, eu te dou cinquenta, rapaz
- Qual o remédio?
- É tirar sarro e sacarmos de quase tudo, sobretudo de mim mesmo, respondo. Ele ri.
Após demasiada espera, a recepcionista me chama: "Senhor Romero se dirija ao consultório quatro".
*Romero Falcão, é um cronista que se arrisca a fazer poema torto, autor do livro: Asas das Horas, com prefácio do Prof. José Nivaldo.
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