
É Findi - Alfenim - Por Malude Maciel* e Josué Sena*
13/09/2025 -
Alfenim - Artigo, por Malude Maciel*
Seu Né era a alcunha do meu avô materno, residente no alto sertão de Pernambuco, mais precisamente na cidade de Calumbi.
Vovô Né quase não nos visitava aqui em Caruaru, a não ser na época do Natal, para rever as filhas, os netos, os genros e apreciar a bonita festa natalina que havia nesta cidade que recebia muitos visitantes de toda parte do mundo em todo final de ano.
Essa festa, denominada "Festa do Comércio" acontecia exatamente na área comercial, no centro caruaruense, sendo custeada pelo comércio local e, era conhecida em toda parte, pela grandeza e beleza características do estilo agrestino.
Nós, os mais novos, vibrávamos com a chegada de vovô Né que às vezes vinha de trem ou nas boleias de caminhões, pois os transportes eram precários naquela época.
Tempo
Depois de vencer o cansaço da viagem, aquele velho branco, queimado do sol, possivelmente descendente de portugueses, batalhador e um exemplo de vida honrada de muito trabalho, dedicava aquele precioso momento às conversas descontraídas, relatando os acontecimentos mais recentes. Depois, vinha a melhor parte: os presentes, especialmente para nós, a criançada de então. Ele ficava admirado com sua prole e conhecia alguns pirralhos que nunca tinha visto, porque não havia possibilidades de fotos como atualmente que de um lado a outro do planeta há comunicação em segundos pela internet e celulares, coisa que nem se imaginava de um dia existir.

Vovô trazia uma caixa muito interessante, preenchida com palha e dentro dela uma iguaria que até hoje não vi igual. Era o alfenim, feito nos engenhos de cana-de- açúcar.
Alfenim é uma massa alva e seca, feita de açúcar, água, vinagre ou limão e também óleo de amêndoas doces. Não é a rapadura batida, que também é feita da cana, mas tem a cor escura, amarronzada; o alfenim é branquinho, delicado, um primor de gostosura. Ao invés de trazer brinquedos ou algo que se encontre por aqui, o velho optava pelos alfenins que marcaram sua presença e representava sua região. Cada doce simbolizava uma figura folclórica no feitio.
Quem já esteve por aquelas bandas de Triunfo, Serra Talhada, Calumbi, etc. deve ter visto alguns engenhos ainda em funcionamento e isto diz muito da nossa História.
Meu avô era um homem simples, vivia da agricultura e do pequeno comércio. Dizia ter visto Lampião de perto e, contava histórias formidáveis. Para mim foi um herói e símbolo do sertanejo em si: "antes de tudo um forte", como bem o definiu Euclides da Cunha.
A convivência entre as gerações é muito significativa e enriquece os seres humanos.
Eu procuro primar nos contatos com minhas netas, porque sei que elas guardarão na lembrança nossos belos momentos em comum.
Porque o tempo não pára. Tudo passa, tudo passa.
Essa escrita eu prometi a Josué

Alfenim, por Josué Sena*
Na pureza do alvo alfenim,
Na doçura que ele tem,
Vejo asas de querubim
E de passarinhos também.
Do sertão não vim
O litoral norte foi que me criou
Mas há lugar nas lembranças sim,
Para o doce de que fã sou.
Não sei de receituário outro ou novo,
Sei, na composição, do açúcar refinado.
E da clara do ovo.
Por minha mãe preparado,
Com carinho e sabor delicado
Tão do gosto do meu povo.
*Malude Maciel, Academia Caruaruense de Cultura, Ciências e Letras, ACACCIL, cadeira 15 pertencente à professora Sinhazina.
e
*Josué Sena, poeta e desembargador do TJPE.
