
O Delmiro Gouveia do País de Caruaru - Artigo, Por Valéria Barbalho*
11/09/2025 -
Lendo “Delmiro Gouveia, Entre o Mito e a Realidade” (Maceió, 2014), dos professores Eliseu Diógenes, da UFAL, Sergio Alves, da UFPE e do pesquisador da ABRAS/UFF, Davi Roberto Bandeira da Silva, entendi por que meu pai comparou José de Vasconcelos e Silva ao renomado empreendedor nordestino Delmiro Gouveia, que fez história em Pernambuco e Alagoas no início do século passado.
Fibra de Caruá
Nascido em Altinho, mas radicado em Caruaru desde muito jovem, José Vasconcelos descobriu, após pesquisas experimentais, que o vegetal Caruá, que existia aos montes nas terras agrestinas, tinha uma fibra muito resistente que servia para a produção de fios. Decidiu, então, industrializá-lo. Para concretizar sua ideia, pediu apoio aos órgãos governamentais, conseguido graças à sensibilidade do Governador de Pernambuco na época, Carlos de Lima Cavalcanti, e do Prefeito de Caruaru, Adolfo Silva Filho. Delmiro também precisou do incentivo do Governo de Alagoas, para instalar sua fábrica em Pedra/AL.
A Fábrica
Em 5 de setembro de 1933, foi iniciada a construção da Fábrica da Caruá, sob a supervisão do engenheiro
José Cândido de Morais. Um projeto grandioso. O prédio tinha 150x30 metros quadrados de área construída e seu custo foi avaliado em seis mil e trezentos contos de réis (naquele tempo, uma fortuna). Após dois anos de trabalho a obra foi concluída, seguindo o ousado projeto original. A inauguração da Fábrica ocorreu em 9 de setembro de 1935. Foi um acontecimento tão importante que o Prefeito decretou feriado municipal, para que todos fossem testemunhar o evento, que contou com a presença de ilustres convidados.
Comitiva do Governador
Do Recife, logo cedo, num trem especialmente cedido pela GWBR, chegaram o Governador Carlos de Lima e sua comitiva: Nelson Coutinho (Secretário da Justiça), Silvio Granville (da Fazenda), Paulo Carneiro (da Agricultura), Humberto de Carvalho e o caruaruense Álvaro Lins, oficiais de gabinete. Foram recebidos, na estação, pelo Prefeito Adolfo Silva, por José e filhos (sócios da firma José Vasconcelos & Cia), e por uma comissão formada por membros da diretoria local do Partido Social Democrático: Batista de Almeida, Pedro de Souza, Manuel de Sales Tiné, Antônio Pinto, Manuel Claudino, João Brito do Amarante e Frutuosa Lorega. Dali, as comitivas seguiram para a mansão dos Vasconcelos e, de lá, para a Fábrica.
Música e Banquete
As bandas musicais Comercial e Nova Euterpe tocavam sem parar, animando a multidão que assistia o antológico episódio. Às onze da manhã o apito da Caruá ecoou pela primeira vez, proclamando o início das suas atividades. Foguetões pipocaram no céu. O povo aplaudiu, gritou viva. Por volta das treze horas os convidados foram para o Paço Municipal, onde José Vasconcelos ofereceu um banquete organizado pelo Mestre Sacramento, um famoso chef, vindo do Recife especialmente para essa finalidade. Durante o fino almoço, entre brindes com champanhe,
discursaram o engenheiro José Cândido, o Governador e, por último, Aurélio Vasconcelos e Silva, que
fez os agradecimentos em nome da família.
Produção
No início, a Caruá produzia cerca de 120 toneladas de fios e barbantes por mês. Após novos testes e
experiências com a resistente fibra e aquisição de novas máquinas, a fábrica passou, também, a produzir
sacos e tecidos. O sucesso dos tecidos para confecção de roupas, por conta da sua durabilidade e bom
caimento, foi tamanho que fábricas estrangeiras de tecidos instaladas no Brasil sentiram-se prejudicadas
com a concorrente matuta (caso semelhante ocorreu com Delmiro, em Pedra).
Fechada Sem Incentivos
Pressionaram, então, os governantes brasileiros para cortarem os incentivos dados à rival caruaruense. Vergonhoso! Depois de mais de quarenta anos, em 1978, a fábrica encerrou, definitivamente, suas atividades. E a Capital do Agreste, Pernambuco e o Nordeste, perderam a pujança da inesquecível Caruá. Porém, José Vasconcelos e Silva, o Delmiro Gouveia do País de Caruaru, fez história como um importante empreendedor nordestino.
*Valéria Barbalho é médica pediatra, cronista e filha do escritor e historiador caruaruense Nelson Barbalho.
